Há cerca de 4,5 bilhões de anos, a Terra começou a se formar. Foi um lento e longo processo de transformações geológicas que culminaram na atual condição da sua superfície, na crosta terrestre, onde o homem vive, planta seu alimento e constrói seus edifícios. Para contar a história do planeta, os cientistas estudam, principalmente, as rochas, que podem ser comparadas a personagens que foram surgindo ao longo dos anos e guardam os segredos da sua origem e evolução.
Pesquisadores do Instituto de Geociências (IG) da Universidade de São Paulo (USP) estão realizando um estudo que conta a história da crosta continental da América do Sul. Os estudos fazem parte dos projetos temáticos Evolução Tectônica da América do Sul , finalizado em 1996, e Evolução Crustal da América do Sul , em andamento, ambos financiados pela FAPESP, sob a coordenação do professor Umberto Giuseppe Cordani. “Estudamos o mosaico de blocos rochosos existentes no continente e traçamos a história dos terrenos que formam a crosta terrestre”, explica o professor Cordani. “É a história do planeta, tão importante para nós e tão pouca conhecida para a sociedade brasileira. A geologia não tem muito apelo popular, talvez porque, aqui, não temos vulcões, terremotos ou outras grandes catástrofes naturais, que poderiam trazer um maior interesse ao tema”.
As rochas mais antigas
Estudos que envolvem a narração da história geológica de um continente como a América do Sul baseiam-se na determinação de idades de rochas e minerais, um ramo da geoquímica isotópica denominada geocronologia. A longevidade das rochas é muito variada. As formações rochosas mais antigas do continente sul-americano, com a idade de 3,5 bilhões de anos, estão no Estado da Bahia, nos municípios de Brumado e Vitória da Conquista. Na Serra de Carajás, no Pará, há rochas com 3 bilhões de anos, e idades similares são encontradas no Quadrilátero Ferrífero, perto de Belo Horizonte. No leste baiano, regiões de Salvador e Itabuna, as rochas são mais novas, da ordem de 2 bilhões de anos, e idades similares ocorrem em muitas outras regiões sul-americanas, como, por exemplo, São Luís, no Maranhão, Macapá, no Amapá, Cayena, na Guiana, e Mar del Plata, na Argentina.
Outros terrenos são mais novos, como os do litoral sudeste do país, incluindo as localidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, onde muitas rochas foram formadas há cerca de 600 milhões de anos, na época da constituição do supercontinente de Gondwana, o qual incluía, além da América do Sul, África, Índia, Austrália e Antártica. Bem mais recentes, respectivamente com 130 milhões e com 80 milhões de anos, são as rochas basálticas da Bacia do Paraná, no sul do Brasil, e da Ilha de São Sebastião, no litoral paulista. E têm apenas 10 milhões de anos as rochas do Arquipélago de Fernando de Noronha. Estas últimas, informa Cordani, foram formadas apósa abertura do Oceano Atlântico, ocorrida há não mais do que 100 milhões de anos, com a fragmentação do supercontinente denominado Pangea.
Além de contribuir para a maior compreensão da formação e da evolução do planeta, estudos dessa natureza servem para dar mais precisão nas interpretações da história geológica de terrenos com potencial para a prospecção de minérios. “Os resultados dos nossos estudos são de grande interesse para empresas de mineração, para a Petrobrás e para a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, que é também o Serviço Geológico Brasileiro, responsável pelo mapeamento geológico de todo o país”, afirma Cordani. “Eles usam nossos estudos como ferramenta de exploração”.
O conhecimento das datações, no caso da Petrobrás, por exemplo, ajuda na interpretação de eventos geológicos que ocorreram há milhões de anos, em determinadas bacias sedimentares, relacionados à formação ou à migração do petróleo para as rochas-reservatórios.
