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Oncologia

Inovação no diagnóstico de câncer

Startups utilizam novos métodos de rastreamento e técnicas de biotecnologia

Laboratório da Genomika: automação e inteligência artificial para desenvolver testes oncológicos

Genomika

A cada ano, 8,8 milhões de pessoas morrem de câncer no mundo. No Brasil, o registro de mortes em consequência da doença é crescente, passou de 152 mil por ano no início deste século para 223,4 mil em 2015, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Para a agência internacional, a detecção precoce e o tratamento adequado são os principais aliados na redução dos impactos do câncer e, por isso, é fundamental o desenvolvimento de inovações que possam facilitar, qualificar e baratear o diagnóstico e o tratamento oncológico. Quatro startups brasileiras – Ziel, Onkos, OncoTag e Genomika – investem em pesquisa com esse objetivo. Todas elas já têm produtos que devem entrar no mercado em um futuro próximo.

A Ziel Biosciences, criada em 2011 pela bióloga Caroline Brunetto de Farias e a médica Daniela Baumann Cornélio, ganhou em dezembro de 2017 o desafio “Transformando a jornada oncológica”, promovido pela empresa farmacêutica Roche e a 100 Open Startups, organização internacional que conecta novas empresas e grandes companhias. A Ziel está sediada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), na capital paulista.

Entrevista: Daniela Baumann Cornélio

 
     

A solução apresentada pela Ziel na competição inova no rastreamento do câncer de colo de útero, que atinge 16 mil mulheres por ano no Brasil e causa a morte de um terço delas. Um dispositivo, o SelfCervix, permite à mulher coletar amostras para o exame laboratorial que detecta a presença do vírus do papiloma humano (HPV) e outros biomarcadores do câncer. Esse tipo de tumor pode ser evitado se for rapidamente detectado. O método tradicional de diagnóstico ocorre por meio do exame de Papanicolau, que pode deixar de detectar células alteradas em até 35% dos casos, com um alto índice de falsos negativos. Por essa razão, recomenda-se que o exame seja repetido todos os anos. Segundo a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, 52% das brasileiras nunca realizaram o teste.

Daniela diz que a autocoleta de amostras é prática, evita o agendamento e o deslocamento até o ginecologista. Permite também o exame de mulheres que sentem desconforto com o procedimento invasivo do Papanicolau ou não aderem ao procedimento por restrições religiosas e culturais. “Existem comunidades na África, Ásia e no Brasil, como grupos indígenas na Amazônia, em que as mulheres só podem ser examinadas por outras mulheres, mas não há profissionais em número suficiente para isso”, conta.

Eduardo CesarInstrumento de autocoleta, da Ziel, para exame de colo do útero em substituição ao PapanicolauEduardo Cesar

A autocoleta já é testada em alguns países. A vantagem do SelfCervix em relação a outros coletores, segundo Daniela, é o fato de o dispositivo ser delicado e inofensivo ao corpo, permitindo que a mulher introduza o coletor muito perto do colo do útero para obter as células para exame em grande quantidade e sem contaminação de material da parede da vagina. Os resultados indicam um desempenho superior ao obtido com o Papanicolau, com uma precisão de 88%. O produto está em fase de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Ziel negocia com empresas interessadas em realizar a produção do dispositivo. A expectativa é de o kit de autocoleta estar no mercado em um ano, por um custo estimado em R$ 10. O sistema tradicional de coleta e teste de HPV tem um custo médio de R$ 250.

A Onkos Diagnósticos Moleculares, incubada desde 2015 no Supera Parque de Inovação e Tecnologia de Ribeirão Preto, ligado à Universidade de São Paulo (USP), também desenvolve novos métodos de diagnóstico em oncologia. Um dos projetos já se tornou um produto e tem previsão de lançamento em março deste ano. É o mir-THYpe, que será usado para classificar nódulos de tireoide indeterminados em maligno ou benigno.

Hoje a classificação de um nódulo de tireoide tem como base exames de ultrassom e de punção aspirativa (Paaf), segundo André Lopes de Carvalho, cirurgião de cabeça e pescoço do Hospital de Câncer de Barretos. Entre 15% e 30% das avaliações geram um laudo com resultado indeterminado. “A indicação médica na maioria desses casos é a cirurgia, devido ao risco de malignidade, porém, de 70% a 80% das vezes, o resultado final será de um nódulo benigno”, conta. O paciente terá de lidar com sequelas de uma cirurgia desnecessária, como a necessidade de reposição hormonal por toda a vida. Além disso, o sistema de saúde arca com uma despesa desnecessária.

Entrevista: Marcos Tadeu dos Santos

 
     

O biólogo Marcos Tadeu dos Santos, fundador da Onkos, afirma que o mir-THYpe é mais preciso e tem potencial para reduzir em até 73% as cirurgias desnecessárias. Para isso, utiliza a própria amostra coletada para análise dos microRNAs, pequenas moléculas regulatórias do RNA (ácido ribonucleico). “Percebemos que a expressão (a assinatura genética) dos microRNAs é diferente entre nódulos benignos e malignos”, explica. A Onkos criou um algoritmo computacional que lê as informações coletadas dos microRNAs e, utilizando técnicas de inteligência artificial, identifica se o perfil da expressão é mais similar a um nódulo benigno ou maligno. “O mir-THYpe terá um custo 75% menor que os exames norte-americanos.”

