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Química verde

A promessa dos bioplásticos

Apesar do número crescente de opções, alternativas aos polímeros tradicionais de origem fóssil ainda precisam ganhar escala

Talheres feitos do biopolímero PLA

Léo Ramos Chaves

Em meio à preocupação com as consequências da poluição por plásticos, uma indústria ganha holofotes: a dos biopolímeros. Ser biodegradável e fabricado a partir de fontes renováveis, como milho ou cana-de-açúcar, são as principais características do produto. Com propriedades e aplicações muitas vezes similares ou idênticas às dos plásticos convencionais derivados de petróleo, gás ou carvão, eles surgem como alternativa de matéria-prima para a produção de itens plásticos na medida em que consumidores optam por mercadorias mais sustentáveis e governos aprovam leis banindo a comercialização de itens descartáveis de uso único fabricados com polímeros de origem fóssil, como copos, talheres, garrafas e embalagens. Esses plásticos agridem o ambiente porque levam até centenas de anos para se decompor.

Os biopolímeros, também chamados de bioplásticos, representam menos de 1% dos 359 milhões de toneladas de plásticos fabricados anualmente no mundo, segundo a associação European Bioplastics, que representa os interesses da indústria. A produção, no entanto, cresce ano a ano. Entre 2018 e 2019, a expansão da capacidade instalada foi de 5%, chegando a 2,1 milhões de toneladas. A expectativa da associação europeia é de que esse número continue evoluindo e chegue a 2,4 milhões de toneladas em 2024.

No Brasil, onde foram comercializados 6,6 milhões de toneladas de plásticos em 2018, não há estatísticas relacionadas à produção ou à venda de bioplásticos. O país, no entanto, é um dos grandes produtores de polímeros de origem renovável do planeta, utilizando cana-de-açúcar e etanol. A Braskem conta com capacidade instalada para produzir 200 mil toneladas do polietileno verde I’m green, o que representa cerca de 10% de fabricação global de bioplástico.

Os números globais são positivos e os desafios para o setor enormes. Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que já há tecnologia madura para a fabricação de produtos a partir de biopolímeros, mas o custo mais elevado da matéria-prima, que pode chegar ao triplo da do plástico convencional, é um obstáculo a ser vencido.

“Esse custo já foi maior”, diz a química industrial Karina Daruich, diretora-executiva da Associação Brasileira de Biopolímeros Compostáveis e Compostagem (Abicom). Segundo Daruich, a expectativa do setor é de que o aumento da produção leve a ganho de escala, reduzindo o preço dos biopolímeros biodegradáveis e compostáveis.

Além do atual preço elevado, outros desafios precisam ser superados pelos fabricantes de bioplásticos, como a necessidade de mudanças em um parque industrial já instalado voltado à produção de polímeros convencionais, a conquista do consumidor para aceitar novos produtos, a falta de políticas públicas que estimulem a fabricação de produtos mais sustentáveis e questões de cunho regulatório, entre elas as relacionadas à certificação e destinação final dos bioplásticos.

Há no mercado pelo menos 10 grupos de diferentes tipos de bioplástico, sendo os mais comuns o ácido polilático (PLA), o polibutileno adipato co-tereftalato (PBAT), o politereftalato de etileno (PET), o polietileno (PE) e o polisuccinato de butileno (PBS). “Eles são uma família ampla de materiais diferentes, com diversas propriedades e aplicações”, informa a química Vânia Zuin, do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e professora visitante do Centro de Excelência em Química Verde da Universidade de York, no Reino Unido, e da Universidade Leuphana, na Alemanha.

Classificação dos bioplásticos
O conceito adotado pela European Bioplastics para a classificação dos bioplásticos, seguido por boa parte dos países, abrange duas vertentes: uma com relação à origem do material e outra associada à sua degradação. Um material é considerado bioplástico se for parcial ou totalmente de fonte renovável, ou seja, derivado de biomassa, como milho, cana-de-açúcar, celulose etc. Nesse caso, ele não precisa ser necessariamente biodegradável para ser considerado um biopolímero.

