Quase um ano após a confirmação dos primeiros casos de febre chikungunya no Brasil, pesquisadores do Instituto Evandro Chagas, de Belém, ligado ao Ministério da Saúde, e da Universidade de Oxford, na Inglaterra, identificaram de onde vieram as duas variedades do vírus responsável pela doença que circula no país e também as regiões pelas quais elas entraram em território nacional. Em artigo publicado em abril na revista BMC Medicine, eles sugerem que as cepas do vírus descendem de uma linhagem da Ásia e outra da África Central, Oriental e do Sul (ECSA, na sigla em inglês), e que elas teriam entrado no Brasil pelo Oiapoque, no Amapá, e por Feira de Santana, na Bahia.
As conclusões baseiam-se em análises de dados genéticos e epidemiológicos, e na história evolutiva das variedades. Ao combiná-los com informações geográficas e temporais, os pesquisadores recuperaram as origens e os padrões de dispersão do vírus. Os resultados indicam que a linhagem ECSA teria começado a se disseminar em Feira de Santana em junho de 2014 — durante a Copa do Mundo —, possivelmente por meio de um brasileiro que acabara de voltar de Angola, onde a febre chikungunya é endêmica.
Já em relação à linhagem asiática, a primeira transmissão autóctone — dentro do estado ou município — teria acontecido no Oiapoque, em setembro de 2014. Segundo o biomédico português Nuno Faria, pesquisador do Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford e autor do estudo, dados genéticos sugerem vários ingressos do genótipo asiático do vírus no Brasil a partir de epidemias em curso na região do Caribe. Daí a dificuldade em se estimar com mais precisão por onde essa linhagem entrou no país. “Acreditamos, contudo, que a cepa atualmente em circulação tenha vindo da Guiana Francesa, país que faz fronteira com o Brasil pela cidade de Oiapoque e que registrou um aumento constante de casos autóctones da doença desde janeiro de 2014”, diz.
Até dezembro de 2013, só tinham sido detectados nas Américas casos em que o paciente foi infectado no exterior. Nessa época, uma epidemia se instalou na ilha de Saint-Martin, território francês no Caribe, espalhou-se para outras ilhas e chegou à Guiana Francesa. De acordo com o biomédico Marcio Teixeira Nunes, do Centro de Inovações Tecnológicas do Instituto Evandro Chagas e um dos autores do estudo, o vírus alastrou-se pelas Américas muito mais rápido que o vírus da dengue, que levou cerca de uma década para tomar a região, incluindo o Brasil. “No caso do vírus chikungunya, essa disseminação se deu em pouco mais de um ano”, diz.
A febre chikungunya é uma doença viral transmitida aos seres humanos por mosquitos, como o Aedes aegypti e A. albopictus, os mesmos que transmitem a dengue. Em razão da alta incidência desses mosquitos no país, os pesquisadores estimaram o risco de transmissão do vírus chikungunya por outras regiões do Brasil. Para isso, submeterem dados sobre a presença das duas espécies de mosquitos transmissores da doença a modelos matemáticos capazes de predizer possíveis padrões geográficos de disseminação do vírus.
Ao todo, 5.172 dos 5.494 municípios brasileiros registraram a presença de um desses mosquitos, de modo que os resultados das análises sugerem que a transmissão do vírus possa se dar em 94% dos municípios brasileiros. “Caso o vírus, de fato, se estabeleça no Brasil, não haverá fronteiras capazes de impedir que se propague rapidamente pelas Américas, uma vez que seus vetores, os mosquitos A. albopictus e A. aegypti, se encontram amplamente disseminados pela região”, afirma Faria. Para Nunes, os altos índices de infestação dos mosquitos vetores, associado ao grande número de pessoas não imunes ao vírus e à intensa mobilidade humana, são fatores alarmantes para a disseminação do vírus no Brasil.
Até 7 de março, o Ministério da Saúde registrou 224,1 mil casos de dengue no país. O aumento é de 162% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram registrados 85,4 mil casos. No mesmo período, foram confirmados 1.049 casos autóctones de febre chikungunya, principalmente na Bahia e do Amapá. A febre chikungunya provoca sintomas semelhantes aos da dengue, mas as dores articulares fortes surgem quase imediatamente, sobretudo nas mãos e nos pés. Essas dores podem continuar por semanas ou meses.
Artigo científico
NUNES, M. R. T. et al. Emergence and potential for spread of Chikungunya virus in Brazil. BMC Medicine. v. 13, n. 102. mai 2015