O Brasil é o terceiro maior produtor e um dos grandes consumidores de cerveja do mundo. São fabricados 13,8 bilhões de litros por ano, o que coloca o país no ranking global atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Na última década, o consumo aumentou a uma taxa média de 5% ao ano, com destaque para o segmento de cervejas artesanais, que teve uma evolução anual em torno de 20%. Com um mercado tão robusto, várias iniciativas inovadoras são fomentadas nas universidades, cervejarias, institutos de pesquisa e por agricultores. Unidos em um esforço conjunto para melhorar a qualidade do produto e reduzir os custos de fabricação, eles são responsáveis por um leque de inovações relacionadas tanto ao processo produtivo quanto ao cultivo no país dos principais ingredientes da bebida, além da água: cevada, lúpulo e levedura. “A indústria cervejeira brasileira é formada por mais de 50 complexos fabris com tecnologia de padrão mundial”, diz Paulo Petroni, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), entidade que reúne os maiores fabricantes do país.
Um exemplo do esforço inovativo do setor ocorre com a cevada, principal fonte de amido da bebida. Mais de 90% do grão plantado no país é fruto de pesquisa nacional. Criado há 40 anos, o programa de melhoramento genético liderado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já lançou no mercado 30 novos cultivares de cevada cervejeira adaptados às condições de clima e solo. “Com os nossos cultivares, conhecidos pela sigla BRS, a produtividade mais do que triplicou. Nos anos 1970, colhíamos por volta de 1 tonelada de cevada por hectare e agora chegamos a 3,5 toneladas por hectare”, informa o engenheiro-agrônomo Euclydes Minella, responsável pelo programa na Embrapa Trigo, em Passo Fundo (RS). “As novas variedades do grão que desenvolvemos ajudaram a consolidar a lavoura de cevada cervejeira. Hoje, temos cultivares mais produtivos, com perfil superior de resistência a doenças e de melhor qualidade industrial. Dificilmente, sementes de cevada importadas vingam no país. As variedades desenvolvidas aqui são muito competitivas comercialmente.”
Quando foi criado, o programa pretendia substituir a cevada usada pelas cervejarias que, naquela época, era toda importada. Esse objetivo ainda não foi atingido. A produção nacional de 300 mil toneladas por ano (t/ano) do grão, de acordo com a Embrapa, atende a 43% da necessidade da indústria brasileira para produção de malte, nome dado ao cereal germinado seco usado na fabricação da bebida (ver o infográfico). Para suprir a demanda dos fabricantes, o Brasil compra cerca de 400 mil t/ano de cevada de produtores argentinos, europeus, norte-americanos e canadenses.
Novas fronteiras
Gramínea parecida com o trigo, a cevada (Hordeum vulgare) é originária do Oriente Médio. Foi domesticada inicialmente na antiga Mesopotâmia, região onde hoje estão o Iraque e a Síria. É uma cultura anual, com a semeadura no Brasil de maio a julho e a colheita entre setembro e novembro. Na última década, o plantio se concentrou no Rio Grande do Sul e Paraná, estados que têm características climáticas propícias ao pleno desenvolvimento da planta. Juntos, respondem por mais de 90% da produção nacional. Por meio das pesquisas da Embrapa, a lavoura tem ampliado suas fronteiras e hoje já é possível produzir o grão em escala comercial em São Paulo, Goiás e Minas Gerais. “Lançamos até 2013, em parceria com a Malteria do Vale, de Taubaté [SP], as variedades BRS, Sampa, Manduri e Itanema para cultivo nas lavouras irrigadas de São Paulo”, conta Euclydes Minella. “Em São Paulo, responsável por cerca de 5% da produção do grão, 100% das plantações são formadas por cultivares da Embrapa.”
