Imprimir PDF Republicar

Capa

A poluição causa doenças e mata

O aumento do nível de poluição atmosférica, que acontece principalmente no período do inverno, pode aumentar até 12% o risco de morte por doenças respiratórias em dias de “pico” de contaminação do ar. Mas os danos à saúde não acontecem apenas nessas ocasiões. Uma exposição prolongada por meses ou anos, mesmo a níveis relativamente baixos de poluição, pode provocar doenças das vias respiratórias em pessoas saudáveis, agravar o quadro de quem já tem problemas respiratórios e também levar à morte.

Essas são conclusões de uma pesquisa realizada em São Paulo por um grupo de cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que avalia a relação entre meio-ambiente e saúde através de estudos epidemiológicos e laboratoriais. Além de colherem dados em prontos-socorros da cidade, relacionando números de atendimentos, internações e mortes por problemas respiratórios com indicadores de poluição, eles observaram os chamados efeitos crônicos da má qualidade do ar sobre o organismo, realizando testes com ratos saudáveis.

Colocados em locais de alto índice de poluição em São Paulo, depois de três meses os animais ficaram com o nariz entupido, um dos primeiros sintomas da rinite alérgica, muitos tiveram crises de asma (bastante semelhante à asma de seres humanos) e quase todos tiveram as suas defesas pulmonares reduzidas. Além disso, o risco de contrair câncer se tornou 2,5 vezes maior do que o normal.

A pesquisa, que se desenvolve como um projeto temático, Poluição Atmosférica na Região Metropolitana de São Paulo: Impacto sobre Saúde da População e Proposição de Medidas Saneadoras, está sendo coordenada pelo professor Paulo Hilário Saldiva, chefe do Departamento de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, e está sendo financiada pela FAPESP, que já investiu recursos da ordem de R$ 68 mil.

Os principais poluentes
A pesquisa utilizou como ponto de partida dados levantados pelo professor Gyorgy Böhm, da FMUSP, anos antes, que mediam a emissão de gases dos combustíveis usados no transporte e os efeitos deles no ambiente urbano. De acordo com Paulo Hilário Saldiva, o ar de São Paulo recebe anualmente cerca de 3 milhões de toneladas de poluentes, sendo 90% deles emitidos por gases dos veículos automotores.

O principal poluente é o monóxido de carbono, do qual são emitidas 1,9 milhão de toneladas por ano. Suas principais fontes são os carros a gasolina (49%), os veículos a diesel (28%) e os carros a álcool (17%). Grandes concentrações desse poluente prejudicam a oxigenação do organismo, causando diminuição dos reflexos e da percepção visual.

Os outros poluentes mais importantes são os hidrocarbonetos (430 mil toneladas por ano), óxido de nitrogênio (450 mil toneladas), óxido de enxofre (130 mil toneladas) e material particulado (núcleo de carbono no qual se aderem várias substâncias tóxicas, como compostos de enxofre e nitrogênio e metais 95 toneladas). No caso da cidade de São Paulo, as indústrias são responsáveis pela emissão apenas das partículas inaláveis (10%) e de dióxido de enxofre (15%). O restante é emitido por veículos.

No inverno, estação caracterizada no Centro-Sul e Sul do país pela pouca ocorrência de chuvas e ventos – fatores responsáveis pela dispersão de poluentes e época em que acontecem com freqüência as inversões térmicas, os índices de poluição aumentam na cidade.

“As pessoas mais afetadas com a poluição nos centros urbanos são aquelas pertencentes aos chamados grupos de risco, que são as crianças desnutridas, os idosos e pessoas que já sofrem de alguma enfermidade, como asma e bronquite crônica”, diz Saldiva, acrescentando que “os padrões de qualidade do ar são eficientes para preservar a saúde da média da população, mas não impedem efeitos adversos, especialmente sobre os grupos mais suscetíveis da sociedade”.

Efeitos da poluição
Dados da pesquisa apontam um aumento de 25% na procura por atendimento em prontos-socorros infantis em dias subseqüentes a ocorrências de elevadas concentrações de poluentes na atmosfera. No Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, o número de internações por motivos respiratórios durante o período de inverno aumenta até 15%. No Instituto da Criança da FMUSP esse índice chega a 20%. Além disso, a taxa de mortalidade de idosos acima de 65 anos aumenta até 12%.

