Em abril de 1824, um mês e meio após partir de Toulon, França, a bordo da fragata Marie Thérèze, o jovem Hercule Florence desembarcou no Rio de Janeiro, capital da Corte portuguesa. Com apenas 20 anos, foi pouco depois contratado como segundo-desenhista pelo médico e naturalista Georg von Langsdorff, o conde de Langsdorff, líder da missão científica que percorreu o interior do Brasil entre 1825 e 1829 e que realizou, no século XIX, vasto levantamento de dados geográficos e etnográficos do país. Ao registrar em desenhos e aquarelas as paisagens, pessoas e cenas cotidianas dos locais por onde passava, Florence criou um valioso material iconográfico, especialmente sobre as populações indígenas que, à época, habitavam o território brasileiro. Suas notas e desenhos são agora o fio condutor da exposição O olhar de Hercule Florence sobre os índios brasileiros, promovida pelo Instituto Hercule Florence (IHF), em parceria com o governo do estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura.
Com curadoria de Glória Kok, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), eFrancis Melvin Lee, do Instituto Hercule Florence, a exposição reúne uma seleção de desenhos e trechos do manuscrito L’Ami des arts livré à lui-même, no qual Florence narra suas experiências de viagem, além de fotografias e obras de outros viajantes, peças etnográficas dos grupos indígenas e informações sobre como eles estão atualmente.
Para as curadoras, o material exposto é um testemunho importante da situação dos grupos indígenas nas primeiras décadas do século XIX, configurando-se, assim, como fonte documental relevante. “Seu acervo pode ser considerado um veículo para a construção da memória e identidade dos grupos indígenas na atualidade”, afirma. A seleção do material priorizou o olhar de Florence e suas descrições sobre a riqueza cultural dos grupos indígenas Coroado-Kaingang, Xavante Paulista (Oti e Ofayé), Kayapó do Sul-Panará, Guaikuru-Kadiwéu, Bororo, Apiaká e Munduruku, todos visitados por Florence durante a missão científica.
Nascido em Nice, França, em 1804, Hercule Florence desde cedo exibiu talento para o desenho. Tinha uma autodisciplina que lhe permitiu se aprofundar, por conta própria, em estudos de matemática, física e geografia. Isso contribuiu para a formação de seu olhar científico, qualidade percebida por Langsdorff quando o contratou para a missão científica. Florence também foi um dos pioneiros da fotografia. Na mesma época em que era desenvolvida na Alemanha, França e Inglaterra, o desenhista fazia experimentos bem-sucedidos com a camera obscura na cidade de Campinas, em São Paulo (ver Pesquisa FAPESP nº150).
Em seus desenhos transparece o rigor documental. Por isso, as obras constituem uma contribuição importante para o conhecimento de grupos indígenas brasileiros que se encontravam até então ausentes do panorama iconográfico. “Hercule Florence relata o cotidiano vivido no percurso de mais de 13 mil quilômetros, a maior parte navegando pelos rios Tietê, Paraná, Paraguai, Tapajós e seus afluentes”, segundo elas.“Há também descrições da fauna e flora, fazendas, vilas, dados sobre as populações indígenas do sertão, reflexões sobre a escravidão e a ocupação territorial do Brasil.”
A exposição O olhar de Hercule Florence sobre os índios brasileiros fica em cartaz de 6 de maio a 30 de junho na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Cidade Universitária, São Paulo. Para mais informações, acesse: www.bbm.usp.br
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