Com a descoberta do primeiro poço brasileiro de petróleo, em Salvador (BA), em 1939, o recém-criado Conselho Nacional de Petróleo (CNP) viu-se diante da escassez de conhecimento geológico e da falta de mão de obra qualificada para as atividades de refino e exploração do óleo. O problema perdurou por mais de uma década, até a criação da Petrobras, em 1953, que se encarregou de formar sua própria força de trabalho, contribuindo para a criação dos primeiros cursos de geologia no Brasil e para que o país, anos mais tarde, se tornasse o maior produtor de petróleo da América Latina e um dos 20 maiores do mundo, com aproximadamente 2.560 barris por dia, em média.
A busca por petróleo no Brasil começou durante o império, por meio da criação da Comissão Geológica do Império, em 1875. Chefiada pelo geólogo canadense-americano Charles Frederick Hartt (1840-1878), foi encarregada de fazer um mapa geológico do país, identificando de forma mais sistemática suas riquezas minerais. Posteriormente, a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, criada em 1886 e liderada pelo norte-americano Orville Derby (1851-1915), realizou cartas geológicas, geográficas e topográficas do estado e prospectou áreas para extração de petróleo e apatita.
Essa busca se intensificou no final do século XIX, quando o petróleo passou a ser visto como uma potencial fonte de energia. Em 1897, o país fez a primeira sondagem profunda na região de Tatuí, interior de São Paulo — apenas água sulfurosa foi encontrada. Outras perfurações foram feitas nos anos seguintes sem que nenhum poço de valor comercial fosse achado. “O fracasso das prospecções era atribuído à falta de geólogos e de conhecimento sobre a estrutura geológica do país”, esclarece a historiadora Drielli Peyerl, que fez o doutorado e um estágio de pós-doutorado sobre o tema no Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IGe-Unicamp).
Drielli analisou o papel do CNP e da Petrobras na criação dos primeiros cursos de geologia no Brasil a partir do acervo do paleontólogo Frederico Waldemar Lange (1911-1988), com documentos sobre seus estudos em geologia e paleontologia, mapas geomorfológicos e políticos, relatórios internos da Petrobras e livros e artigos sobre os avanços nessas áreas em meados do século XX no Brasil.
Lançada em 1957, Campanha de Formação de Geólogos estimulou a criação de cursos em diferentes regiões do Brasil
As indicações sobre a existência de petróleo no Brasil nessa época eram vagas, raras e controversas. Isso fez com que o país fosse considerado um território sem petróleo. Em abril de 1938, Getúlio Vargas (1882-1954) tentou dar novo impulso à busca pelo óleo e criou o CNP, responsável pela regulação do setor de óleo e gás no Brasil. Seu corpo de técnicos, no entanto, era insuficiente para expandir a indústria do petróleo no país, dificuldade ainda mais evidente após a descoberta do primeiro poço brasileiro, em 1939. A demanda por geólogos ganhou força nessa época também por conta da criação da Vale do Rio Doce, em 1942, dedicada à exploração das riquezas minerais do subsolo brasileiro. Diante disso, o conselho contratou geólogos e empresas estrangeiros especializados em geofísica.
Mão de obra própria
Em meio a debates nacionalistas, o CNP optou por investir na formação de seus próprios profissionais. Ainda em 1952, criou o Setor de Supervisão e Aperfeiçoamento Técnico (SSAT), uma das principais iniciativas relacionadas ao ensino da geologia no Brasil. Com a criação da Petrobras, um ano depois, esse setor se transformou no Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisas de Petróleo (Cenap), que iniciou um programa de preparação de mão de obra especializada.
“Havia uma conjunção política e um atraso tecnológico e econômico que fizeram com que o Brasil se lançasse em um esforço de modernização que demandava a atuação de geólogos, como durante o governo de Juscelino Kubitschek [1956-1961]”, comenta o geólogo Emilio Barroso, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que analisou a história da criação dos primeiros cursos de geologia no Rio. Segundo ele, esses profissionais também foram importantes para a construção de hidrelétricas e prospecção de minerais para produção de aço e alumínio.
A formação de geólogos no Cenap começou em abril de 1957, em Salvador, com o curso de introdução à geologia. Em julho do mesmo ano a Petrobras inaugurou outra disciplina, a de geologia do petróleo, em parceria com a Universidade da Bahia, atual Universidade Federal da Bahia. Para que as outras universidades brasileiras pudessem contar com programas de formação em geologia como o oferecido pela Petrobras, o governo lançou a Campanha de Formação de Geólogos (Cage), que estimulou a criação das cadeiras de geologia nas universidades de São Paulo, Ouro Preto, Rio Grande do Sul e Pernambuco.
Diante disso, a Petrobras transformou seu curso em uma especialização voltada apenas à geologia do petróleo, oferecida para aprimorar as habilidades dos geólogos brasileiros de acordo com suas demandas de trabalho e pesquisas. Em 1968, com a descoberta do primeiro poço em águas profundas, a estatal passou a investir em cursos para a exploração de petróleo na plataforma continental. “Essas especializações se mantêm até hoje na Universidade Petrobras”, ressalta Drielli, autora do livro O petróleo no Brasil: Exploração, capacitação técnica e ensino de geociências (1864-1968), publicado em junho de 2017 a partir de sua tese de doutorado. A proposta é que os profissionais recebam capacitação técnica e adquiram vivência sobre a empresa e a indústria de petróleo antes de começarem a desempenhar suas funções.
Novas frentes
Para Drielli, a contribuição da estatal para a formação de mão de obra qualificada foi decisiva para que, anos mais tarde, o Brasil alcançasse sua autossuficiência em petróleo, almejada desde a década de 1940, tornando-se um dos principais exportadores do mundo – embora, por razões técnicas e econômicas, o país precise importar petróleo leve para misturar com o nacional, do tipo denso, mais difícil de refinar. Também ampliou o desenvolvimento de pesquisas relacionadas a todo o arcabouço geológico do país, com impacto não apenas no setor de óleo, gás e bens minerais.
As pesquisas hoje não se ocupam apenas do presente, mas também da reconstituição do passado da Terra, por meio de análises de minerais, rochas e fósseis
“A partir de então, os geólogos também passaram a atuar na construção de estradas e túneis, e em estudos sobre contaminação e erosão de solos e desastres naturais”, destaca Emilio. De meados do século passado para hoje, a mudança foi radical. Os dados mais recentes da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) indicam que, até 2011, o Brasil contava com cerca de 8 mil geólogos e geofísicos, dos quais a maioria atuava na Petrobras (19,5%) e na Vale (2,5%). O restante estava espalhado pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, no Departamento Nacional de Pesquisa Mineral e em empresas públicas e privadas de mineração e de consultoria ambiental. Nas instituições de pesquisa e ensino superior, ainda de acordo com a SBG, avalia-se que atuem cerca de 1.200 geólogos e geofísicos, espalhados pelos 57 programas da área de geociências disponíveis hoje no Brasil. Todos os anos, cerca de 300 novos geólogos se formam no país.
Além de questões envolvendo a prospecção e extração de petróleo e minerais, as pesquisas empreendidas no campo da geologia não se ocupam mais apenas do presente, mas também da reconstituição do passado do planeta, ampliando o conhecimento sobre a composição, estrutura e evolução da Terra a partir da análise de seus minerais, rochas e fósseis. Por sua vez, os resultados dos estudos científicos de monitoramento contínuo das dinâmicas terrestres, em geral, são convertidos em estratégias de conservação e de gerenciamento dos recursos hídricos, energéticos e minerais, dos solos aráveis, e usados para tentar reduzir os desastres naturais.
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