A cooperação entre a Embrapa e produtores, maltarias (fábricas que transformam a cevada em malte) e fabricantes de cerveja, segundo Minella, está na base do sucesso do programa Embrapa de melhoramento da cevada. “As quatro maltarias instaladas no país – duas da Ambev, no Rio Grande do Sul, uma da Cooperativa Agrária Industrial, em Guarapuava [PR], e uma da Malteria do Vale, em São Paulo – são parceiras da Embrapa”, informa Minella. Outro fator que explica o êxito da iniciativa é a tecnologia por trás da criação dos novos cultivares. “Pelo método tradicional de melhoramento genético, um novo cultivar leva pelo menos seis anos para fixar suas características genéticas. Depois disso, são necessários mais quatro anos em testes de campo para avaliação de rendimento, da qualidade do grão e de resistência a doenças”, explica Minella. Na Embrapa Trigo, os cientistas usam a técnica de haplodiploidização, com o desenvolvimento in vitro de plantas derivadas de gametas (células reprodutivas), portadoras da metade do genoma, que de forma espontânea ou artificial dá origem a linhagens duplo-haploides. “Assim, alcançamos uma nova linhagem pura geneticamente em apenas uma geração, ao invés de seis ou mais com o processo convencional, obtendo um novo cultivar em sete anos.”
Assim como a cevada, o lúpulo (Humulus lupulus), outro ingrediente essencial na receita da cerveja, também é alvo de intensa pesquisa agronômica. Responsável pelo amargor da bebida, a planta é uma trepadeira de origem europeia, muito difícil de ser cultivada no país. Apenas as flores da planta fêmea, ricas em resinas amargas e óleos essenciais, entram na composição da bebida. Ela tem uma folha no formato de palma e cresce se enrolando em fios. Atinge 6 metros de altura e, no auge de seu desenvolvimento, cresce até 30 centímetros por dia. Por ser uma cultura típica de regiões de clima temperado do hemisfério Norte, ela nunca se adaptou às condições do país, que importa todo o lúpulo usado pelas cervejarias nacionais – em torno de 2,4 mil toneladas por ano, ao custo de cerca de US$ 35 milhões. Até poucos anos atrás, a produção nacional de lúpulo era inexistente, mas o trabalho de pesquisadores e pequenos produtores está mudando esse cenário.
“Ter um lúpulo produzido no Brasil é importante não apenas para não dependermos mais de sua importação, mas, principalmente, para formação de uma escola cervejeira nacional”, diz o engenheiro-agrônomo Felipe Francisco, que desde 2012 estuda a planta. Dono de uma consultoria agrícola com sede em Curitiba (PR), ele pesquisou o lúpulo durante o mestrado concluído há dois anos na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Além de baixas temperaturas – essenciais para que a trepadeira brote –, outro desafio para o cultivo no país é o tempo de exposição diária à luz solar. “No Brasil, o fotoperíodo, ou seja, a duração do dia, varia pouco ao longo do ano. E isso não é bom para a planta”, diz Francisco.
O pesquisador explica que, para o lúpulo produzir em quantidade e qualidade desejada, no tempo certo, é necessário haver uma variação no tempo de exposição ao sol no decorrer de seu ciclo de crescimento, de um mínimo de 9,5 horas de luz solar por dia a um máximo de 14,5 horas. “Ao perceber que o período de insolação está aumentando, a planta naturalmente passa a produzir um hormônio, chamado giberelina ou GA, que acelera seu crescimento. Já quando os dias começam a encurtar – no hemisfério Sul, a partir de 21 de dezembro –, a produção de GA diminui e ela começa a florar. Em poucas semanas, em fevereiro ou março, é hora de colher as flores para produzir o lúpulo”, afirma Francisco. A saída encontrada no Brasil foi “enganar” a planta, simulando o fotoperíodo ideal ao seu desenvolvimento. Para isso, o produtor instala refletores na lavoura e, com a luz artificial, cria dias mais longos e reduz a iluminação quando necessário.
Há dois anos, Francisco presta consultoria a agricultores do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Bahia para viabilizar produções em pequena escala de lúpulo. “Para nossa surpresa, colhemos lúpulo nas últimas duas safras. Todos com boa qualidade, menos na Bahia e Mato Grosso, com qualidade média mas aceitável. A produtividade média foi de 1 tonelada por hectare, cerca de um terço da europeia, o que não é ruim.”