Lançado em janeiro deste ano, o primeiro produto desenvolvido pela Onkos é o Teste de Origem Tumoral (TOT), indicado para pacientes com tumores metastáticos. Por meio da análise de RNAs, o exame compara o perfil genético do paciente com um banco de dados com mais de 4.500 amostras tumorais, divididas em 25 tipos de câncer. Isso permite saber em qual órgão surgiu o tumor e auxilia na escolha do tratamento. O exame que tem patentes depositadas no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa foi licenciado para o Grupo Fleury, rede de laboratórios paulista. O Hospital de Câncer de Barretos, no interior de São Paulo, é parceiro da Onkos e colabora coma empresa cedendo a infraestrutura de laboratórios, o apoio do corpo clínico e as amostras de material biológico coletado de pacientes.

Em Belo Horizonte, a startup OncoTag, criada em 2015, desenvolve um exame molecular para avaliação de prognóstico de pacientes com câncer de ovário que permite a prescrição de tratamento individualizado. No Brasil, foram registrados 6.150 novos casos do tumor em 2016. Segundo a bióloga Letícia de Conceição Braga, sócia fundadora da OncoTag, no câncer de ovário, a maioria das pacientes só relata os sintomas quando a doença está em estágio avançado. O protocolo padrão para o tratamento determina cirurgia seguida de quimioterapia para eliminar qualquer resíduo de câncer. No entanto, existem quatro possibilidades de tratamento, com combinações de medicamentos em dosagens específicas. O médico adota um por um, observando a resposta da paciente, até atingir a melhor resposta.

A OncoTag desenvolve um teste molecular que utiliza amostras da biópsia do próprio tumor para identificar o perfil de expressão gênica da paciente. Com a informação do perfil molecular, o médico determina um tratamento quimioterápico personalizado, sem ter de submeter a paciente a várias linhas terapêuticas. O exame está em fase de conclusão de estudos. “Nossa expectativa é disponibilizar o produto ao mercado em 2020”, diz Letícia. A startup mantém um acordo de cooperação tecnocientífica com a Fundação Ezequiel Dias (Funed), de Belo Horizonte, e recebe apoio do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

GenomikaExame com técnicas de sequenciamento genético de tumores da GenomikaGenomika

No Recife, a Genomika Diagnósticos, fundada em 2013, utiliza técnicas de sequenciamento genético de segunda geração (NGS – next generation sequencing) e de bioinformática para realizar diagnósticos oncológicos. A metodologia NGS proporciona sequenciamento paralelo de bilhões de moléculas de DNA, ampliando a velocidade da análise e proporcionando uma redução da quantidade de amostras necessárias. O processamento de dados em larga escala é rápido e preciso, assim como a correlação dos achados genéticos com sua aplicação clínica. “Conseguimos estudar tumores e dizer, rapidamente, quais as drogas adequadas para oferecer um tratamento personalizado”, diz João Bosco Oliveira Filho, diretor e fundador da startup.

A Genomika estabeleceu uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, para o desenvolvimento de um software de análise de dados e testes genéticos. A empresa desenvolve uma série de diagnósticos sobre câncer, como o Oncoscreen, que sequencia RNA e DNA dos tumores, detectando simultaneamente variações de sequência genética e alterações, para definir o melhor tratamento para cada paciente. Também criou um teste de biópsia líquida que detecta DNA tumoral circulante.

O perfil de expressão gênica permite a indicação de tratamento personalizado para pacientes com câncer

A empresa pernambucana investiu R$ 1 milhão em pesquisa e desenvolvimento de novos testes oncológicos em 2017. Com um laboratório no Recife e um posto de coleta em São Paulo, a Genomika prevê abrir filiais em cinco capitais até o final do ano. O apoio à empresa é parte de uma estratégia do Einstein iniciada há três anos e que já resultou na parceria com 15 startups na área da saúde. Segundo José Cláudio Cyrineu Terra, diretor de Inovação do hospital, o apoio se dá por meio de incubação, acesso aos laboratórios e especialistas da instituição, codesenvolvimento de tecnologias e produtos e também investimentos financeiros.

O investimento global em startups de saúde em 2017 alcançou US$ 11,5 bilhões, de acordo com a consultoria norte-americana Startup Health. Esse montante refere-se a 794 empresas voltadas para soluções médicas e clínicas, especificamente, e não para aquelas especializadas em desenvolver softwares para áreas de gestão. No Brasil, segundo a 100 Open Startup, baseada em dados da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), há 900 startups relacionadas à saúde, mas 80% delas desenvolvem aplicativos como prontuários eletrônicos, agendamentos de exames e consultas e gestão de hospitais e clínicas. Não há estimativa sobre o total investido no Brasil no mesmo período.

Projetos
1. Potencial diagnóstico e prognóstico de novos marcadores de neoplasia de colo uterino (nº 16/08367-9); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Daniela Baumann Cornélio (Ziel); Investimento R$ 108.683,30.
2. Classificação molecular de nódulos tireoidianos indeterminados através de microRNA profiling (nº 15/07590-3); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Marcos Tadeu dos Santos (Onkos); Investimento R$ 108.781,17.

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