Léo ramos chavesEm Disseram que voltei americanizado – Relações sindicais Brasil-Estados Unidos na ditadura militar, o subtítulo descreve o conteúdo. O título, por sua vez, remete à ambiguidade das conclusões que podemos extrair da cuidadosa pesquisa da autora, Larissa Rosa Corrêa. Contudo, diz ela, muitas nuances podem ser anotadas nesses dizeres.
O livro trabalha com grande variedade de fontes, examinadas com argúcia de detetive: documentos oficiais do governo norte-americano, de agências privadas que volta e meia operacionalizavam objetivos de governo (fundações, sindicatos), material de imprensa, entrevistas, literatura especializada. O roteiro tem certo suspense: o que se fazia para “modelar” o sindicalismo pátrio, de modo a americanizar seus modos, os obstáculos encontrados e a recepção peculiar da ação externa por parte dos agentes internos (alguns deles, literalmente agentes internos ou quintas-colunas).
Papel fundamental é atribuído ao Instituto para o Desenvolvimento do Sindicalismo Livre (Iadesil), sonda norte-americana instalada em território brasileiro em 1961 para fazer prospecções, recrutar e treinar simpatizantes, difundir comportamentos e ideias que o instituto julgava “saudáveis”.
A criação do instituto é parte de um conjunto de políticas, planos e organizações inventadas pelo governo norte-americano ou por empresários daquele país para influir sobre sindicatos e movimentos populares brasileiros. A lista vem de longe. Já em 1943, o governo de Franklin Roosevelt (1933-1945) criara o programa de “adidos trabalhistas” em embaixadas e consulados norte-americanos. O Programa do Ponto IV, do presidente Harry Truman (1945-1953), também tinha dispositivos nessa direção – e a Guerra Fria iria ampliá-los significativamente.
Mas a coisa cresceu depois da Revolução Cubana. O livro de Larissa mostra alguns desses episódios: a Aliança para o Progresso, a Usaid, o Peace Corps, todos criados em 1961, com objetivos parecidos, embora em áreas diferentes.
A descrição das atividades do Iadesil é especialmente saborosa e reveladora. Em certo momento, a autora recupera uma frase de Adriano Campanhole, antigo dirigente do sindicato dos jornalistas de São Paulo: “Um bom dirigente sindical não se faz do dia para a noite”. Era um bom lema para o instituto. O investimento seria paciente, ardiloso. O Iadesil passaria sua rede entre dirigentes, convidando-os para viagens de “instrução e treinamento” nos Estados Unidos. Ao lado de conferências e seminários, visitas a instituições e envolvimento com as maravilhas do modo americano de viver – alguns se entusiasmam com o telefone sem fio, outros com o metrô. Muitos voltam um pouco americanizados – como a Carmen Miranda a que faz referência o título do livro. Mas, diz a autora, nem tanto. Os resultados, segundo ela, foram pequenos e decepcionantes para os promotores.
Em certa medida, alguns dos resultados foram mesmo frustrantes. Larissa comenta a trajetória de Clodesmit Riani, sindicalista enviado aos Estados Unidos para a doutrinação usual. Volta e… alia-se a comunistas para criar o Comando Geral dos Trabalhadores, o CGT, que John Kennedy lamentava ver surgir, já em 1962, como fruto dessa “degeneração” de Riani.
Larissa recupera as declarações de Arnaldo Sussekind, um dos ministros do Trabalho e da Previdência Social da ditadura militar. Ele sonhava com a formação de novos líderes sindicais “capazes e honestos, com experiência democrática”, que não fossem “nem comunistas nem bonecos dos empregadores” e não batessem de frente com o ministério. Ironia das ironias, alguns anos depois surgiria no ABC paulista alguma coisa perto do perfil que sonhava. Contudo, mais do que um remédio, constituiria uma dor de cabeça.
Nesta breve resenha, não faço justiça ao grande número de questões levantadas pela reflexiva reconstrução apresentada no livro, que não apenas recupera um momento revelador do passado. Mostra, também, o quanto pode mostrar sobre o presente. É um convite a estudos mais demorados sobre o que temos como passivo norte-americano na nossa história. Algo como um balanço da penetração do Brasil pela presença norte-americana – na economia, na política, na cultura e em tantos outros aspectos. Com ambiguidades e resultados inesperados, por vezes indesejados, como no caso dos personagens descritos pela pesquisadora.
Reginaldo C. Moraes é professor de ciência política no IFCH-Unicamp e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos.
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