Em São Bento do Sapucaí, município paulista na serra da Mantiqueira, vizinho a Campos do Jordão, o engenheiro-agrônomo Rodrigo Veraldi também persegue, há mais de uma década, o objetivo de criar um plantio nacional de lúpulo. Foi por um lance do acaso que ele teve sucesso. “Em 2005, iniciei uma lavoura com sementes de um lúpulo canadense fornecidas por um amigo. Algumas mudas cresceram em uma estufa, mas quando as transferi para o campo nenhuma delas vingou”, recorda-se Veraldi.
O agrônomo jogou o material fora, na compostagem de seu sítio, e esqueceu do assunto. Tempos depois, percebeu que uma trepadeira brotara no local. “Era um pé de lúpulo sobrevivente. Ele deve ter sofrido alguma mutação genética que o tornou adaptado ao intenso regime de chuvas da Mantiqueira e resistente ao ataque de fungos. Foi um feliz acaso botânico”, conta. Veraldi multiplicou esse indivíduo e deu início a um dos primeiros – senão o primeiro – cultivo comercial de lúpulo do país em escala muito pequena.
O lúpulo, que dá o amargor à bebida, tem dificuldade em se adaptar à pouca variação da luz solar ao longo do ano no Brasil
Em 2014, a cervejaria nipo-brasileira Brasil Kirin, fabricante das marcas Schincariol, Devassa, Eisenbahn, entre outras, interessou-se pela experiência de Veraldi e estabeleceu uma parceria para fomentar a produção. “Nosso objetivo foi estimular o cultivo de um lúpulo brasileiro, contribuindo para o fortalecimento da cultura cervejeira nacional”, conta o engenheiro químico Rubens Mattos, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Brasil Kirin. Naquele mesmo ano, amostras da variedade experimental de Veraldi foram usadas em uma edição especial de 15 anos na Baden Baden, cervejaria da empresa em Campos do Jordão.
“Desde esse primeiro teste, estamos investindo continuamente na melhoria da produção, fornecendo apoio tecnológico e envolvendo cientistas do Japão, sede da Kirin, e de universidades brasileiras, como USP [Universidade de São Paulo] e UFPR”, diz Mattos. Em 2015, a cervejaria comprou a variedade de Veraldi e expandiu o plantio para outras regiões do país. A expectativa é colher até 1.500 quilos de flor em 2017 e lançar uma cerveja feita com um lúpulo totalmente nacional. Segundo Mattos, a quantidade de lúpulo e malte varia com o tipo de cerveja. “Apenas como referência, para o tipo pilsen, no mercado brasileiro, são 8 quilos de malte e 300 gramas de lúpulo para cada 100 litros de cerveja.”
A Brasil Kirin, segundo Mattos, planeja registrar a variedade no Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC), do Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento (Mapa). Para isso, faz análises a fim de definir se realmente se trata de um novo cultivar. “Nossa aposta é que as plantas cruzaram novamente, de forma espontânea, e deram origem a uma nova variedade. Estudos genéticos vão elucidar essa questão”, avalia Mattos.
O cultivo de lúpulo no país pode beneficiar especialmente os pequenos fabricantes de cervejas especiais, aquelas com características exclusivas, tais como cor, aromas e sabores atípicos, produzidas de forma artesanal. Com a produção limitada, essas microcervejarias precisam de quantidades reduzidas de lúpulo. Atualmente, elas acabam pagando mais pelo lúpulo importado, que é cotado em dólar, do que os grandes fabricantes, que compram maiores quantidades do produto.