A organização europeia não define um percentual mínimo de matéria-prima de fonte renovável na composição do polímero para que ele seja classificado como bioplástico, o que pode causar certa confusão se a informação não estiver clara. “Quando usada de forma leviana, a conceituação [da European Bioplastics] pode levar o consumidor a adquirir um produto etiquetado como bioplástico sem que ele possa verificar o teor efetivo de material de origem biológica presente nele”, ressalta Zuin. “Ou seja, pode ocorrer o famoso greenwashing – ou maquiagem verde.”

Opinião semelhante tem a consultora Karina Daruich. “O componente renovável do polímero deve ser especificado em quantidade ou porcentagem em relação a todo o produto ou sua massa”, opina. “Não é a quantidade mínima que importa, mas a comunicação [com o consumidor]. Se o polímero tiver 5% ou 10% de fonte renovável, ele já promove resgate de CO2 da natureza. É melhor do que o plástico com 100% de fonte fóssil.”

O polietileno verde I’m green, da Braskem, é um exemplo de biopolímero feito com material renovável, mas que não é biodegradável.

Léo Ramos Chaves Pellets do plástico biodegradávelLéo Ramos Chaves

A empresa tem como clientes mais de 150 marcas que usam o produto em embalagens, calçados, mobiliário e tampas plásticas. A vantagem ambiental está na redução da quantidade de emissões de gases de efeito estufa na produção do plástico verde, que é reciclável.

Para ser considerado biodegradável, explica Vânia Zuin, um plástico tem de ser apto a passar por um processo de transformação química em que microrganismos do ambiente o convertem em produtos atóxicos, como água e dióxido de carbono. Em termos de estrutura química, a resina da Braskem é igual à do plástico convencional e pode demorar séculos para se decompor. Em geral, ele se fragmenta em partículas menores, podendo gerar os chamados microplásticos, que poluem rios e oceanos.

Também são chamados de bioplásticos aqueles que são biodegradáveis, sejam eles feitos a partir de fontes renováveis ou não. Dessa forma, um material pode ser 100% de origem fóssil, mas, se for biodegradável, é classificado como biopolímero. Um exemplo é o plástico biodegradável ecoflex da Basf, cuja matéria-prima é o PBAT. Em 2019, segundo a European Bioplastics, 55,5% da capacidade global de produção de bioplásticos era de biodegradáveis, enquanto 44,5% eram de fonte renovável (bio-based), mas não biodegradável.

Léo Ramos Chaves Filamento de impressora 3D fabricado com o biopolímero PLALéo Ramos Chaves

Karina Daruich chama a atenção para um aspecto importante: mesmo se o material for comprovadamente biodegradável, a destinação correta após o uso é essencial. “Se o bioplástico for destinado a aterro sanitário, por exemplo, não há como garantir o tempo adequado de degradação, de até 180 dias”, afirma. A destinação adequada dos plásticos biodegradáveis, explica Daruich, são as usinas de compostagem, ainda em número limitado no país.

A especialista salienta que no Brasil faltam empresas certificadoras que garantam que determinado produto plástico seja mesmo biodegradável. “Não importa se é de fonte fóssil ou renovável; ele tem que ser certificado de acordo com as normas já existentes”, defende a consultora.

Há também os materiais que são 100% de origem renovável e, ao mesmo tempo, biodegradáveis. O PLA, destaque do mercado, está nesse grupo e pode ser feito, por exemplo, de amido de milho e cana-de-açúcar. É usado na fabricação de sacolas, talheres, pratos e filamentos de impressoras 3D. “Nos últimos tempos, aumentou muito a demanda desse material no mundo e chegou até a faltar no mercado”, conta Karina Daruich. “O PLA é o biopolímero mais conhecido porque tem rigidez e a caraterística de poder ser misturado a outros plásticos, formando compostos.” Essa mistura, no entanto, precisa ser feita necessariamente com outros plásticos biodegradáveis para que o composto resultante retenha essa característica.

