Os alemães tiveram participação de destaque na construção de São Paulo em meados do século XIX, por meio de obras públicas e privadas que impulsionaram o desenvolvimento urbano da província. Entre os profissionais que contribuíram para a consolidação dos novos arranjos da infraestrutura paulista, favorecendo a popularização da alvenaria de tijolo e a multiplicação das olarias, estão os engenheiros Karl Abraham Bresser, Carl Friedrich Rath e Hermann Bastide.
Formado pela Escola Politécnica de Berlim, na Alemanha, Hermann Bastide (1816-1881) desembarcou no porto de Santos em 1848 para trabalhar na Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, em Sorocaba. Em outubro de 1851 assumiu a coordenação da quinta seção de obras públicas da província — a mais importante, por abarcar a capital e seus subúrbios. À época, São Paulo havia sido dividida em seis seções com o objetivo de organizar o setor de obras e melhorar a administração de suas estradas.
O engenheiro tornou-se responsável pela manutenção e construção de pontes, calçamento de ruas, instalação de chafarizes e encanamento das águas da cidade, segundo a arquiteta Adriane Acosta Baldin, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Ela estudou a contribuição dos engenheiros alemães na construção da província a partir do acervo do fotógrafo Militão Augusto de Azevedo (1837-1905), responsável por vasta coleção iconográfica sobre as mudanças da paisagem urbana no século XIX.
Bastide tinha amplo conhecimento sobre as inovações tecnológicas em desenvolvimento na Europa. “Países como Inglaterra, França e Alemanha avançavam no campo da engenharia e na produção de novos materiais para a construção civil”, conta a pesquisadora. “Os engenheiros alemães trouxeram essas tecnologias para o Brasil.” Bastide também foi responsável pela construção de um hospital para alienados na ladeira da Tabatinguera, na Várzea do Carmo, ressaltando que as paredes da edificação deveriam ser feitas de pedra, tijolo e cal, e não à base de taipa de pilão (barro amassado em fôrmas de madeira). “O tijolo era usado esporadicamente em obras gerais da cidade, mas nunca na construção integral de edifícios”, explica Adriane.
Segundo ela, é possível que a orientação de Bastide esteja relacionada à enchente do rio Anhangabaú, que em janeiro de 1850 destruiu 15 casas de taipa e uma ponte no cruzamento da rua São João. “Verifica-se nos documentos uma preocupação dos engenheiros alemães em romper com essa tradição após a enchente”, diz a arquiteta, autora do livro Tijolo sobre tijolo: Os alemães que construíram São Paulo, fruto de sua tese de doutorado.
Com a popularização do uso do tijolo vieram as olarias. Essa tendência também estimulou a contratação de mão de obra qualificada para execução das obras, por meio de acordos entre a província e a Vergueiro & Cia, empresa de imigração criada pelo senador Nicolau Vergueiro (1778-1859). Estima-se que o político e empresário tenha agenciado a vinda de 204 trabalhadores alemães para atuar como pedreiros, operários especializados em calçamento de ruas e empreiteiros em obras de infraestrutura em São Paulo no século XIX. “Os agenciadores agiam de forma ostensiva nos estados alemães com o intuito de convencer a população sobre as maravilhas oferecidas pelo governo brasileiro”, esclarece a historiadora Silvia Cristina Siriani, das Faculdades Metropolitanas Unidas, que analisou a política de imigração alemã no século XIX no Brasil.
Outro engenheiro que veio para o Brasil foi Carl Rath, encarregado de numerosas obras de infraestrutura urbana entre as décadas de 1850 e 1860 em São Paulo. Os registros sobre sua vida na Alemanha sugerem que tenha obtido ampla formação em mecânica, medicina e engenharia. Nascido em Stuttgart em 1802, Rath chegou no Brasil em agosto de 1845, empreendendo expedições pelo interior da província para estudos de aspectos geográficos e geológicos da região.
Rath estudava bastante sobre assuntos diversos, acumulando conhecimentos sobre aspectos naturais e geológicos de São Paulo. Isso beneficiou o desenvolvimento urbano da província, direcionando o setor de obras em relação ao abastecimento de água, construção de estradas e escolha dos melhores lugares para implantação dos serviços públicos.
Em 1858 Rath escolheu o alto da Consolação como local para a construção de um cemitério cercado com muros de tijolo. Os corpos até então eram enterrados dentro das igrejas ou em adros, espaços descobertos em volta delas. Com base em um estudo da região, o engenheiro verificou que ela apresentava as condições mais adequadas para o sepultamento, já que os ventos pouco sopravam em direção à cidade. Isso evitaria a propagação dos miasmas, emanações provenientes de matéria orgânica em putrefacção, à época associados à disseminação de doenças.
O engenheiro também trabalhou na construção e manutenção de projetos de abastecimento de água, intervindo para que os terrenos com vertentes, tanques ou encanamentos de água potável fossem protegidos. Em outra frente, Rath coordenou obras de construção de estradas e de reparo de ruas na capital. Abriu a rua Formosa e fez consertos na rua da Glória, ambas no Centro, e na estrada da Maioridade, que unia a Baixada Santista à capital. A estrada tinha fluxo intenso para a época: cerca de 5 mil mulas ao mês. Fora construída em 1841 por 200 trabalhadores alemães, supervisionados pelo engenheiro germânico Karl Bresser (1804-1856).
Bresser veio para São Paulo em 1838 para fiscalizar as obras de construção da estrada de Santos e de outra ligando São Paulo a Jundiaí. Em 1852 Bresser ficou encarregado da coordenação de uma comissão para analisar e propor um projeto de canalização de possíveis nascentes de água. Os engenheiros avaliaram as fontes do Pacaembu e da Cantareira, optando pela segunda, por ter nascentes com regime fluvial permanente e grande volume de água. O projeto de canalização das águas da serra da Cantareira demorou 20 anos para ser iniciado. As diretrizes sobre o abastecimento da cidade, no entanto, mantêm-se até hoje, sendo o complexo Cantareira responsável por grande parte do fornecimento da água consumida em São Paulo.
Além de profissionais com formação tecnológica para atender a demanda da infraestrutura brasileira, o país recebeu cientistas e curiosos em conhecer e registrar a fauna e flora do Novo Mundo. Esse interesse se traduziu em expedições científicas realizadas no século XIX, boa parte delas composta por alemães. É o caso de Georg Heinrich von Langsdorff, que esteve várias vezes no Brasil, do zoólogo Johann Baptist von Spix e do botânico Carl Friedrich von Martius, que vieram em 1817. O naturalista Fritz Muller veio para Santa Catarina em 1830 e o farmacêutico Theodoro Peckolt, em 1847.
A imigração alemã diminuiu a partir da década de 1860. O governo do país europeu deixou de incentivar a vinda desses trabalhadores, já que havia demanda por mão de obra especializada para execução de obras de infraestrutura por lá.
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