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Pesquisadores desenvolvem plástico do século XXI

O Brasil está perto de conseguir o domínio tecnológico na produção de materiais carbonosos avançados, produtos de alta resistência e baixo peso, que têm na fibra de carbono seu representante mais famoso. Um passo importante que sinalizou recentemente a proximidade dessa conquista foi a solicitação ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial, INPI, da patente de um novo processo de obtenção de piches de alcatrão de hulha de melhor qualidade, pela Usiminas-Usina Siderúrgica de Minas Gerais. Esse piche é rico em carbono e depois de processado se transforma em mesofase de alto padrão, também chamado de piche mesofásico, a matéria-prima na fabricação dos materiais carbonosos.

Hoje, o mercado internacional visível desses novos produtos está na faixa de US$1 bilhão de dólares, mas esse valor seria muito mais elevado caso se pudesse computar a produção dos fabricantes de carbonosos avançados para seu próprio uso, caso da NASA. E quem tem as patentes e as fórmulas pede muito dinheiro por elas ou, simplesmente, não as fornece. Foi para atingir tão almejada tecnologia que um grupo de pesquisadores estruturou em 1994, com apoio da FAPESP, o projeto temático “Síntese de Caracterização de Materiais Carbonosos Avançados”, coordenado pelo professor Carlos Alberto Luengo, titular do Departamento de Física Aplicada da UNICAMP-Universidade Estadual de Campinas.

Ao entrar em seu terceiro ano de desenvolvimento, o projeto contabiliza o aporte financeiro de R$1 milhão, dos quais, R$265 mil aplicados pela FAPESP, US$400 mil pela Usiminas – estes, recursos utilizados na construção de urna usina de produção de mesofase em escala laboratorial na cidade de Ipatinga -, R$100 mil originários da Petrobrás e o restante proveniente das demais instituições participantes: o CTA-Centro Tecnológico da Aeronáutica, o ITA-Instituto Tecnológico da Aeronáutica e a UNICAMP.

Este projeto temático, além de aproximar os vários laboratórios que antes trabalhavam de forma independente no mesmo tema, representa um novo exemplo de cooperação entre universidade e empresas. “Está sendo muito bom participar do projeto temático porque deixamos de trabalhar isolados, cada um em seu canto, e passamos para uma atividade cooperada”, diz o pesquisador participante Choyu Otani, do Centro Tecnológico da Aeronáutica.

Otani foi um dos coordenadores do trabalho que resultou na patente do processo produtivo do piche mesofásico. O autor do projeto é o engenheiro da Usiminas, Arnaldo Terra Gontijo, que trabalhou sob a orientação da professora Satika Otoni, da Divisão de Materiais do CTA e do professor Luengo.

A tecnologia transforma resíduo em produto de alto valor agregado
A novidade da patente é a utilização de óleos extraídos do alcatrão – um subproduto da coqueificação (cozimento) da hulha (carvão siderúrgico) – para diluir o piche e obter ganho de qualidade do produto. Esse processo garante um novo aproveitamento para o alcatrão, um material danoso ao ambiente e cancerígeno, normalmente usado na fabricação de outros produtos químicos. A Usiminas percebeu as vantagens no novo processo de obtenção do piche mesofásico quando esse material foi importado da Mitsubishi japonesa, para a realização de outras fases da pesquisa, pelo valor de US$22 o quilo, no varejo, ou US$10, no atacado. O valor do piche normal, vendido em toneladas, é de 30 centavos de dólar por quilo – uma diferença significativa, de muitos milhões de dólares, se for ampliada para a produção em larga escala numa usina siderúrgica. Na seqüência da pesquisa, o objetivo principal é obter 100% de pureza no piche mesofásico, situação ideal para a fabricação dos novos materiais. Os pesquisadores já conseguiram um índice de 75%.

Com a complementação dessa fase, a Usiminas e possivelmente mais outras duas siderúrgicas brasileiras, a CSN-Companhia Siderúrgica Nacional e a CST-Companhia Siderúrgica de Tubarão, terão condições de fornecer o piche mesofásico para as indústrias instaladas no Brasil. Então, será possível fabricar, a preços mais reduzidos, a fibra de carbono que tem um mercado em alta expansão em vários setores industriais.