Boom das artesanais
O Brasil vive uma explosão de microcervejarias. Esse movimento, iniciado no início deste século, ganhou impulso nos últimos anos e, segundo a Associação Brasileira de Microcervejarias (Abracerva), já existem no país por volta de 420 estabelecimentos do gênero. Juntas, elas respondem por cerca de 1% do volume consumido no país. “As microcervejarias oxigenaram o setor cervejeiro nacional. Durante anos, as grandes cervejarias fabricaram basicamente um tipo de bebida, a American Stardard Lager, uma cerveja leve, de coloração clara e fácil de beber. Nos anos 1990, principalmente em São Paulo, começou um movimento de importar cervejas de outros tipos, com sabores mais acentuados, ainda de forma tímida e restrita a poucos bares e supermercados. Com o surgimento dos pequenos produtores, o portfólio se ampliou e foi lançada uma gama de bebidas que o brasileiro desconhecia: cervejas com diferentes teores alcoólicos, novos ingredientes, sabores e aromas variados e diversos níveis de amargor”, destaca o biólogo Luís Henrique Poleto, consultor e mestre-cervejeiro da A Tutta Birra, microcervejaria de Piracicaba (SP) que fabrica cinco tipos diferentes de cerveja.
Autor de um doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP sobre envelhecimento de cerveja em barril de madeira, Poleto lembra que outra linha de pesquisa que empolga o setor está relacionada à busca por novas leveduras. Durante a fabricação da bebida, esses microrganismos desempenham um papel fundamental, o de digerir os açúcares presentes no mosto cervejeiro – como maltotriose, maltose e glicose –, transformando-os em álcool. Mosto é o caldo formado pela cevada e água, que é aquecido e depois fervido no início do processo de fabricação da bebida. Historicamente, emprega-se no processo a levedura Saccharomyces cerevisae, mas a tentativa de criar cervejas com diferentes perfis tem estimulado especialistas a avaliarem o uso de microrganismos não convencionais que permitam novas abordagens de processamento.
“Leveduras não Saccharomyces têm suscitado especial interesse na indústria por demonstrar bom desempenho fermentativo e capacidade de contribuir com compostos aromáticos diferentes, assim como outros aspectos organolépticos [percebidos pelo sentidos humanos como olfato, paladar etc.] do produto”, afirma o biólogo Cauré Barbosa Portugal, especialista em bebidas fermentadas, que fez um estágio de pós-doutorado em processos fermentativos alternativos da cerveja e da cachaça na Esalq-USP. “Buscamos isolar e caracterizar outras espécies de levedura para a elaboração de cervejas especiais. Nosso grupo de pesquisa revelou algumas possibilidades de exploração desses microrganismos para produção de bebidas com novas abordagens de bioaromatização – incorporação de compostos aromáticos por vias biológicas, além de cervejas funcionais, aquelas com baixo teor alcoólico e maior concentração de fibras, vitaminas e minerais.”
Com o bom resultado obtido nas pesquisas, Cauré decidiu criar uma empresa para oferecer leveduras customizadas ao mercado de bebidas. “Uma possibilidade inovadora é o emprego de blends de leveduras, que é a utilização de mais de um microrganismo no processo fermentativo. Algumas proporcionam mais aromas, enquanto outras são mais neutras. Ao empregar mais de uma levedura de forma conjunta ou sequencial – primeiro um certo microrganismo e, em seguida, outro –, podemos modular o processo fermentativo e criar uma cerveja diferente, com características próprias”, informa o pesquisador. Batizada de Smart Yeast (levedura inteligente), a startup encontra-se em fase de projeto.
Diferentes leveduras para uso na fabricação e a espuma da bebida também são objeto de estudo
A estabilidade protetora
A busca por uma cerveja de excelência também tem levado pesquisadores a estudar detalhes da estrutura do líquido, como sua espuma. Essa é a linha de pesquisa do engenheiro de alimentos Flávio Luís Schmidt, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA-Unicamp). “O objetivo é melhorar a estabilidade da espuma da cerveja industrializada por meio da adição de hidrocoloides”, conta Schmidt. Hidrocoloides são polissacarídeos de alto peso molecular extraídos de plantas, algas ou produzidos por síntese microbiana.
A espuma varia conforme o tipo de cerveja e, além de aprisionar aromas e perfumes, ela atrasa o processo de oxidação, que altera o sabor da bebida, ao impedir que a luz incida diretamente sobre o líquido. “Quanto mais estável for a espuma, mais tempo ela permanecerá no copo. As cervejas fabricadas no Brasil, com altos níveis de adjuntos não maltados, perdem proteína em sua composição e, com isso, estabilidade de espuma”, diz Schmidt. “O foco do trabalho foi dar outras opções de estabilização de espuma, fora o estabilizante mais comum, o alginato de propilenoglicol (APG).”
