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Roberto Sbragia

A capacidade de inovação será diferencial no futuro

Para o professor Roberto Sbragia, coordenador científico do Núcleode Política e Gestão em Ciênciae Tecnologia da Universidadede São Paulo (USP), a diferença competitiva entre as empresas,no próximo milênio, vai ocorrer à luz das inovações em produtos e processos. “Isso é um axioma, não se discute”, afirma. Mas, para que as empresas brasileiras se tornem realmente competitivas, há muitas barreiras a serem superadas. Especialmente, a postura do próprio empresariado. Sbragia é professor titular do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, na qual leciona desde julho de 1976. É ainda assessor técnico da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei) e supervisor de projetos na Fundação Instituto de Administração. Depois de graduar-se pela USP, em 1974, Sbragia obteve o mestradoe o doutorado em Política e Gestão da Inovação Tecnológica na mesma universidade. Tem pós-doutorado em Gerência de Pesquisa e Desenvolvimentono Instituto Tecnológico da Northwestern University, dos Estados Unidos, obtido em 1986. No mesmo ano, teve sua dissertação de livre-docência aprovada na USP.

O foco desta apresentação é o comportamento tecnológico do setor produtivo brasileiro, do qual São Paulo participa em boa proporção, diante da força de sua indústria. Tive oportunidade de fazer, recentemente, uma apresentação semelhante, num fórum internacional, o Conselho de Pesquisa Industrial das Américas, o Cira. É uma instituição que congrega as principais entidades voltadas para a articulação tecnológica, no âmbito das empresas e do setor produtivo, do Canadá à Argentina.

O grupo mais conhecido entre os integrantes do Cira é o Instituto de Pesquisas Industriais, o IRI, dos Estados Unidos. Esse instituto congrega 300 empresas americanas. Tem 60 anos de existência e suas empresas são responsáveis por 80% dos investimentos empresariais em desenvolvimento tecnológico nos Estados Unidos. Seu equivalente, no Brasil, é a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais. Congrega, hoje, cerca de 55 empresas, responsáveis por aproximadamente 25% dos investimentos empresariais em desenvolvimento tecnológico no Brasil. Portanto, está muito abaixo do que representa o IRI nos Estados Unidos.

O início da década de 90 foi um período no qual a empresa brasileira procurou colocar a casa em ordem. Houve motivos para isso. A abertura econômica, os planos de estabilidade e outros fatores marcaram o período. Vieram então uma certa estabilização econômica, a abertura comercial, a atração de investimentos externos, a promoção da competição via valorização do consumidor, a busca da eficiência e da qualidade e, também, a renovação de produtos.

Esses fatos marcantes da década de 90 levaram as empresas a uma grande evolução nos padrões de produtividade e qualidade. Comparando os dados atuais com os do começo desta década, vemos que a indústria brasileira passou por um período de otimização produtiva. Houve uma grande elevação nos parâmetros. Melhoraram, por exemplo, os índices de refugos, de devolução de produtos pelos clientes e de reclamações. A diminuição dos prazos de produção e outros fatores revelam, em geral, uma otimização e uma busca de eficiência e produtividade. Esses fatores marcaram a primeira metade da década de 90.

De acordo com estudos feitos pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), a indústria brasileira passou por um miniciclo de investimentos no período de 1995 a 1997. Esses investimentos, porém, foram muito heterogêneos em termos de setores industriais. Seus efeitos foram pouco duradouros. Mas alguns setores obtiveram maior rentabilidade, sobretudo os de transformação e, nessa área, especialmente os relacionados com os bens de consumo, devido a saltos tecnológicos e à adoção de novos produtos para tornar viáveis as exportações.Na década de 1971 a 1980, os investimentos no Brasil representaram 8,4% do PIB. Houve, depois, decréscimos e acréscimos. Em 1997, com o aumento verificado nos estudos da Cepal, os investimentos chegaram a 18% do PIB. Entre os setores que tiveram crescimentos maiores estão asiderurgia e metalurgia, o setor de material de transporte e o setor de alimentos.

Um fator importante são os investimentos diretos estrangeiros. Entre os países emergentes, o Brasil foi o que mais atraiu recursos durante a década de 90. Foi também o que menos perdeu investimentos no ano crítico de 1998, com relação à participação de cada país no total dos investimentos mundiais das empresas transnacionais. A evolução foi notável. No início da década de 90, o Brasil participava com 3,6% do fluxo mundial de capitais estrangeiros. No fim da década, essa participação subiu para cerca de 16%. No mesmo período, outros países latino-americanos mostraram crescimento negativo.

