maurício pierroPesquisadores e instituições se mobilizam para prevenir as formas mais graves de má conduta científica, como fraudes e manipulação de dados, mas não combatem com tanto vigor comportamentos duvidosos ou negligentes que, embora não produzam escândalos, comprometem a integridade da pesquisa pela elevada frequência com que ocorrem. Para avaliar se essa premissa é verdadeira, um grupo coordenado pelo psiquiatra Joeri Tijdink, da Universidade Livre de Amsterdã, Holanda, ouviu 227 especialistas de vários países que participaram das quatro primeiras conferências mundiais de integridade científica, realizadas entre 2007 e 2015.
Os entrevistados responderam a um questionário eletrônico que os convidava a opinar sobre uma lista de 60 tipos diferentes de condutas antiéticas ou controversas. Eles atribuíram pontos a certas características de cada um dos itens, como a gravidade e a regularidade com que ocorrem, e isso resultou em vários rankings. No ranking dos problemas mais frequentes, o primeiro da lista foi um viés que não necessariamente compromete a consistência de um artigo científico, que é citar dados selecionados a fim de realçar descobertas ou convicções do autor. Em segundo lugar, foi mencionada a falta de supervisão e orientação adequadas para estudantes e pesquisadores em início de carreira, deslize que pode ser produto de negligência ou de excesso de tarefas de um líder de pesquisa.
Já em outros dois rankings produzidos pelo levantamento, os que medem a percepção sobre os impactos da má conduta na validade da pesquisa e na confiança que ela inspira, o problema campeão em respostas foi a fabricação de dados – que na lista dos mais frequentes aparece em penúltimo lugar. Em segundo lugar, aparece o expediente de modificar, fabricar ou remover dados depois que eles já foram analisados pela primeira vez e, em terceiro, a manipulação de conclusões por pressão do patrocinador do estudo. O plágio foi considerado comum (ficou em 12º lugar entre os mais frequentes), mas com impacto limitado (42º na lista dos que mais causam impacto na validade da pesquisa). “Práticas questionáveis ou indesejadas, que às vezes nem são intencionais, podem ter um impacto acumulado maior do que os casos de fraude”, disse Tijdink ao site da publicação Nature Index.
Alguns dos problemas corriqueiros, observa Tijdink, são muito difíceis de eliminar. Ele cita como exemplo o terceiro tipo mais frequente de problema apontado no levantamento: não divulgar pesquisas cujo resultado foi negativo. Dar publicidade a eventuais resultados negativos obtidos ao longo do processo de investigação é importante para compreender o quanto são representativos os resultados positivos registrados. “Mas resultados negativos não rendem artigos em revista de alto impacto nem ajudam a obter financiamento para pesquisa. É difícil superar esse círculo vicioso”, diz o psiquiatra.
O levantamento foi publicado na revista Research Integrity and Peer Review no final de 2016 e apresentado em maio na 5ª Conferência Mundial de Integridade Científica, realizada em Amsterdã – o autor principal do artigo é o epidemiologista Lex Bouter, reitor da Universidade Livre entre 2006 e 2013 e um dos organizadores da conferência. “Fica claro, na nossa avaliação, que devemos transferir a atenção dos casos de fabricação e falsificação de dados, que são ocasionais, para os casos menores de má conduta, como arredondamentos estatísticos e seleção de dados, que são muito mais frequentes”, disse Bouter, que é professor de metodologia e integridade científica, ao apresentar o levantamento na conferência.
Um quarto ranking foi produzido a partir da opinião dos entrevistados sobre quais problemas de má conduta seriam mais fáceis de prevenir. Em primeiro, despontou a atitude de ignorar riscos impostos a participantes do estudo e, em segundo, os truques que permitiram a alguns pesquisadores terem controle sobre o processo de revisão de seus próprios papers. O trabalho também apontou nuanças sobre a percepção em diferentes campos do conhecimento. Nas ciências naturais, o problema que mais compromete a validade da pesquisa seria, segundo entrevistados da área, o arredondamento incorreto de resultados estatísticos, enquanto na área de ciências biomédicas seria a fabricação de dados e, nas ciências sociais, a possibilidade de revisar os próprios papers.
Durante o processo de revisão do artigo de Tijdink e Bouter feito pela Research Integrity and Peer Review, o trabalho recebeu críticas pelas características da amostra de entrevistados. Dos 1.131 que receberam o questionário, apenas 227 responderam – e nesse grupo havia uma prevalência de professores e pesquisadores seniores, o que poderia levar a conclusões enviesadas. O caráter subjetivo dos resultados – baseados em opiniões pessoais dos pesquisadores balizadas por um conjunto de 60 comportamentos predeterminados – também foi apontado como uma limitação, reconhecida pelos autores. Tijdink argumentou, contudo, que é muito difícil mensurar objetivamente o impacto dos casos mais brandos de má conduta científica e explicou que o levantamento das opiniões de especialistas foi a forma que encontrou de avaliar a amplitude do fenômeno. Esse recurso também foi utilizado por uma pesquisa que comparou as percepções sobre integridade científica entre 1.200 pesquisadores da área biomédica na China em 2015 com as obtidas em um levantamento feito em 2010.
O paper, publicado em abril na revista Science and Engineering Ethics, sugere que 40% da produção científica chinesa nessa área do conhecimento está associada a alguma forma de má conduta, mas reforça a ideia de que tipos mais brandos são os mais disseminados. Os mais prevalentes, segundo os entrevistados chineses, são o plágio e a atribuição imprópria de autoria a pesquisadores que não deram uma contribuição efetiva à pesquisa publicada – bem à frente das fraudes e da fabricação de dados.
Artigos científicos
BOUTER, L. et al. Ranking major and minor research misbehaviors: Results from a survey among participants of four World Conferences on Research Integrity. Research Integrity and Peer Review. 21 nov. 2016.
LIAO, Q.-J. et al. Perceptions of chinese biomedical researchers towards academic misconduct: A comparison between 2015 and 2010. Science and Engineering Ethics. 10 abr. 2017.