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Joaquim Magalhães

A diversidade também é importante

Opiniões diferentes ajudam a estudar a história

Um dos principais historiadores portugueses, Romero Magalhães defende a diversidade de enfoques, diz que a contribuição luso-brasileira passa pelas universidades e adverte que o pesquisador não precisa esperar pela documentação para abrir novas linhas no estudo da história.

O que vem marcando, em Portugal, as comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil?
Muito tem sido feito em Portugal para assinalar a efeméride dos 500 anos da chegada de Pedro Álvares Cabral a terras que viriam a ser parte do Brasil. Instituições oficiais e universidades muito em especial se preocuparam com isso. Mas não apenas. Fundações e outras entidades privadas também procuraram assinalar a passagem desses primeiros cinco séculos de um imenso e portentoso país que fala português. Não tanto apenas quanto ao que interessa à história, mas também ao que nos pode interessar, como pessoas e como cidadãos.

Como o trabalho de catalogação e microfilmagem dos documentos do Arquivo Ultramarina relativos ao período colonial do Brasil se vincula com as comemorações do Descobrimento, do ponto de vista de Portugal?
A Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, entidade governamental, colaborou ativamente nesse processo. Foi entendido que o que importa é o que fica feito e publicado. Importa tudo o que contribua para o alargamento dos nossos conhecimentos sobre um passado comum. Isso explica, a aposta feita no projeto, que da parte do Brasil se chama “resgate”, e da parte portuguesa, “reencontro”.

Com a catalogação e a microfilmagem dos documentos, um número maior de historiadores brasileiros terá condições de realizar mais estudos sobre o período colonial do Brasil. Os historiadores portugueses também se sentiram estimulados com as comemorações do Descobrimento e propuseram novos trabalhos, tomando por base os documentos do Arquivo Ultramarino?
O Arquivo Histórico Ultramarino é apenas uma parte do que foi o arquivo do Conselho Ultramarino, entidade que durante os séculos 17 e 18 era a responsável pelo aconselhamento do rei absoluto de Portugal em matéria de administração do ultramar. Os investigadores brasileiros e portugueses sabem-no. E não precisaram da microfilmagem para iniciarem a busca de documentação em tal acervo.

Esse trabalho pode ser ampliado?
Sim. É bom não esquecer que outros fundos, como os da Torre do Tombo, os dos municípios (como Lisboa, Porto, Viana do Castelo, Braga, ou muitos outros) e misericórdias são indispensáveis para alargar as nossas fontes de informação. E, como não, os arquivos dos tabeliães. Indispensáveis. Todos. Veja-se os recentíssimos trabalhos de Ângela Domingues, de André Ferrand de Almeida ou de Mário Olímpia Ferreira, que utilizam com apurada minúcia materiais que estavam depositados em arquivos portugueses e brasileiros.

Como uma espécie de contrapartida à liberação para a microfilmagem e envio ao Brasil dos documentos do Arquivo Ultramarino de Lisboa, os historiadores portugueses poderão inventariar e microfilmar documentos do período colonial que permanecem em arquivos brasileiros. Só na antiga capitania do Rio de Janeiro, existem 100 mil desses documentos. Qual sua expectativa quanto a esses documentos e quais perspectivas eles abrem para a historiografia portuguesa?
Toda a documentação disponível é bem-vinda para os historiadores. Mas não devem estes esperar por novos documentos para se lançarem nas pesquisas que lhes interessam. E, sobretudo, há que não esquecer o que há muito nos ensinaram Marc Bloch e Lucien Febvre: sem história, não há documentos. O inverso não é verdadeiro.

Qual a visão predominante da historiografia portuguesa sobre as navegações e o descobrimento do Brasil?
Em Portugal não há uma visão predominante sobre a historiografia. Há visões, plural mais rico e mais enriquecedor. As divergências são possíveis e desejáveis. Por isso, há quem teime em pensar que a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil foi intencional e os que persistem em refutar essa possibilidade. No que todos concordam é na necessidade de estudar a construção do Brasil, muito mais do que a sua descoberta. Não vale a pena pensar em descobrir documentos sobre o que se terá passado em 1500. Eles até podem vir a aparecer. Mas não será muito provável que isso aconteça.

Particularmente, o que o senhor espera quanto ao desenvolvimento de estudos históricos conjuntos de Brasil e Portugal?
Feliz ou infelizmente, as pesquisas históricas passam sobretudo pelas universidades. Tudo correrá bem se entre as universidades portuguesas e as brasileiras se estabelecerem linhas de investigação comuns ou, pelo menos, convergentes. E é bom que assim seja. O contributo do conhecimento do outro é sempre parte indispensável do nosso próprio conhecimento.

Em que medida a relação de Portugal com o Brasil, sua ex-colônia, continuou a influenciar a história portuguesa depois da Independência, em 1822?
Até cerca de 1960, o Brasil foi o maior “importador” de emigrantes portugueses. Alguns milhões de portugueses e seus descendentes continuam a ter importância. Isto diz tudo.

Quais as principais tendências hoje da historiografia em Portugal? Há uma relação maior com a história das mentalidades ou são seguidas outras linhas, como, por exemplo, a fundamentação econômica da história?
O tempo das tendências de um só sentido já não têm audiência. A historiografia portuguesa continua plural, variada nas suas inspirações teóricas e interesses empíricos. E, como sempre, há que distinguir entre bons e maus historiadores. Porque em todas as correntes sempre os há.

Joaquim Antero Romero Magalhães é o coordenador das comemorações do Quinto Centenário do Descobrimento do Brasil em Portugal é professor catedrático da F acuidade de Economia da Universidade de Coimbra. Foi deputado à Assembléia Constituinte de 1976, secretário de Estado da Orientação Pedagógica e presidente da Assembléia Municipal de Coimbra. É licenciado pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Obteve o doutorado, em História Econômica e Social, pela mesma universidade. Já lecionou como professor convidado na Universidade de São Paulo (USP).

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