Algum tempo antes de publicar seu artigo sobre a teoria da relatividade especial, em 1905, Albert Einstein adotou uma postura diferente da maioria dos cientistas de sua época. Os físicos acreditavam na existência do éter, uma substância invisível e desconhecida, que preencheria todos os espaços onde não houvesse matéria. Essa hipótese era importante para explicar fenômenos físicos. Einstein, no entanto, preferiu seguir a posição filosófica segundo a qual não se deveria utilizar na ciência nada que não pudesse ser observado ou medido – ele rejeita, assim, a hipótese da existência do éter. Depois de publicar, em 1915, sua teoria da relatividade geral em que usou o conceito de espaçotempo, ele é questionado por um colega: não seria o espaçotempo o mesmo que éter? “Em uma conferência famosa, cinco anos depois, Einstein admite, sem rodeios, que um espaço sem éter é impensável”, explicou o físico, historiador e filósofo da ciência Roberto de Andrade Martins, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Martins falou no ciclo de palestras dentro da exposição Einstein, no pavilhão Armando Arruda Pereira, no Parque do Ibirapuera, no dia 18 de outubro. Seu tema foi “Espaço, tempo e éter na teoria da relatividade”. Antes de chegar a Einstein e seus trabalhos mais célebres, o historiador explicou que os conceitos de espaço e tempo – diferente do espaçotempo usado na relatividade geral – são discutidos desde a Antiguidade. No século XVII eles ganharam especial importância graças ao físico e matemático inglês Isaac Newton (1643-1727), que defendeu a existência de espaço e tempos absolutos – essa última palavra significando alguma coisa que não depende de nenhuma outra.
“Dentro da concepção de Newton, se o Universo fosse congelado o tempo continuaria a existir”, disse Martins. É algo que flui, que está passando, e que não depende de nenhuma outra coisa e, por isso, o tempo não pararia junto com o congelamento do Universo. É o tempo absoluto. O mesmo valeria para o espaço absoluto, que não se moveria jamais. As coisas sim, se moveriam pelo espaço, o palco onde tudo aconteceria. “Mesmo se pudéssemos retirar tudo o que existe no Universo, esse espaço continuaria a existir para Newton.” Para o inglês também existiria um tempo relativo e um espaço relativo. O primeiro dependeria dos acontecimentos e se poderia medir por meio de movimentos, seja os que ocorrem no relógio, seja o movimento celeste, como a variação entre dia e noite. Já o espaço relativo seria determinado pelas relações entre os objetos.
Martins lembrou que esses são conceitos metafísicos, ou seja, algo que não pode ser observado. Outros cientistas e filósofos, como o alemão Gottfried Leibniz (1646-1716), discordaram profundamente de Newton e propuseram outras idéias. “Independentemente das discussões mais filosóficas, Newton achava importante essa conceituação de espaço e tempo absolutos como algo fundamental para poder construir e pensar a física, a mecânica, a astronomia”, afirmou o historiador da Unicamp. A maioria dos físicos aceitou esses conceitos.
No decorrer do século XIX continuou-se a aceitar a concepção de Newton, mas foi adicionada a ela outra hipótese. Trata-se do conceito de éter. “Uma substância material preencheria o espaço, inclusive o espaço entre os planetas, entre as estrelas, em todo lugar onde parecia que não havia matéria haveria éter”, disse Martins. O éter já havia sido proposto na Antiguidade – Aristóteles defendeu sua existência. No século XIX, porém, ele se tornou um conceito físico importante, usado para explicar as forças eletromagnéticas e a propagação da luz pelo espaço. A idéia que predominou, a partir de 1820, é que a luz era uma forma de onda transmitida pelo éter. “Se a luz é uma onda, ela tem de ser uma onda de alguma coisa que está vibrando, oscilando e transmitindo ondas. Isso seria o éter”, explicou.