Esses números caracterizam os chamados efeitos agudos da poluição: aqueles que acontecem em pessoas com doenças respiratórias ou mais suscetíveis e se manifestam bruscamente, em dias de maior concentração de poluentes. Foram obtidos com base em índices de mortalidade e de internações de pessoas com problemas respiratórios em hospitais de São Paulo, fornecidos respectivamente pelo SUS e pelo Programa de Aprimoramento de Informações sobre Mortalidade (PROAIM), da Prefeitura do município. No levantamento, relacionou-se o número de ocorrências de mortes ou internações, ao longo de anos, com fatores sazonais como estação do ano, mês ou dia da semana, indicadores de temperatura e umidade relativa do ar, e o nível de poluição.

“Quanto maior a exposição dos habitantes aos gases e maior a sua debilidade física, menor a capacidade de expelir as partículas tóxicas, que se acumulam por mais tempo nas vias respiratórias”, destaca Saldiva. E acrescenta: “A poluição tem sempre um efeito mensurável sobre a saúde. Quando agudo, esse efeito é quase imediato”.

Alterações orgânicas
Os chamados efeitos crônicos da poluição sobre a saúde se caracterizam por alterações orgânicas, muitas vezes irreversíveis, que se processam ao longo de meses ou anos de exposição contínua a um ar inadequado. Para registrar essas alterações, os pesquisadores utilizaram ratos, criados em diferentes ambientes, mas sob as mesmas condições climáticas. Mais especificamente, as cidades de São Paulo e de Atibaia, no interior do estado, onde os animais foram mantidos por períodos de três meses a um ano.

Em São Paulo, os ratos foram colocados na torre da Igreja Nossa Senhora do Rosário, no Largo do Paiçandu, região central da cidade, local de grande concentração de poluentes. Após três meses, os ratos tiveram diversos tipos de reações alérgicas, como rinite e asma, redução dedefesa do organismo e maior chance de contrair câncer de pulmão. Além disso, 18% dos ratos em São Paulo tiveram morte espontânea, contra 5% dos que ficaram expostos ao ar de Atibaia. Estes últimos tiveram apenas os problemas respiratórios normais aos ratos, já que é comum à espécie uma certa ocorrência de doenças respiratórias.

Os problemas de saúde nos animais expostos à poluição do ar decorreu de alterações inflamatórias difusas do tecido respiratório, que se estendem das vias aéreas superiores até os alvéolos pulmonares. No processo de troca de ar entre o meio externo e os pulmões, ficam aderidas sobre o muco respiratório substâncias e partículas inaladas que são removidas através da ação do batimento ciliar (cílios localizados no canal respiratório).

A poluição provoca uma disfunção do aparelho mucociliar (aquele que funciona como uma espécie de filtro do ar inalado), com redução da freqüência de batimento ciliar. Em conseqüência, pode haver um aumento da vulnerabilidade para a contração de doenças respiratórias na população exposta. Ou seja, uma exposição prolongada por meses ou anos pode levar uma pessoa sadia a ficar doente. E mais, segundo Saldiva: por estar exposto a agentes cancerígenos do cigarro e da poluição, o fumante, em São Paulo, corre mais riscos de contrair câncer de pulmão do que o aquele de uma cidade não poluída como Atibaia.

Crianças e idosos
Atualmente, em paralelo aos experimentos em laboratório, o pesquisador Paulo Saldiva está direcionando sua pesquisa para crianças e idosos, observando a relação entre poluição atmosférica e mortalidade por doenças respiratórias especificamente entre pessoas nessas faixas etárias. Para isto, ele está utilizando dados de poluição medidos pelas estações de monitoramento de poluentes da Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo (CETESB).

Desde janeiro do ano passado todas as crianças que são internadas no Instituto da Criança são medidas, pesadas e avaliadas, observando-se manifestações alérgicas, exposição ao fumo em casa e outros fatores poluentes ambientais. Além disso, os alunos com idades entre 4 e 7 anos de escolas municipais de educação infantil próximas a estações da Cetesb, estão tendo também suas condições de saúde avaliadas.

“Todas as vezes que aumenta a poluição naquelas regiões, uma hora depois as crianças apresentam prejuízo de sua função pulmonar”, diz o pesquisador. O mais grave, segundo ele, é que não há níveis de segurança para os poluentes, ou seja, até mesmo quando dentro dos limites de tolerância, a poluição pode causar aumentos da morbidade e mortalidade da população a ela exposta.

Republicar