Os resultados do estudo mostraram que o APG foi o hidrocoloide com melhor desempenho na estabilização da espuma, porém, a pectina de alta viscosidade (originada da camada interna da casca da laranja) e a goma locusta (um tipo de carboidrato de origem vegetal), em associação com o APG, também mostraram-se viáveis.
O toque dos adjuntos
Na Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) da Universidade de São Paulo, o foco das pesquisas são os chamados adjuntos cervejeiros, uma miríade de ingredientes usados na formulação da bebida para substituir alguma proporção do malte. Essas fontes alternativas podem ser ingredientes sólidos, como cereais não maltados (milho, arroz, trigo, sorgo, aveia e centeio), ou líquidos, entre eles xaropes, melados e açúcar da cana ou beterraba. Além de reduzir o custo da produção – já que os adjuntos tendem a ser mais baratos do que o malte da cevada –, o uso permite a fabricação de cervejas com sabores e aromas diversos.
“Aqui em Lorena, estudamos adjuntos não convencionais, diferentes daqueles usados pelas grandes cervejarias, como o milho e o arroz”, explica o engenheiro químico João Batista de Almeida e Silva, professor de Tecnologia de Bebidas e líder do Laboratório Planta-Piloto de Bebidas da instituição. O primeiro adjunto pesquisado foi o arroz preto, um cereal rico em compostos fenólicos e com elevados teores de proteína e fibra. “No processo convencional de beneficiamento desse arroz, verifica-se a quebra de até 35% dos grãos. Usamos esses resíduos, sem valor de mercado, como adjunto cervejeiro. As características aromáticas do cereal passaram para a cerveja”, explica o pesquisador. O estudo, feito pelo aluno de doutorado Claudio Marcelo Andrade, gerou um pedido de patente.
Podcast: João Batista de Almeida e Silva
Depois da experiência com o arroz preto, o grupo de Lorena testou na microcervejaria da escola outros ingredientes, entre eles banana, pinhão, quinoa e pupunha. Um trabalho recente, liderado pela aluna Raquel Aizemberg, visou à produção de dois tipos de cerveja, uma lager (clara e leve) e outra ale (escura e gosto mais forte), usando caldo concentrado de cana como adjunto. O estudo foi feito durante o doutorado de Raquel e parte das análises foram realizadas na Universidade Católica de Leuven, na Bélgica. “A bebida com 25% de xarope de cana foi a que mais agradou. Essa foi a melhor cerveja que já fizemos”, avalia João Batista, destacando que um pedido de patente associado à elaboração do xarope de cana já foi depositado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Lei da pureza
Luciano Horn, mestre-cervejeiro da Ambev, empresa resultado da fusão, em 2004, com a belga Interbrew e, em 2008, com a norte-americana Anheuser-Busch InBev, dona da Budweiser, defende o uso de cereais não maltados na fabricação da bebida no país. “A cerveja sempre teve milho no país porque esse cereal existe por aqui desde os tempos da colonização. O ingrediente faz parte da receita pelo benefício do sabor e não interfere em sua qualidade final. É um mito pensar que cerveja que não é puro malte não tem qualidade”, afirma.
Segundo Horn, a crítica às cervejas feitas com cereais não maltados baseia-se na chamada Lei da Pureza ou Reinheitsgebot, instituída na Alemanha em 1516. Naquela época, a fim de preservar a qualidade do produto, cada vez mais popular na Europa, o duque Guilherme IV da Baviera decretou que a bebida deveria conter apenas três ingredientes: cevada, lúpulo e água – a levedura seria acrescentada tempos depois, pois não se conhecia esse microrganismo no século XVI. “Essa lei, na verdade, estabeleceu uma reserva de mercado para os produtores de cevada daquela região da Alemanha. Foi uma grande jogada de marketing que perdura até hoje”, diz o mestre-cervejeiro, para quem o uso de adjuntos é uma prática comum em todo o mundo. “Cada região usa o que tem para fazer cerveja. Não vejo problema nisso.”
