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Opinião

A FAPESP, a geração do conhecimento e sua aplicação

A FAPESP, a geração do conhecimento e sua aplicação

imagem_01“Não há ciência aplicada; há somente aplicações da ciência. O estudo das aplicações da ciência é muito fácil e acessível a qualquer um que domine o saber e a teoria.”
Louis Pasteur, 1822-1895

Ao lado de seu compromisso inalienável com o apoio à geração do conhecimento, a FAPESP tem-se preocupado cada vez mais intensamente também com a disseminação e aplicação do conhecimento. Trata-se de uma preocupação totalmente em sintonia com as aspirações da sociedade paulista e com os desafios presentes no início de um novo milênio marcado pelo estabelecimento da chamada “sociedade do conhecimento”. Mais do que nunca, hoje, o conhecimento tornou-se a verdadeira riqueza das nações: aquelas que forem capazes de gerá-lo e aplicá-lo com mais desenvoltura serão as que terão oportunidade de desenvolver-se econômica e socialmente.

Para a FAPESP, este novo desafio não significa abandono das realizações anteriores, como agência eficaz no desenvolvimento do conhecimento fundamental. Ao contrário: a partir da aceleração vertiginosa do avanço das fronteiras sem fim da ciência e da intensificação da dependência da tecnologia em relação aos desenvolvimentos científicos, tornou-se natural para a Fundação exercer este novo papel como promotora e indutora das aplicações da ciência.

Em sua obra recentemente publicada, O Quadrante de Pasteur , Donald Stokes aponta a inefetividade de classificações do conhecimento entre as categorias mutuamente exclusivas do conhecimento fundamental e do conhecimento aplicado. Ao contrário, seguindo os ensinamentos de Francis Bacon e de Pasteur, Stokes reconhece a utilidade (em um sentido amplo) imanente do conhecimento. E destaca que, em vez de se usarem categorias mutuamente exclusivas, devem-se usar categorias que admitam certo grau de mistura e composição.

Assim, ele define um plano, estabelecendo dois eixos: um, o da relevância para o avanço do conhecimento, e outro, o da relevância para aplicações a curto e médio prazo, sendo as duas relevâncias avaliadas no momento da proposição ou início do projeto. Desta maneira, podem-se classificar as contribuições ao conhecimento, de acordo com o quadrante em que se situem. No quadrante da alta relevância a curto e médio prazo, mas de limitado impacto para o avanço do conhecimento, coloca inventores importantes como Thomas Edison, cuja obra se voltou muito mais para os aspectos práticos.

No quadrante da alta relevância para o avanço do conhecimento universal, mas de limitado impacto prático (pelo menos no momento da descoberta), coloca Niels Bohr, um dos artífices da física quântica. E no quadrante da alta relevância para o avanço do conhecimento e também para as aplicações imediatas coloca Pasteur, que criou a ciência da microbiologia ao estudar problemas de fermentação na fabricação de bebidas alcoólicas. Sem prejuízo da importância dos Quadrantes de Bohr e Edison , este Quadrante de Pasteur é especialmente fascinante, mais ainda neste momento em que o conhecimento é reconhecido como uma condição essencial ao desenvolvimento.

Por outro lado, no caso brasileiro é necessário considerar as dificuldades estruturais presentes para o avanço da tecnologia. Em primeiro lugar, nosso sistema de Ciência e Tecnologia é reduzido em termos de recursos humanos qualificados – contamos apenas com algo em torno de 90 mil cientistas e engenheiros ativos em pesquisa e desenvolvimento. Esta quantidade corresponde somente a 0,14% da força de trabalho ativa e se compara muito desfavoravelmente com o existente em outros países como Espanha (0,24%), Coréia do Sul (0,37%), Itália (0,31%) ou EUA e Japão (0,75%).

Em segundo lugar, a atividade de pesquisa e desenvolvimento concentra-se no ambiente acadêmico de universidades e institutos de pesquisa. Estas duas instituições são elementos essenciais em qualquer Sistema Nacional de Inovação, mas não suficientes: falta-nos a presença da empresa como ator decidido e determinante na arena da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico.Enquanto em nosso país há, talvez, 9 mil cientistas e engenheiros atuando em PeD em empresas, países de industrialização recente como a Coréia do Sul apresentam 75 mil destes profissionais, ao passo que nos Estados Unidos há quase 800 mil cientistas e engenheiros fazendo PeD nas empresas.