Hoje, a fibra de carbono é utilizada em asas de avião e outros produtos aeronáuticos, raquetes de tênis, jet ski, bicicletas, varas de pescar e nas carrocerias de carros de Fórmula 1. Prevê-se a fabricação de piscinas, pára-choques de carros e tanques de armazenamento dos caminhões transportadores de combustível, o que diminuiria, em muito, o peso desses veículos. Por ser um material condutivo, a fibra de carbono evita a interferência de ondas eletromagnéticas, o que pode facilitar o seu uso em novos modelos de carros, que cada vez mais utilizam sensíveis microprocessadores, como injeções eletrônicas e instrumentos digitais. “No Japão, já se fabrica paredes carbonosas, numa mistura de cimento e fibra de carbono que elimina o uso de vergalhões de ferro na estrutura. Com isso, as paredes ficam mais finas e compactas, além do ambiente ficar protegido contra ondas eletromagenéticas”, afirma Choyu Otani. “A fibra de carbono e outros materiais carbonosos são o plástico do século 21”, avalia o professor Luengo.

Das asas de aviões aos rabos de foguete, passando por finas paredes
Além da fibra, o piche mesofásico possibilita a produção de diversos outros materiais. O mais importante e considerado estratégico é o carbono-carbono, uma mistura originada do piche comum adicionado à fibra de carbono. Esse material é fundamental nos foguetes, tanto naqueles que levam satélites para o espaço como para uso militar, no transporte de ogivas nucleares, por exemplo. O composto de carbono, além de I ser utilizado nas bordas e na estrutura, é usado, principalmente, na tubera, que é a parte final do foguete, local submetido a altas temperaturas devido aos gases resultantes da combustão.

A falta de material confiável para produzir a tubera é um dos motivos no atraso do projeto do VLS -Veículo Lançador de Satélites que está em desenvolvimento no Centro Tecnológico da Aeronáutica. Os países que detêm tecnologia nesse setor não vendem o material necessário para a construção da tubera e não fornecem a fórmula para ninguém, especialmente para fabricação de foguetes.

Afora esse uso específico, os compostos de carbono-carbono têm uma larga utilização em outros campos, desde a produção de aparelhos ortopédicos até perucas e adereços para carnaval. Outra matéria-prima originada do piche mesofásico são as membranas de peneira molecular utilizadas em máscaras contra gases tóxicos e em filtros para a purificação de água e de ar. O CTA está desenvolvendo esses produtos a partir de micro-esferas de mesofase importadas. “Não podemos esperar a produção de piche mesofásico 100% puro para iniciar o desenvolvimento dos novos materiais”, afirma Luengo. Enquanto isso, o Laboratório de Combustíveis Alternativos da Unicamp já produz o fulereno, um novissímo material carbonoso, descoberto no final da década passada, e que também está sendo pesquisado dentro do projeto temático.

Esse material desperta grande interesse acadêmico e ainda não tem utilidade prática. É uma forma de carbono sintético que vem se juntar ao grafite e ao diamante. “O fulereno demonstrou boa capacidade de transportar elétrons e terá possíveis aplicações em química orgânica, na tribologia (estudo de atritos entre materiais), na eletroquímica e na produção de semicondutores”, prevê Luengo. A nova substância é extraída do grafite que, por sua vez, também é obtido a partir do piche. Submetido a temperaturas de mais de 5 mil graus centígrados, o grafite se volatiza e ao se condensar novamente, transforma-se em fulereno, um material com uma estrutura molecular de 60 ou mais átomos de carbono.

O projeto temático dos materiais carbonosos avançados agrupa seis professores-doutores, oito doutorandos, dois professores com mestrado, e cinco mestrandos, além de dois engenheiros, sete técnicos e dois bolsistas de iniciação científica. Eles trabalham para atingir a elaboração final do piche mesofásico e a produção dos materiais carbonosos avançados. Trabalho que poderá garantir ao país a produção de plásticos de alta performance que, certamente, serão muito utilizados na indústria e na sociedade do século 21.

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