Um software criado por uma empresa paulista promete dar mais segurança e agilidade aos procedimentos de radioterapia oncológica em países em desenvolvimento. O Sistema de Informação para Planejamento Radioterápico (Siprad) foi criado pela i-Medsys, empresa de Ribeirão Preto (SP) especializada no desenvolvimento de sistemas médicos, e está em fase de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e na agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA).
A função do software é realizar o planejamento do tratamento, etapa em que participam diversos profissionais, entre eles rádio-oncologista, dosemetrista e físico médico. O planejamento determina a dose e os diferentes ângulos de administração da radiação, que é efetuada por um aparelho afastado do paciente, o acelerador linear. Também define limites e volumes da área do corpo humano que receberão o tratamento, tornando-o mais eficaz e reduzindo efeitos colaterais. “O planejamento é a etapa mais crítica do tratamento radioterápico”, diz o rádio-oncologista Harley Francisco de Oliveira, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia. Ele explica que uma dose administrada de forma inadequada pode provocar danos a tecidos saudáveis.
Na ausência de um sistema de planejamento de radioterapia (TPS), como o Siprad, os médicos definem a região-alvo do tratamento e a dose da radiação com base na observação visual de imagens de tomografia ou ressonância magnética. O risco de erro passa a ser maior. Essa é a situação de muitos serviços de radioterapia do país, principalmente os que atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Dados do Ministério da Saúde indicam que 10,3 milhões de procedimentos radioterápicos foram realizados pelo SUS em 2017. A escassez de equipamentos para o tratamento, como aceleradores lineares, e de sistemas TPS resulta em um tempo médio de espera entre o diagnóstico e o início da radioterapia de 113 dias.
O problema é que a implementação da tecnologia para o tratamento é dispendiosa e o acesso é limitado fora dos grandes centros hospitalares do país. Um acelerador linear custa por volta de US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 5,5 milhões). O custo da licença de um programa RTPS (Radiation Therapy Treatment Planning) da norte-americana Varian, uma das líderes do mercado global junto com a sueca Elekta, pode variar de US$ 10 mil a mais de US$ 100 mil, segundo Humberto Izidoro, diretor-geral da empresa na América Latina. O preço final depende das funcionalidades configuradas e do número de usuários credenciados para cada funcionalidade. A clínica ou hospital também precisa de uma estação de trabalho exclusiva para operar o RTPS.
De acordo com Diego Fiori de Carvalho, sócio-diretor da i-Medsys, a proposta do Siprad é se diferenciar pelo menor custo de implementação e manutenção. A licença completa do sistema, cujo desenvolvimento contou com apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, é estimada em cerca de US$ 10 mil, mesmo valor da licença da Varian para uma única funcionalidade e um usuário. Outra diferença é que os TPS importados demandam estações de trabalho exclusivas, enquanto o Siprad funciona em computadores pessoais. O software brasileiro, segundo Carvalho, possui as mesmas funcionalidades que os sistemas concorrentes e é compatível com os aceleradores lineares produzidos pela Varian e Elekta.
O Siprad surgiu a partir de uma demanda do serviço de radioterapia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCRP-USP), então coordenado por Harley Oliveira. “O alto custo das licenças de TPS limita a expansão dos serviços de radioterapia, sobretudo os públicos, que demandam investimentos governamentais”, diz o médico. A i-Medsys, empresa graduada no Supera Parque de Ribeirão Preto, já atendia o HCRP com o sistema de gerenciamento de imagens LyriaPacs, também desenvolvido com apoio da FAPESP.
A nova demanda do HCRP levou os sócios Diego Carvalho e José Antônio Camacho a realizar o Programa Treinamento em Empreendedorismo de Alta Tecnologia Pipe Empreendedor. “Esse programa nos estimulou a ter um plano de negócios para o Siprad adequado à realidade brasileira”, relata Carvalho. Para isso, os sócios visitaram hospitais públicos e filantrópicos de seis estados.
Uma das metas da i-Medsys é atender a demanda por TPS resultante do Plano de Expansão da Radioterapia no SUS, que prevê a aquisição de 140 aceleradores lineares. A iniciativa original data de 2012, quando o Ministério da Saúde anunciou uma concorrência para a aquisição de 80 equipamentos – seis anos depois, foram acrescidas 60 máquinas. A concorrência original foi vencida pela Varian, cujo contrato, assinado em 2013, previa a entrega dos equipamentos, a construção de uma fábrica no país, um centro de treinamento e a transferência de tecnologia.
Segundo Izidoro, diretor da Varian, até o início de julho foram entregues 18 aceleradores lineares. Com o novo acordo firmado em 2018, o total de equipamentos a serem fornecidos pela Varian chegará a 100. O investimento é estimado em R$ 505 milhões. As outras 40 máquinas e respectivos TPS serão adquiridos por meio de convênios ainda não definidos. É nesse cenário que a i-Medsys quer se inserir.
Apresentação na ONU
Atualmente o Siprad está sendo testado no Centro de Tratamento em Rádio-Oncologia (CTR), em Ribeirão Preto, e no Instituto de Radiologia (HC-InRad), em São Paulo. “Estamos aprimorando as ferramentas de contorno e a performance geral do programa. Ainda é cedo para uma avaliação definitiva”, comenta o médico rádio-oncologista Fábio Prado Luz, do HC-InRad. Para ele, trata-se de um programa promissor e em franca evolução. “Solicitamos alterações e somos atendidos, o que não ocorre com programas estrangeiros. Isso faz diferença.”
Harley Oliveira, que faz avaliação do Siprad no CTR, diz que o sistema apresenta vantagens importantes, além do menor custo: um banco de dados remoto, que utiliza o sistema de computação em nuvem, e a possibilidade de realizar a tarefa de planejamento a distância, via web.
O custo de implementação e manutenção e os diferenciais do programa levaram a Divisão de Saúde Humana da Agência Internacional de Energia Atômica das Nações Unidas a convidar a equipe da i-Medsys a mostrar o projeto neste ano em sua sede, na Áustria. A agência busca soluções de software para tratamento de câncer compatíveis com as demandas de países em desenvolvimento. “Atendemos os requisitos na agência e fomos estimulados a participar de licitações internacionais quando tivermos as certificações”, diz Carvalho.
Projetos
1. Siprad: Sistema de planejamento radioterápico (nº 15/08412-1); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Diego Fiori de Carvalho (Innolution); Investimento R$ 553.828,32.
2. ArcaMed: Um arcabouço para construção de sistemas de apoio a diagnósticos médicos (nº 05/60038-5); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Diego Fiori de Carvalho (Innolution); Investimento R$ 471.239,25.