Há muitas discussões sobre o valor real desses investimentos. As empresas transnacionais agregam valores em diversas frentes. De um lado, há o investimento produtivo, em fábricas e instalações. Do outro, o valor agregado em desenvolvimento tecnológico, emprego e outros fatores. Mas há quem seja pessimista com relação a esses investimentos. Cita-se que os investimentos estrangeiros muitas vezes se atêm à ciranda financeira e não significam, necessariamente, uma soma de valor tecnológico. A questão tem vários pontos que merecem ser discutidos. Mas o que interessa a este painel é o futuro.

No novo milênio, a competitividade empresarial vai estar cada vez mais atrelada à capacidade de inovação das empresas. Ou seja, a diferenciação competitiva vai ocorrer à luz das inovações em produtos e processos. Isto é um axioma. Não se discute. É uma realidade. Mas temos, no País, uma série de barreiras que dificultam a relação entre empresa, governo e infra-estrutura científica e tecnológica para a promoção da inovação.

Se tomarmos como vértices de um triângulo o setor produtivo, a infra-estrutura em ciência e tecnologia e o governo e suas agências promotoras, a integração, no sentido da promoção da inovação, deve partir da indústria. Ela é o segmento próximo do consumidor e, portanto, o elemento que reconhece as necessidades. É a partir da indústria que a inovação deve passar por outros elementos, com a agregação de valores, e retornar na forma de produtos e serviços melhores, mais baratos e mais diversificados à disposição da comunidade.

Essa passagem, no Brasil, é bastante problemática. É cheia de obstáculos que não permitem o funcionamento pleno desse triângulo e de suas interfaces. Examinemos, em primeiro lugar, o setor governamental. Apesar de alguns avanços recentes, o Brasil é caracterizado, nas áreas federal e estaduais, por instrumentos de política governamental pouco eficazes, quando se trata de privilegiar a empresa como foco de inovação tecnológica ou como carro-chefe da inovação e da transferência de produtos e serviços inovadores para a sociedade como um todo. Os instrumentos, quando existem, são muito complicados e de aplicação difícil. São pouco transparentes e, muitas vezes, quase desconhecidos. Não ficam em vigor por muito tempo e mudam a todo momento. Algumas vezes estão valendo, outras, não. Podem ser cortados e reeditados a qualquer momento, dependendo de fatores externos.

Esses instrumentos são excessivamente burocratizados. Perde-se muito tempo para entendê-los e para usá-los. Quando chegam a ser aproveitados, são pouco eficazes, devido ao alto custo de utilização, o que acaba por afugentar os usuários potenciais. Esses instrumentos são pouco participativos, no sentido de serem criados, testados e receberem o feedback dos usuários, serem remodelados e melhorados ao longo do tempo. Acabam influindo muito pouco no comportamento das empresas. Não cumprem seu papel, assim, de alavancar o desenvolvimento tecnológico no âmbito das empresas.

Existem vários exemplos disso. Vamos tomar apenas um, os incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimento tecnológicos empresariais, no âmbito da Lei 8661/93. Essa legislação foi criada no Brasil depois de vários estudos, que começaram por volta de 1983 e 1984. Eles levaram a algumas leis, que foram sendo modificadas conforme novos governos tomavam posse. Finalmente, em 1993, os incentivos entraram em vigor. Pois bem. Essa legislação, criada em 1993 e modificada recentemente, em 1996, por força da crise fiscal, reduziu, na prática, os benefícios fiscais às empresas a patamares muito inferiores aos praticados no mundo desenvolvido.

O Canadá é o país mais avançado na legislação fiscal para beneficiar os investimentos empresariais. Ele permite que as empresas reduzam do imposto de renda a pagar de 20 a 25% dos gastos comprovados em desenvolvimento. Os Estados Unidos concedem benefícios semelhantes. A Austrália permite uma dedução única na forma de dedução das despesas operacionais, com um impacto no imposto de renda a pagar.

O Brasil permite uma redução muito pequena, limitada a 4% do imposto de renda a pagar pelas empresas. Nesse limite, porém, também entram programas como os subsídios à alimentação e ao transporte do trabalhador. Na prática, não existe nenhum benefício fiscal hoje para uma empresa que queira investir em pesquisa e desenvolvimento tecnológicos no Brasil.

