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Obituário

Warwick Kerr, primeiro diretor científico da FAPESP, morre aos 96 anos

Um dos maiores especialistas em genética de abelhas no mundo foi professor da USP, presidente da SBPC e primeiro brasileiro eleito na Academia de Ciências dos Estados Unidos

Eduardo Cesar Warwick Estevam Kerr, em 2000Eduardo Cesar

O entomologista e geneticista Warwick Kerr, um dos maiores especialistas em genética de abelhas no mundo, morreu no sábado (15/09), em decorrência de parada cardíaca.

Kerr tinha 96 anos e estava internado em um hospital de Ribeirão Preto (SP), onde morava com a família e foi velado. A cerimônia de cremação foi realizada no domingo.

Kerr foi diretor científico da FAPESP a partir do início do funcionamento da Fundação, em 1962, por sugestão de Paulo Emílio Vanzolini e Crodowaldo Pavan, tendo sido nomeado pelo então governador Carvalho Pinto.

“O professor Kerr foi um cientista respeitado e o primeiro diretor científico da FAPESP. Estabeleceu na Fundação o compromisso com a pesquisa como eixo central e definidor das ações e o sistema de avaliação por pares. Sua dedicação e seu apreço pelo mérito científico, avaliado pelos pares, foi definitivo para o sucesso da FAPESP como entidade de apoio à pesquisa”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

Em entrevista à revista Pesquisa FAPESP, Kerr contou os desafios que enfrentou ao assumir a diretoria científica da então nova Fundação.

“Minha primeira preocupação foi fazer um regimento interno, que depois foi aprovado pela Assembléia Legislativa. Eu contava com dois excelentes juristas, um era José Geraldo de Ataliba Nogueira, que era assessor jurídico da FAPESP, e o outro William Saad Hossne, seu diretor administrativo. Os dois faziam a lei e traziam para mim. Eu saía literalmente da sala, voltava e dizia: ‘Agora eu sou o usuário, quero saber como isso prejudica ou melhora minha atividade de cientista’. Dessa maneira foi feito não só o regimento, depois copiado por outras instituições, como também as próprias leis que regem a Fundação. A própria Constituição de São Paulo já dizia que era função da FAPESP executar pesquisas que favorecessem o estado de São Paulo. Também me preocupava muito com a agilidade no julgamento dos processos. Eu poderia decidir rapidamente se entendesse do assunto. Se não, teria de convocar assessores, especialistas no assunto”, disse.

Kerr foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de 1969 a 1973, período marcado pelas crises entre o governo militar e a comunidade científica e universitária. A SBPC, sob liderança de Kerr, manifestou clara postura de repúdio às arbitrariedades praticadas pela ditadura. Kerr foi preso duas vezes, em 1964 e 1969.

“Ele foi um grande mestre, um exemplo de resistência no período da ditadura. Tenho certeza que crescemos com ele. Ele sempre manteve os princípios de ética e moral elevados e, por isso, a sua morte deixa um grande silêncio para todos nós”, disse Ennio Candotti, presidente de honra da SBPC, em nota da entidade.

“Ele teve uma contribuição muito importante para a ciência brasileira e mundial, para a genética, no estudo das abelhas e na formação de pessoas. Ele foi um batalhador permanente. Durante décadas, lutou pela ciência e pela educação brasileiras”, disse Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC.

Kerr dedicou sua vida a estudar a genética das abelhas, especialmente da espécie Apis Mellifera Scutella. Desenvolveu a abelha africanizada, uma espécie hibrida que é menos agressiva que as outras, mais produtiva e resistente à varoa (doença causada por ácaros que acomete as colmeias). Ficou conhecido internacionalmente em 1950, quando realizou um trabalho inédito sobre a determinação de castas em abelhas do gênero Mellipona (sem ferrão) (leia mais sobre o trabalho com abelhas na revista Estudos Avançadoswww.scielo.br/pdf/ea/v19n53/24080.pdf).

Desbravando o Brasil
Nascido em Santana do Parnaíba, em 1922, Warwick Estevam Kerr formou-se engenheiro agrônomo e, após o doutoramento e a livre-docência, tornou-se professor na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP), onde foi chefe no Departamento de Genética.

Como biólogo e geneticista, Kerr iniciou sua carreira acadêmica em um período de grande desenvolvimento dessas disciplinas em São Paulo, graças à presença de cientistas como Carlos Arnaldo Krug, Friedrich Gustav Brieger, André Dreyfus e Theodosius Dobzhansky, este considerado como um dos maiores geneticistas do século 20.

Incentivado por Dobzhansky, Kerr estagiou e deu aulas em diversas universidades norte-americanas. A atuação no país fez com que se tornasse o primeiro cientista brasileiro eleito na Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

Em 1955, Kerr foi chefe do Departamento de Biologia em Rio Claro no início da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em 1964, saiu da FAPESP para montar o Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Entre 1975 e 1979, dirigiu o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Depois de aposentar-se da USP, foi reitor da Universidade Estadual do Maranhão. Em seguida, foi convidado a continuar suas pesquisas na Universidade Federal de Uberlândia.

“Ele podia ter ficado fazendo a ciência dele, mas não se contentou. E saiu desbravando o Brasil. Ele é responsável pelo desenvolvimento de diversas instituições, inclusive no Norte do Brasil, em uma época em que as pessoas não acreditavam no potencial da região, nem que era possível fazer ciência ali. Ele contribuiu para criação do Inpa, na década de 1970 e da Universidade Estadual do Maranhão. Isso sem falar nas outras instituições ”, disse Helena Nader, presidente de honra da SBPC

Em 1994, foi admitido pelo presidente da República à Ordem Nacional do Mérito Científico no Grau de Grão Cruz. Kerr deixou seis filhos. A esposa faleceu em 2017.

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