O mesmo valia para as forças eletromagnéticas. Michael Faraday (1791-1867), grande estudioso desses fenômenos, acreditava que uma carga elétrica ou um ímã não exerceriam forças diretamente sobre outro ímã quando distantes. Se há dois ímãs separados, eles não podem saber da existência um do outro porque não têm sentidos. Faraday desenvolveu a idéia de que havia alguma coisa física prendendo os ímãs, que também seria uma forma de éter. Uma carga magnética ou um ímã provocariam em volta de si uma perturbação do éter, que se espalharia e atingiria outro corpo, produzindo forças nele. “Essa é uma idéia que soa estranha porque não foi conservada na física que aprendemos hoje”, lembrou Martins. Mas os grandes físicos do século XIX, como James Maxwell (1831-1879), tinham certeza de que o éter existia e era parte importante da teoria desenvolvida por eles. “Atualmente falamos de campo elétrico e campo magnético como algo abstrato, mas para Maxwell o campo elétrico é uma modificação do éter, produzido por cargas elétricas que agem sobre outras cargas elétricas.”
Novas idéias
Para a mecânica newtoniana seria impossível detectar movimentos como o de translação ou o de deslocamento em linha reta com velocidade constante através do espaço absoluto. Martins afirmou que isso continuava válido no século XIX, mas a crença na existência de um éter mudou a situação. Ora, o espaço não estava mais vazio, ele tinha algo físico. Que tal tentar medir os efeitos do movimento da Terra ou de outros objetos através do éter? Aparentemente poderia ser feito. Se a Terra estivesse se deslocando em meio ao éter, deveria ser possível medir esse deslocamento de alguma forma, com instrumentos. Alguns físicos tentaram fazer isso – inclusive Maxwell –, mas não obtiveram sucesso. “Depois de algum tempo, no final do século XIX começou-se a suspeitar que seria impossível fazer essa medição”, contou o historiador.
No início do século XX o francês Henri Poincaré (1854-1912) trouxe outras idéias. Disse que existe um princípio da relatividade – ele usa esse nome – que nos impede de observar uma velocidade que não seja entre corpos materiais. Isto é, não podemos observar movimentos em relação ao éter. Esse novo conceito trouxe sérios problemas para os físicos da época, que tentavam encaixar todas as idéias físicas em equações matemáticas. “Na última década do século XIX, Poincaré, o holandês Hendrik Lorentz (1853-1928), o irlandês Joseph Larmor (1857-1942) e o alemão Woldemar Voigt (1850-1919), entre outros, estavam procurando um modo de conciliar o eletromagnetismo com o princípio da relatividade, essa impossibilidade de se medir a velocidade em relação ao éter”, disse Martins. “É isso que vai dar origem ao que chamamos de teoria da relatividade especial, que não tinha esse nome no início.”
O historiador chama a atenção para o fato de a teoria ser um trabalho coletivo, embora o nome de Einstein esteja mais associado a ela depois da publicação de seu estudo, em 1905. “Se por acaso Einstein tivesse morrido e não publicado o artigo sobre a relatividade especial, ainda assim ela teria surgido porque havia várias outras pessoas trabalhando na mesma direção, seria apenas uma questão de tempo.” As equações básicas dessa teoria, por exemplo, são as chamadas “transformações de Lorentz”, feitas antes de Einstein publicar seu artigo. A conclusão de todos os pesquisadores que contribuíram para a relatividade especial é de que não se podia medir a velocidade de nenhum corpo em relação ao éter. No entanto, isso não significava a negação da existência do éter. Segundo escreveu Poincaré, na verdade não interessava se o éter realmente existia; o importante é que tudo aconteceria como se ele existisse e essa hipótese era adequada para a explicação dos fenômenos.
“Do grupo de cientistas que desenvolveram a teoria da relatividade especial, Einstein tinha uma posição diferente”, relatou Martins. Ele seguia basicamente a posição filosófica do austríaco Ernst Mach (1838-1916), segundo a qual não se deveria utilizar na ciência nada que não pudesse ser observado ou medido. Mach já havia atacado diretamente o espaço e o tempo absolutos de Newton porque não preenchiam esses requisitos. Einstein adere à crítica do austríaco ao éter e rejeita seu uso na física porque não se poderiam medir suas propriedades. “Essa atitude não quis dizer que Einstein provou que o éter não existe”, alertou Martins. “Ele utilizou um princípio filosófico, empirista, para afirmar apenas que não devemos usar o conceito de éter na ciência.” A rigor, ninguém poderia provar que o éter não existe.