Isso acontece apesar de as boas empresas conhecerem a legislação. Numa pesquisa recente, feita pela Fiesp, 77% das empresas declararam conhecer esses incentivos. No entanto, 90% não utilizam a legislação. Como causa, foram citados diversos problemas, principalmente os custos envolvidos. O uso dos incentivos demanda, por exemplo, a contratação de consultores externos e a preparação de minuciosos projetos para serem aprovados pela máquina governamental. Na prática, exige muito mais tempo do que o prazo necessário para que uma inovação seja produzida com sucesso e chegue ao mercado antes dos concorrentes.

Quanto ao papel das universidades e institutos, eles ainda estão vinculados a tradições nas quais o papel da empresa é pouco reconhecido como parte do sistema de inovação. Isso é particularmente destacado, caracterizado e evidenciado pela excessiva ênfase na produção de papers e não em patentes para o uso dos resultados da pesquisa. A produção de patentes no Brasil é baixíssima.

Os investimentos do poder público para a inovação por meio das universidades são pouco orientados para a demanda. É uma atitude ainda muito ofertista, que pretende colocar o conhecimento à disposição de quem quiser fazer uso dele, mas sem estabelecer uma vinculação a priori com a demanda. Existem estudos mostrando que somente as grandes empresas interagem com as universidades e tiram proveito do trabalho dessas instituições. Isso ocorre em detrimento das pequenas e médias empresas. Por mais paradoxal que isso possa parecer, são justamente as pequenas e médias empresas as que mais necessitam do apoio da infra-estrutura externa, devido à sua pouca capitalização.

Mas são também aquelas com menos condições de usar esse apoio, em função de suas deficiências. Elas começam pela inexistência de pessoas capazes de articular, interagir e falar o linguajar mínimo necessário para colocar a empresa em condições de comunicar-se com a infra-estrutura científica. As grandes empresas, por sua vez, investem mais em desenvolvimento tecnológico e têm mais pessoas alocadas internamente para o esforço de inovação. Têm, assim, uma infra-estrutura mais capaz de aproveitar o esforço de pesquisa efetuado pelas universidades e institutos.

Apesar desse ambiente pouco estimulante, as empresas mostram uma preocupação levemente crescente com relação ao futuro. No que se refere ao esforço em inovação, porém, ele tende mais à estabilidade do que ao crescimento. Isso fica evidente quando se analisa o histórico da alocação de recursos financeiros pelas empresas para a inovação e para o aumento da qualidade do esforço de inovação. De qualquer maneira, há uma certa preocupação em não diminuir as equipes técnicas mais do que proporcionalmente se diminuiu a força de trabalho global das empresas nestes últimos anos e, principalmente, em obter ganhos de competitividade com a introdução de novos produtos no mercado. Esses são fatores muito importantes.

De qualquer maneira, os dados sobre indicadores empresariais e inovação tecnológica entre 1993 e 1997 mostram números bastante estáveis. O gasto anual fica na faixa de US$ 7 milhões por empresa, em média. Trata-se de um gasto bastante estável, sem muitas variações ao longo do período. A pequena tendência de aumento do investimento total ocorreu muito mais pela entrada de novosplayers e pelo reconhecimento de operações antes desconhecidas do que propriamente pelo aumento das despesas das empresas que já participavam do jogo.

É assim que se explica o aparecimento, nas estatísticas governamentais, de um crescimento da participação do setor produtivo nos gastos em desenvolvimento tecnológico no Brasil. Por esses dados, essa participação passou de algo em torno de 15 a 20%, no início da década de 90, para 32% em 1997. É importante notar: as empresas que respondem por esses números representam apenas um terço do PIB industrial brasileiro. Isso significa que existem grandes possibilidades de expansão, se não ocorrerem grandes crises econômicas e os governos colocarem em prática medidas de ordem política com esse objetivo.

O futuro do comportamento empresarial e inovador no Brasil está atrelado à busca de uma competência internacional, não somente nacional. Ela pode ser obtida por meio de ganhos de produtividade, eficiência e qualidade e mediante outros fatores, como qualificação de pessoal e interesse na busca do conhecimento. Isso deve ocorrer num ambiente de flexibilidade total, sob todos os pontos de vista, operacional, financeiro e outros.