Os estudos de datação
As datações são realizadas no Centro de Pesquisas Geocronológicas do IG. Esse centro foi o pioneiro na América Latina, inaugurado em 1964, e, em 1996, passou a fazer parte do Programa de Centros de Excelência do Ministério da Ciência e Tecnologia. São realizadas, por ano, cerca de mil datações. Os métodos são muito sensíveis e precisos, utilizando a análise isótopica de certos elementos químicos existentes nas amostras de rocha. Isótopos são átomos de mesmo número atômico (número de prótons) e números de massa (prótons mais neutrons) diferentes.
O centro de geocronologia já dominava dois métodos de datação que utilizam pares de isótopos: Rubídio-Estrôncio e Potássio-Argônio. Com a finalização do primeiro projeto temático, mais três outros métodos, que garantem melhores possibilidades de interpretação geocronológica, foram incorporados pelo Centro: Samário-Neodímio, Urânio-Chumbo e Chumbo-Chumbo.
Existentes em alguns laboratórios estrangeiros, esses métodos foram desenvolvidos de modo pioneiro na América do Sul e incorporados à prática do laboratório. É preciso lembrar que o método mais popular de datações, o de Carbono 14, serve apenas à arqueologia, com medições de até 50 mil anos. Para os estudos com rochas, é preciso atingir a grandeza de milhões de anos.
O trabalho de datação geocronológica inicia-se no ataque químico de amostras de rocha, em laboratório, e na recuperação de uma solução concentrada dos elementos químicos presentes na rocha e que se encaixam em um dos métodos de análise isotópica. Esse material é introduzido num espectrômetro de massa. Ele detecta, com grande precisão, as razões isotópicas que, inseridas na fórmula matemática apropriada, característica de cada método de datação, darão, como resultado, a idade da rocha.
A escolha do material rochoso para a pesquisa começa na coleta de amostras adequadas, realizada pelos pesquisadores em afloramentos rochosos importantes, como pedreiras, cortes de estrada, cachoeiras, paredes rochosas, etc.. Em cada uma das viagens de campo para coleta de amostras, de 40 a 50 por ano, são coletadas de 50 a 100 amostras, num total de 100 a 200 quilos de rochas. Durante a coleta, o pesquisador faz também o levantamento das características geológicas da região, verificando todos os tipos de rocha, as estruturas geológicas, a existência de dobramentos, falhas etc. Nesse trabalho de coleta de campo, os pesquisadores contam com a colaboração de colegas de outras instituições brasileiras (como a CPRM ou Petrobrás) ou sul-americanos. Recentemente, pesquisadores vinculados ao projeto temático estiveram coletando amostras nos Andes do Chile e nos terrenos antigos da Venezuela.
Os trabalhos de coleta foram realizados principalmente durante a execução do primeiro projeto temático. “O levantamento sistemático terminou, e já possuímos o reconhecimento básico de todos os terrenos principais da América do Sul. Agora, no segundo projeto temático, estamos refinando o estudo emregiões chaves, para o entendimento da evolução geológica do Brasil”, explica Cordani. As regiões a que se refere o professor são as da região central da Bahia; o Quadrilátero Ferrífero, que inclui os municípios de Belo Horizonte e Ouro Preto, em Minas Gerais; Carajás, no Pará; a região sul de Goiás, incluindo Arenápolis; o litoral sul brasileiro; os terrenos antigos da Venezuela e da Guiana; algumas áreas da região andina e as áreas dos rios Tapajós e Negro, na Amazônia.
Os estudos nessas regiões vão se concentrar na dinâmica do passado geológico, e principalmente nos eventos de magmatismo – erupção do material fluído do interior do planeta – que se incorporaram à crosta continental da América do Sul e várias épocas do tempo geológico.No atual projeto temático, também está prevista a compra de um novo espectrômetro de massa para o Instituto de Geociências, que vai possibilitar a utilização de novos métodos de datação, como, por exemplo, o Rênio-Ósmio. O aparelho está orçado em cerca de R$ 500 mil e depende de licitação internacional. O total do aporte financeiro da FAPESP para esse projeto é de R$ 800 mil. O anterior recebeu R$ 200 mil.
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