Anos depois, quando Einstein começou a trabalhar na teoria da relatividade geral – e não da relatividade especial, tratada até aqui –, ele utilizou o conceito de espaçotempo (como se fosse uma só palavra, diferente do espaço e tempo de Newton) criado pelo matemático lituano Hermann Minkowski (1864-1909), que havia sido seu professor. O espaçotempo de Minkowski era principalmente uma ferramenta matemática. Ele mostrou que era possível trabalhar matematicamente o tempo como sendo uma quarta dimensão análoga às três dimensões do espaço e que isso determinava relações matemáticas entre eles. “Na abordagem de Minkowski, as transformações de Lorentz – que são na verdade as equações mais importantes da relatividade especial – saem dessa interpretação de que o espaço e o tempo são partes de uma entidade mais complicada, que é o espaçotempo”, explicou o professor da Unicamp.
É com essa ferramenta, o espaçotempo, que Einstein construiu a teoria da relatividade geral, que serve para estudar fenômenos gravitacionais de sistemas acelerados, que estão sendo empurrados com alguma aceleração ou que estão girando. Mas, antes de erguer sua nova teoria, o físico alemão teve de aprender mais matemática. Max Abraham (1875-1922), um matemático alemão importante, começou a introduzir no estudo da relatividade o cálculo diferencial absoluto, ou cálculo tensorial, que permite trabalhar as relações entre espaço e tempo para qualquer referencial. Einstein, que não gostou desse ferramental por considerá-lo excessivamente complicado, pediu ajuda para seu velho amigo Marcel Grossman (1878-1936) para aprender a usar os cálculos de Abraham. “É interessante vermos alguém tão famoso admitir suas fraquezas. Ele precisou de ajuda para entender a matemática que utilizou depois para desenvolver a teoria da relatividade geral”, observou Martins.
Espaço curvo
Quando Einstein tratou da relatividade especial, o espaço era plano, chato, como na geometria euclidiana. Mas na relatividade geral o espaçotempo se encurva e isso produz efeitos importantes: ele passa a ter propriedades matemáticas e físicas especiais por ser curvo. Essas curvaturas são produzidas pela presença ou proximidade de matéria e energia que geram deformações. “Nessa teoria, o Sol não atrai os planetas, ele produz uma deformação no espaçotempo e os planetas, ao se moverem nesse espaçotempo curvo, são obrigados a seguir trajetórias especiais”, explicou Martins. Eles, os planetas, sentem a deformação do espaçotempo, não a atração do Sol. “Há aí uma grande semelhança entre o modo como a relatividade geral se relaciona com a gravitação e o éter do eletromagnetismo.”
Um amigo de Einstein, Paul Ehrenfest (1880-1933), que tinha cidadania holandesa, viu algo familiar na relatividade geral e escreveu uma carta para ele em 1918 com uma questão intrigante. Na teoria da relatividade especial Einstein decidiu ignorar o conceito de éter. Mas na relatividade geral ele traz o éter com um novo nome – o espaçotempo seria esse novo éter. Einstein dá uma resposta a Ehrenfest em uma conferência na Holanda, em 1920, que se tornou famosa, publicada na forma de um livro com o título Éter e teoria da relatividade. Nela Einstein diz: “De acordo com a teoria da relatividade geral, um espaço sem éter é impensável; porque em um espaço assim não haveria propagação da luz, nem possibilidade de padrões de espaço e de tempo (réguas e relógios), nem intervalos de espaçotempo, no sentido físico”.
A desconfiança de Ehrenfest era real. Basicamente, Einstein mudou. Ele disse que o éter que havia rejeitado – o de Lorentz – é um pouco diferente daquele que ele estava aceitando. “Penso que podemos dizer que o éter da teoria da relatividade geral é o resultado do éter de Lorentz, relativizado”, afirmou o físico alemão. “Embora Einstein tenha assumido isso, a maior parte dos físicos atuais diz que não há éter porque Einstein negou o éter em anos anteriores”, disse Martins. “Essa parte da história não costuma ser contada.”
Espaço, tempo e éter na teoria da relatividade
Roberto de Andrade Martins, físico e professor do Instituto de Física da Unicamp