Dona de 26 diferentes marcas de cerveja, entre elas Brahma, Antarctica, Skol e Bohemia, a Ambev tem um Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDT) que funciona como um laboratório de ideias. No CDT, situado em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, trabalham mestres-cervejeiros, engenheiros, químicos, entre outros profissionais. A equipe da Ambev envolvida diretamente com Pesquisa e Desenvolvimento no Brasil é composta por 170 pessoas. Eles são responsáveis por criar desde novos sabores a soluções inéditas de marketing e vendas. “O brasileiro tem buscado experiências inovadoras e nós estamos atentos a esses anseios”, conta Horn. Nos últimos anos, a empresa lançou, por exemplo, uma cerveja com zero teor alcoólico, uma bebida à base de cerveja que pode ser consumida com gelo, e um líquido puro malte com menos calorias e carboidratos.
A fim de ampliar e modernizar o trabalho feito no CDT, a Ambev investe R$ 180 milhões na construção de seu Centro de Inovação e Tecnologia (CIT), previsto para ser inaugurado neste ano no Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Ilha do Fundão. “Com o CIT, que será um dos principais polos de inovação cervejeira do mundo, vamos acelerar o processo de criação de novos líquidos e de novas embalagens”, explica Horn.
Bebida predileta do brasileiro, a cerveja foi trazida ao país pelos holandeses
Pedro HamdanUma pesquisa feita pelo Ibope em 2014 revelou que a cerveja é a bebida mais apreciada pelo brasileiro. No ano anterior, outro levantamento mostrou que ela era a bebida preferida para comemorações no país. Dados da Associação Brasileira da Indústria de Cerveja (CervBrasil) indicam que quase 30 mil litros da bebida são fabricados a cada minuto no país. O setor fatura R$ 70 bilhões por ano, o equivalente a 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015.
A história da cerveja no mundo remonta ao tempo dos sumérios, que há cerca de 6 mil anos criaram a primeira bebida fermentada à base de cereais. Achados arqueológicos apontam que esse povo da Mesopotâmia venerava uma deusa, chamada Ninkasi, dedicada à bebida. No Brasil, acredita-se que a cerveja chegou em meados do século XVII, com a colonização holandesa, pela Companhia das Índias Ocidentais. “Com a saída dos holandeses em 1654, a cerveja deixou o país por 150 anos, só reaparecendo entre o final do século XVIII e início do XIX”, escreveu Sérgio de Paula Santos em Os primórdios da cerveja no Brasil (Ateliê Editorial). Importada da Inglaterra, a bebida retornou ao país a partir de 1808, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil.
Não se sabe ao certo quando se deu o início da produção da cerveja em solo brasileiro, mas um anúncio no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro de 27 de outubro de 1836 oferecia a bebida por uma fabricante local, a Cervejaria Brasileira. Segundo Santos, as primeiras cervejas industrializadas surgiram na segunda metade do século XIX. Foi também nessa época que foram criadas as duas empresas que dominariam por décadas o mercado nacional, a Companhia Cervejaria Brahma, no Rio, e a Companhia Antarctica Paulista. Em 1999, elas se uniram criando a Ambev, que se tornou, à época, a terceira maior indústria cervejeira do mundo.
Projetos
1. Obtenção de cerveja pelo processo de alta densidade, utilizando como adjunto o arroz preto IAC 600 (Oryza sativa) (n° 2007/01347-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável João Batista de Almeida e Silva (EEL-USP); Investimento R$ 102.818,27 e US$ 26.708,00.
2. Uso de caldo de cana como adjunto na produção de cervejas Lager e Ale (n° 2013/08650-4); Modalidade Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior – Doutorado; Pesquisador responsável João Batista de Almeida e Silva (EEL-USP); Bolsista Raquel Aizemberg (EEL-USP); Investimento R$ 28.747,02.
3. Avaliação de uso de hidrocoloides como aditivo estabilizante de espuma em cerveja (n° 2013/12528-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Flávio Luis Schmidt (FEA-Unicamp); Investimento R$ 15.672,55.