Essa competência internacionalizada, por meio desses fatores, é que permitirá ao Brasil atingir um estágio de sustentabilidade dinâmica. Ela depende de muito mais do que do aumento da eficiência produtiva e de otimizações de plantas e produtos. Essa sustentabilidade dinâmica deve criar condições para que as empresas brasileiras sejam capazes de competir internacionalmente e se insiram na cadeia mundial. Isso não se consegue apenas com a otimização de plantas e produtos, mas com conhecimento, qualificação e flexibilidade.

Para que isso aconteça, o Brasil e principalmente seus Estados desenvolvidos, que querem progredir e têm massa crítica para isso, vão ter de criar uma série de condições. Elas passam por vários fatores que não são triviais, simples ou singulares. Uma das primeiras dessas condições é a governabilidade, a capacidade mínima de gestão do País. Há países ingovernáveis. Esses não têm nenhuma possibilidade de progresso.

Não se podem esquecer as condições econômicas. Entre elas estão a estabilidade e a liberalização. Elas são importantes, precisam ser mantidas e conquistadas. Os investimentos necessitam dessas condições. Há tambémuma série de políticas públicas que precisam ser aplicadas, principalmente na área das exportações. O Brasil é um país muito carente no setor das exportações, que são pequenas e concentradas em pouquíssimas empresas. A grande massa de empresas pequenas e médias não exporta.

Para que as pequenas e médias empresas brasileiras possam exportar, é necessário proteger a propriedade industrial e intelectual e criar redes de excelência. O Brasil precisa capitalizar aquilo que sabe fazer melhor, o que conhece bem e onde é diferente das grandes potências mundiais. É preciso definir prioridades setoriais. O País não pode ser o melhor em tudo. É necessário selecionar setores e potencialidades. Com os parcos recursos dos quais o Brasil dispõe, é impossível atacar em todas as frentes.

É preciso tratar, também, da situação financeira, em particular os desafios ao capital de risco, muito pouco utilizado no País. Há a questão dos incentivos fiscais, que tendem a ser confundidos, muitas vezes, com subsídios e doações. Isso cria uma atitude negativa, não só para a sociedade, mas para o governo e o empresário. Os incentivos acabam por não ser utilizados, quando países desenvolvidos, que competem com o Brasil, os usam e usam muito bem. Aliás, é o único incentivo permitido no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC).Outro problema é o da qualificação universitária e absorção de pessoal universitário pelas indústrias, especialmente no nível de doutores.

Já formamos 4 mil doutores por ano. Mas uma parcela ínfima desse pessoal está na indústria. A formação básica profissional no Brasil é ruim. O ensino técnico, para não falar da educação básica, é apenas sofrível. No Brasil, há pouco pessoal de nível médio trabalhando nas empresas. Isso faz com que os PhDs, os poucos que existem, façam trabalhos de bancada, deixando de se concentrar no principal objeto do seu trabalho, o criativo. Nos países desenvolvidos, há uma relação de um PhD para três técnicos de nível médio. No Brasil, a relação é quase o inverso.

Existe também uma questão cultural. O Brasil precisa melhorar muito a interação e parcerias entre a empresa e as universidades e os institutos. Esta não é uma crítica apenas os institutos e universidades. É também uma crítica aos empresários, à sua postura imediatista e à pouca credibilidade que dão a essas instituições. A situação melhorou muito nesta década. Vários paradigmas foram rompidos. Mas ainda está distante o aparecimento de uma relação profícua entre os dois setores.

A sociedade deve ser mobilizada em torno da inovação. É necessário, particularmente, aguçar o espírito crítico do consumidor. O mercado brasileiro é pouco crítico com relação aos produtos que consome. Agindo assim, não estimula a competitividade e não apóia o diferencial competitivo das empresas. Aceita o que se coloca na mesa, sem rejeitar. Isso é importante. O mercado é um dos maiores indutores do investimento tecnológico por parte das empresas.

Mas isso pouco adiantará se não houver uma mudança na postura empresarial. O Brasil ainda está longe de ter uma postura empresarial voltada para a inovação e para a valorização da tecnologia como instrumento de competitividade. Há ilhas de excelência, empresários notáveis, posturas dignas de nota. Mas isso é muito mais exceção do que regra. O Brasil ainda sente a necessidade de uma classe empresarial com uma visão mais voltada para o futuro.

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