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Acesso aberto

Compromisso com uma ciência mais aberta

Debate em Congresso Mundial de Jornalismo Científico mostra consenso em relação ao modelo de publicação em acesso aberto e apresenta caminhos para a transição

LAUSANNE – Ao menos no discurso, a batalha já acabou: o acesso aberto é o futuro da ciência. Em discussão na abertura da 11ª Conferência Mundial de Jornalistas Científicos 2019, em Lausanne, Suíça, uma mesa composta por representantes de editoras científicas, editores de acesso aberto, órgãos de fomento e da academia, o dissenso ficou por conta do caminho para alcançar esse objetivo comum.

“Estamos totalmente comprometidos com a ciência aberta – o acesso aberto é apenas um passo necessário para alcançá-la, uma fase de transição. O futuro é a ciência aberta, com dados, protocolos, padrões abertos. O sistema atual existe por razões históricas. Ninguém o criaria hoje, se pudéssemos começar do zero”, disse Daniel Ropers, CEO da Springer-Nature, uma das principais editoras acadêmicas. “A questão é justamente a transição. E aqueles que estão liderando o caminho parecem não se importar com quem tem alguma objeção à mudança proposta”, cutucou.

Responsável pelo setor de ciência aberta e políticas de dados da diretoria de pesquisa e inovação da União Europeia (UE), Jean-Claude Burgelman pontuou que a discussão já avançou muito. “Em 2014, começamos a discutir alguns marcos para a política científica, e, cinco anos mais tarde, já estamos todos de acordo quanto a onde queremos chegar, então não podemos reclamar. Sem dúvida, o problema está na trajetória a percorrer.”

Para Ropers, a via dourada é o caminho mais promissor. Nesse modelo, as editoras abrem o acesso ao artigo científico assim que é publicado, tornando-o acessível sem custos para o leitor – a conta é paga pelos pesquisadores, por meio da taxa de publicação de artigos (APC), ou por subsídios governamentais de agências ou entidades de fomento à pesquisa. Em muitos casos, as revistas cobram taxas extras para disponibilizar artigos em acesso aberto; algumas publicações estabelecem embargos para a divulgação do material. Kamila Markram, CEO da Frontiers Media, grande editora de revistas de acesso aberto, também defende a via dourada. “Hoje, 86% dos artigos publicados ainda estão resguardados por paywalls. A ciência não pode esperar por embargos para se tornar acessível. No nosso modelo, é possível ter um serviço editorial de qualidade por uma APC de em torno de € 2 mil”, afirmou.

A via verde – na qual os pesquisadores depositam no banco de dados de sua instituição uma cópia do artigo publicado em periódico fechado, que pode ser a versão final do manuscrito, ou apenas a versão anterior à revisão pela editora – é defendida pelo presidente da Swiss National Science Foundation (SNF), agência suíça de fomento à ciência, Matthias Egger. Enquanto para Ropers não faz sentido um modelo que dependa de pessoas continuarem a assinar revistas para ter acesso a artigos que já estão disponíveis, Egger defende que as revistas são mais do que bancos de dados: “Como pesquisador, você não quer apenas os artigos, quer o editorial, acompanhar os debates, fazer parte da comunidade. Isso os repositórios não têm”. O suíço usa como exemplo The BMJ, tradicional publicação britânica na área das ciências biomédicas que em 2008 se tornou de acesso aberto, mas apenas para os artigos científicos. Demais conteúdos são acessíveis por assinatura.

Independentemente do modelo, o processo de publicação envolve custos e deslocá-lo das assinaturas para outro ponto na cadeia de produção é um desafio. “São 10 milhões de cientistas e dezenas, talvez centenas de milhares, de agências coordenadoras, e todos precisam estar a bordo para coordenar a mudança do fluxo de pagamento para o momento da publicação”, destaca Ropers, da Springer-Nature.

Simples em termos de proposição, o acesso aberto não é fácil de ser implementado em um sistema no qual os pesquisadores são recompensados – com promoções, financiamentos – por publicarem em revistas de alto impacto, que frequentemente são de acesso restrito. “Está sedimentado no sistema que publicar é essencial, e isso é difícil de mudar”, disse Herma Cuppen, professora de química computacional da Universidade de Radboud, Holanda. “Com tantos dados disponíveis, não faz sentido distribuir empregos e auxílios com base em uma lista de artigos publicados, isso é preguiçoso. Precisamos trabalhar as métricas e torná-las mais realistas”, afirmou Ropers. Para Burgelman, da UE, as universidades têm um papel fundamental nesse movimento, que deveria ser apoiado na ciência de dados. “Precisamos olhar os dados, evoluir as métricas de citação, que devem se voltar aos pesquisadores, e não nos concentrarmos nas publicações”, complementou Markram.

Durante o debate, mediado pelo jornalista alemão Jan-Martin Wiarda, questionou-se a existência de conflito de interesse nas editoras de acesso aberto, que teriam incentivos financeiros (o pagamento de APC) para publicar cada vez mais artigos, sem se preocupar com a qualidade da ciência relatada. Markram, do conglomerado de revistas de acesso aberto, declarou que não faz sentido para uma empresa que quer se manter no ramo publicar sem critérios, para lucro imediato, pois no médio prazo estaria desacreditada. Burgelman destacou que a mesma “acusação” poderia ser feita às editoras comerciais, mas que não se aplicaria pelo mesmo motivo. “As revistas por assinatura também têm incentivos financeiros. Porém, se você constrói uma reputação, não vai querer publicar qualquer coisa. Sempre haverá bobagem sendo publicada, mas o sistema se autocorrige.”

Uma pergunta da plateia colocou em pauta sites como o Sci-Hub, repositório que oferece milhões de artigos científicos obtidos irregularmente. Para Burgelman, da UE, a pirataria é uma indicação de que o sistema está falhando. “Um exemplo semelhante ocorreu com a indústria de música, com os downloads ilegais. Precisou de um novo modelo, streaming, para se resolver o problema. Estamos em um momento de ruptura no sistema de ciência, não dá para passar por isso e sair igual ao final do processo. Até porque a transformação não vai terminar.”

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