Importado dos Estados Unidos, o PLA representa 60% da matéria-prima das cerca de 6 toneladas de filamentos para impressora 3D vendidas por mês pela empresa 3DProcer, de Mauá, na Grande São Paulo, calcula o engenheiro mecatrônico Felipe Buzinskas, CEO da companhia. “Nosso negócio ainda é pequeno, mas em porcentagem cresce muito”, comenta. De acordo com ele, os clientes se dispõem a pagar até o dobro do preço pelo filamento feito com o biopolímero, na comparação com o fabricado de plástico tradicional, menos pelo apelo ecológico do que pela facilidade de impressão com o produto. “No Brasil, há muitas máquinas de impressão 3D mais simples, vindas da China, e elas funcionam melhor com o PLA do que com o plástico convencional.” Isso porque o plástico derivado do petróleo perde calor muito rapidamente, degradando os filamentos usados nas impressoras 3D chinesas.

Outro bioplástico produzido exclusivamente de fonte renovável e biodegradável é o poli-hidroxibutirato (PHB), vendido sob a marca Biocycle. Feito a partir de um processo em que o açúcar da cana é metabolizado por bactérias e transformado na resina plástica, o Biocycle se assemelha a alguns polímeros tradicionais, como o polipropileno. Ele foi criado por pesquisadores paulistas, em estudos iniciados na década de 1990, e sua patente pertence à PHB Industrial, empresa de Serrana (SP), que o produz em pequena escala e sob demanda.

“Trata-se de um produto de nicho, de valor superior ao dos polímeros convencionais. Infelizmente, o mercado não tem absorvido essa diferença de preço”, diz Eduardo Brondi, gerente administrativo da PHB Industrial. Segundo ele, o projeto de produzir o PHB em escala industrial está hibernando. “Eventualmente produzimos um lote para um cliente específico. Estamos trabalhando em outras linhas de biotecnologia.”

Iniciativas como a recente decisão da prefeitura de São Paulo de banir da cidade o comércio de plásticos de uso único descartáveis em restaurantes, lanchonetes, padarias e hotéis, a partir de 1o de janeiro do ano que vem, podem estimular a produção de plásticos de materiais biodegradáveis, compostáveis ou reutilizáveis, que não agridem o meio ambiente. Outros locais adotam medidas semelhantes. Além da União Europeia, que proibiu os descartáveis a partir de 2021, a China já anunciou medidas para reduzir drasticamente o uso de sacos plásticos nos próximos anos.

Especialistas, no entanto, apontam que não existe uma solução única para lidar com os problemas decorrentes da utilização de plásticos pela sociedade. “Verificar a necessidade real do uso de um material e seu destino final é fundamental. A questão é que o estabelecimento de políticas públicas, apesar de centrais, se ocorrerem sem o apoio concreto para que haja a gestão correta de materiais, pode dar origem ao que vemos hoje em São Paulo. Algumas recicladoras de plástico da cidade podem ficar inoperantes por serem economicamente inviáveis”, afirma Vânia Zuin.

Daruich acrescenta: “Deve-se considerar uma análise completa do ciclo de vida do produto que permita avaliar os impactos não apenas no meio ambiente, mas também econômicos e sociais, ao longo de sua existência, seja ele um plástico de uso único ou não”, diz. “A responsabilidade pelo descarte adequado deve ser compartilhada entre indústria, governo e consumidores.”

Artigos científicos
KÜMMERER, K. et al. Rethinking chemistry for a circular economy. Science. v. 367, n. 6476, p. 369-70. 24 jan. 2020.
OLIVEIRA-FILHO, E. R. Investigating nutrient limitation role on improvement of growth and poly(3-hydroxybutyrate) accumulation by burkholderia sacchari lmg 19450 from xylose as the sole carbon source. Frontiers in Bioengineering and Biotechnology. v. 7, artigo 416. 8 jan. 2020.

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