No início do século passado, médicos e cientistas escreviam com regularidade para jornais, muitas vezes com uma linguagem rebuscada. Em um artigo na primeira página d’OEstado de S.Paulo em 1909 o médico Olympio Portugal comparou a tuberculose, “mais ou menos silenciosa em seus ataques, solapando no intimo, lenta e recatada, sem grande aviso de dores”, com o câncer: “Esse doe, amargando os curtos silencios do paciente com o lance inesperado de punhaladas vivas; corróe; ulcéra; deixa escorrer de si tão repulsiva sânie que exhala, como nenhuma, um fetido que humilha. E quando, baixo a baixo, anemiado e exhausto, côr de palha, o paciente não conta mais com a harmonia dos humores, – arrebenta a sua chaga em sangue, rutilando sobre as miserias da carne morta e putrefacta a ironia vermelha da vida que se esvae”.
O médico carioca Floriano de Lemos escreveu sua Crônica Científica no Correio da Manhã, do Rio, de 1906 a 1965, também com pretensões literárias, como ao relatar uma nova forma de tratamento contra o câncer que o médico paulista Carlos José Botelho Jr. tinha trazido de Paris e testava em um hospital do Rio de Janeiro, em 1933: “Estranhos tecelões, os sábios não desanimam, perdendo dias e noites à procura do fio precioso. O trabalho é lento. A verdade não conhece a pressa”. Botelho já tinha desenvolvido um novo diagnóstico dos tumores malignos, a reação de Botelho, “aceita naquela época e confirmada em todo o universo”, assegurou Lemos. Em consequência do teste, ele afirmou: “Mr. Botelho tornou-se, até mesmo, popular em Paris”.
Josué de Castro, médico recifense e autor do clássico Geografia da fome, escreveu nas décadas de 1930 e 1940 sobre alimentação no Diário da Manhã e A Província, ambos de Recife, e depois em A Manhã – que publicou o suplemento “Ciência para todos” em 1948 e 1949 – e Diário Carioca, do Rio, sobre alimentação e saúde. “Desta maneira, ele conquista credibilidade com os formadores de opinião pública, demonstrando capacidade de transferir conhecimentos sobre saúde individual e ao mesmo suscitando o interesse público pelas questões de saúde coletiva”, comentou José Marques de Melo, professor da Universidade de São Paulo e autor de vários artigos e livros sobre jornalismo científico, ao apresentar o trabalho de divulgação científica de Josué de Castro em um artigo de 2005.
O Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, reuniu vários médicos e pesquisadores dispostos a escrever para um público amplo na página dominical de Ciência, publicada uma vez por mês, de 1958 a 1962. Ali estavam, assinando os textos e às vezes também como entrevistados, o naturalista Ayrton Gonçalves da Silva (o mais assíduo, com 136 matérias), os médicos Paulo de Góes, Jorge Guimarães, Bruno Alípio Lobo, os físicos José Leite Lopes, José Goldemberg e Hervásio de Carvalho, o geneticista Oswaldo Frota Pessoa, o zoólogo Paulo Sawaya, o botânico Luiz Labouriau, o antropólogo Darcy Ribeiro, as historiadoras Maria Yedda Linhares e Eulária Maria Lobo e o educador Anísio Teixeira, todos ligados a instituições de ensino e pesquisa.
Escrevendo para o jornal, “havia um grupo extremamente ativo de cientistas que procuravam o apoio da opinião pública a favor da ciência”, comentou o bioquímico Leopoldo de Meis, que nessa época trabalhou como repórter no Jornal do Commercio quando ainda cursava medicina, em uma entrevista para o livro Um gesto ameno para acordar o país: A ciência no Jornal do Commercio [1958-1962], de Luisa Massarani, Claudia Jurberg, Leopoldo de Meis. Como as instituições federais de apoio à pesquisa eram “recém-criadas e ainda muito pequeninas”, observou Meis, os cientistas “procuravam difundir a ciência e fazer pressão onde fosse possível para conseguir aumentar os recursos necessários para essas agências”.
Artigos
CAMPOS, R. D. Floriano de Lemos no Correio da Manhã, 1906-1965, História, Ciências, Saúde – Manguinhos. v. 20, 2013, p. 1333-52.
MELO, J. M. A Divulgação científica na obra de Josué de Castro. Razón y Palabra, v. 43, 2005.
Livro
MASSARANI, L. (ed.) Um gesto ameno para acordar o país: A ciência no Jornal do Commercio (1958-1962). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011
ESTEVES, B. Domingo é dia de ciência: História de um suplemento dos anos pós-guerra. Rio de Janeiro: Azougue, 2006. Resenha.