Cabe destacar finalmente o ambiente econômico instável, extremamente desfavorável e até mesmo hostil, para que as empresas realizem investimentos de retorno certo, mas em prazo muitas vezes longo, como são os investimentos em PeD. Mesmo diante destas dificuldades, vem sendo desenvolvida uma capacitação nacional para o desenvolvimento de tecnologia. O estabelecimento de uma das mais importantes empresas fabricantes de aviões a jato do mundo, a Embraer, e o desenvolvimento da tecnologia de perfuração e prospecção na Petrobras são dois exemplos recentes de sucesso nessa área.

Em 1994 a FAPESP estabeleceu o Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria entre Universidades e Institutos de Pesquisa e Empresas, hoje programa Parceria para Inovação Tecnológica, o PITE. Uma iniciativa cuidadosa, o PITE hoje é um programa consolidado que apóia 46 projetos de pesquisa em parceria. Parceria de verdade, onde o interesse no projeto é aferido, entre outras coisas, pelo valor do investimento efetivo que a empresa destina ao projeto. No conjunto destes projetos atingimos a média de 60% do custo financiado pela empresa e 40% financiado pela FAPESP. Várias aplicações importantes já foram concluídas, trazendo competitividade à empresa e levando temas relevantes de pesquisa para as instituições acadêmicas.

Elemento importante para o sucesso de um programa como o PITE foi o desenvolvimento da engenharia no país, especialmente em função da intensificação e da progressiva qualificação da atividade de pesquisa nas escolas e faculdades de engenharia. Nisto teve papel fundamental o desenvolvimento dos programas de pós-graduação nesta área. Por isso não surpreende que um grande número dos projetos do PITE esteja na área das engenharias.

A Figura 1 registra o crescimento do apoio da FAPESP às áreas aplicadas tradicionalmente relacionadas à tecnologiae às aplicações do conhecimento: a Engenharia, a Agronomia e a Veterinária. É forçoso reconhecer que é uma classificação excessivamente simplificadora – há vários projetos em outras áreas voltados a aplicações, como certamente haverá aqui projetos de cunho mais fundamental. Mesmo assim, a evolução mostrada atesta um crescimento dirigido à área tecnológica. Somem-se a isto o PITE e o PIPE (Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas), programa criado em 1997 voltado ao apoio à pesquisa na pequena empresa.

No PIPE há já uma carteira de 88 projetos em andamento. São dezenas de pequenas empresas apostando no conhecimento como fonte de riqueza, de desenvolvimento, de empregos, de soberania nacional. Com a intensificação da divulgação do PIPE em editais publicados nos meios de comunicação de todo o Estado, espera-se aumentar expressivamente o número de projetos apoiados. Poucas agências de apoio à pesquisa no mundo têm uma carteira de projetos como esta, e cremos que esta iniciativa da FAPESP trará contribuição distintiva ao desenvolvimento do Estado de São Paulo.

A preocupação da Fundação com a disseminação e aplicação do conhecimento se estende também ao setor público, como demonstra o último programa lançado pela FAPESP, o de Pesquisas em Políticas Públicas. Neste, apoiam-se projetos de pesquisa que criem, estudem ou avaliem políticas públicas, em parcerias com órgãos governamentais da esfera estadual, federal ou municipal ou até mesmo organizações sociais. Os primeiros 61 projetos contratados tratam de saneamento, recursos hídricos, tecnologia para o sistema de saúde, gestão tributária, ensino público, sustentabilidade, ao lado de vários outros temas essenciais para o desenvolvimento paulista.

Os projetos do PITE e do PIPE são apresentados neste suplemento. Aços elétricos, tintas mais eficientes, mantas de fibras ópticas para tratamento neonatal, programas de computador e muitos outros. São projetos que demonstram a capacidade instalada no Estado de São Paulo para a geração e aplicação do conhecimento.

Capacitação construída ao longo de vários anos de investimentos expressivos do Estado paulista, materializados ao longo de sucessivos governos estaduais, em três universidades públicas da mais alta qualidade, em importantes institutos de pesquisa estaduais e na FAPESP. Ao lado dos investimentos federais, especialmente na forma de bolsas de estudo de pós-graduação, a iniciativa paulista construiu um patrimônio institucional que coloca o Estado de São Paulo na vanguarda, nesta era de desenvolvimento baseado em conhecimento.

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