Há 150 anos, em 1866, foi publicado um trabalho que ficou conhecido como a base da genética: “Experimentos em hibridização de plantas”, de Gregor Johann Mendel. No ano anterior, em fevereiro e março de 1865, esse monge da Morávia (à época parte da Áustria, hoje República Tcheca) apresentara seu trabalho em duas sessões da Sociedade de Pesquisa Natural de Brünn, cidade hoje conhecida como Brno. Suas conclusões foram recebidas com uma indiferença que em nada sugeria o reconhecimento que viria mais tarde.
Mendel passara sete anos cultivando quase 30 mil plantas de ervilha, cujas partes reprodutivas ele dissecava minuciosamente para obter os cruzamentos controlados que lhe permitiriam entender como características simples, como cor das flores e formato das sementes, eram transmitidas de uma geração a outra. Os experimentos lhe permitiram inferir a existência de fatores recessivos e dominantes, que funcionam de acordo com duas leis da hereditariedade. A Lei da Segregação afirma que cada indivíduo recebe dois fatores dos pais, mas transmite apenas um para cada descendente. A Lei da Segregação Independente, por sua vez, diz que cada característica é herdada independentemente das outras. Essa teoria explica por que características parentais que desaparecem nos descendentes podem reaparecer na geração subsequente. O trabalho foi feito numa estufa no mosteiro agostiniano de Santo Tomás, em Brünn, onde Mendel era monge menos por vocação religiosa do que por ímpeto científico.
Filho de lavradores, o jovem Johann não tinha inclinação para a labuta agrícola. Mas, sem recursos financeiros, as oportunidades de estudo eram parcas e restritas à esfera religiosa. O diretor do mosteiro que o acolheu, o abade Cyril Napp, pretendia criar um centro de excelência no conhecimento e estimulava a investigação científica entre seus monges. Ali Johann foi rebatizado como Gregor e encontrou o tempo e o espaço para dedicar-se ao trabalho aparentemente singelo que, para ele, nada tinha de modesto.
De acordo com o livro O monge no jardim, de Robin Marantz Henig (editora Rocco, 2001), Mendel almejava a glória, como sugere um poema que escreveu quando adolescente em homenagem a Gutenberg, o inventor da prensa móvel: “Possa o poder do destino me conferir/ O supremo êxtase da felicidade terrena,/ A meta mais sublime do êxtase terreno,/ A de observar, quando me erguer de minha tumba,/ Minha arte florescendo pacificamente/ Entre os que vieram depois de mim”.
A fama veio tardia, quando ele de fato já estava na tumba. Uma pergunta recorrente é por que as descobertas de Mendel foram ignoradas. O físico e historiador da ciência João José Caluzi, do campus de Bauru da Universidade Estadual Paulista (Unesp), debruçou-se sobre o conceito de prematuridade científica com sua aluna de mestrado Caroline Batisteti, em artigo publicado em 2010 na revista Filosofia e História da Biologia. Ele explica que Mendel é um exemplo de prematuridade científica porque suas conclusões não se conectavam com o pensamento do período. Mas o pesquisador não está convencido de que seja possível lançar esse olhar ao passado de forma isenta.“A questão da prematuridade é muito calcada no que nos interessa hoje”, afirma.
Para Caluzi, outros fatores contribuíram para o fato de Mendel não ter sido reconhecido: era um monge concentrado em cultivar ervilhas, que apresentou seus resultados em palestras numa sociedade científica pequena e os publicou nos anais da mesma sociedade, com distribuição limitada. Também é provável que estivesse à frente de seu tempo. “Ainda não se usava estatística na biologia”, explica o professor da Unesp. A matemática usada para analisar os resultados dos cruzamentos das ervilhas era de difícil compreensão para a comunidade interessada em hibridização de plantas naquela época. Além disso, um outro assunto dominava a cena naquele mesmo momento – Charles Darwin publicara seu Origem das espécies poucos anos antes, em 1859.
Darwin fazia parte daqueles a quem Mendel enviou sua publicação, que aparentemente não foi lida. Após sua morte, foi encontrada na biblioteca do britânico com as páginas ainda unidas como saíam da gráfica. Mendel morreu em 1884, aos 63 anos, sem ter encontrado quem desse importância a seu trabalho. Apenas na virada para o século XX, os botânicos europeus Hugo de Vries, Carl Correns e Erich Tschermak-Seysenegg se aproximaram dos mesmos resultados e descobriram o estudo publicado mais de três décadas antes. O zoólogo William Bateson se encarregou de difundir o trabalho e dar crédito a seu autor, providenciando a publicação do texto traduzido para o inglês, em 1901, na revista Journal of the Royal Horticultural Society. Foi aí que, de fato, nasceu a genética.
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