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CÉSAR LATTES, 100

A favor das instituições

Físico foi um dos fundadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e apoiou a criação do CNPq

Fundadores do CBPF (a partir da esq.): Jayme Tiomno, Elisa Frota-Pessôa, José Leite Lopes, Leopoldo Nachbin, Francisco de Oliveira Castro, Hervásio de Carvalho e Lattes (sentado)

Acervo CBPF

Além da grande repercussão nos estudos sobre raios cósmicos e na física de partículas, a atuação de César Lattes, ainda muito jovem, foi importante para a chamada institucionalização da ciência no Brasil. Em janeiro de 1949, pouco tempo depois de ter retornado de sua experiência com o cíclotron (um tipo de acelerador de partículas) na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, ele foi um dos fundadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (ver reportagem). Ao lado de um pequeno grupo de pesquisadores, em especial os físicos José Leite Lopes (1918-2006), Jayme Tiomno (1920-2011) e Elisa Frota-Pessôa (1921-2018), formou o núcleo inicial de excelência da instituição.

Após a Segunda Guerra Mundial, em razão do sucesso do projeto Manhattan, que construiu as primeiras bombas atômicas nos Estados Unidos, a física nuclear estava em alta. No Brasil, havia interesse tanto dos militares e do governo federal como de setores da indústria nacional em ter um centro especializado em estudos experimentais e teóricos na área de física. Era uma época desenvolvimentista e de grande nacionalismo.

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Em entrevista concedida em 1976 ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (CPDOC-FGV), Lattes contou que a ideia de criar o CBPF ocorreu ainda antes de ele deixar Berkeley. O departamento de física dessa universidade teve muita importância no desenvolvimento da pesquisa nuclear dos Estados Unidos nos anos 1930 e 1940, sobretudo em razão dos trabalhos do físico Ernest Lawrence (1901-1958), inventor do cíclotron e Prêmio Nobel de Física de 1939.

“O CBPF foi gerado na Califórnia”, disse Lattes no depoimento ao CPDOC. Não havia apoio da direção da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para a criação de um centro de física nuclear. A alternativa foi fundar uma instituição da sociedade civil dedicada à pesquisa. Lattes foi seu primeiro diretor científico. Esteve à frente da instituição entre 1949 e meados de 1955.

“Os recursos iniciais para o CBPF vieram de alguns cientistas com uma situação financeira confortável que apoiaram a iniciativa, de agências estrangeiras, como a Fundação Rockefeller, e de grupos empresariais”, escreveu Alfredo Tiomno Tolmasquim, do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), em artigo publicado em janeiro deste ano na Revista Brasileira de Ensino de Física. “A Universidade do Brasil disponibilizou um terreno em seu campus para construir o primeiro prédio do Centro, que foi financiado pelo banqueiro Mario d’Almeida.”

Em 1975, depois de algumas crises financeiras e de pessoal, inclusive perseguições nos anos da ditadura militar a partir de 1964, o CBPF foi incorporado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Centro de Memória / CNPqLattes (ao centro) e o físico italiano Giuseppe Occhialini com Armando Dubois Ferreira (de óculos), vice-presidente do CNPq na primeira metade da década de 1950Centro de Memória / CNPq

Aliás, a figura de Lattes também teve um peso importante na criação da primeira agência nacional de financiamento à pesquisa, em janeiro de 1951, o Conselho Nacional de Pesquisa, nome original do CNPq. “A participação de Lattes na fundação do CNPq não foi tão direta como no caso do CBPF, mas, devido ao seu grande prestígio na época, seu apoio foi muito importante”, comenta o historiador da física Olival Freire Junior, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atual diretor científico do CNPq. Seis meses após a fundação do organismo, foi criada a Campanha (hoje Coordenação) Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

A demanda pelo estabelecimento de agências de fomento era antiga. Surgiu poucos anos depois da criação, em 1916, da Sociedade Brasileira de Sciencias, o embrião da Academia Brasileira de Ciências (ABC), mas ganhou corpo mesmo no fim da década de 1940. Foi nesse período que surgiram instituições como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), fundada em 1948, e o próprio CBPF no ano seguinte. No caso do CNPq, o líder do movimento em prol de sua criação foi o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva (1889-1976), seu primeiro presidente. Engenheiro da Marinha, o militar representava o Brasil na Comissão de Energia Atômica no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Talvez a última grande contribuição de Lattes à ciência nacional tenha sido emprestar seu nome à plataforma mantida pelo CNPq que disponibiliza publicamente, desde agosto de 1999, o currículo acadêmico dos pesquisadores radicados no país. Hoje há mais de 200 mil inscritos na plataforma. No chamado currículo Lattes, é possível também encontrar dados sobre mais de 35 mil grupos de pesquisa no país.

As credenciais acadêmicas do próprio César Lattes podem ser lidas na plataforma. Para consultar o currículo do físico, é preciso fazer uma busca por nome e não esquecer de marcar a aba “Demais pesquisadores”. Essa opção procura por pessoas sem o título de doutor. Por padrão, a busca da plataforma vasculha em sua base de dados apenas os nomes dos inscritos com doutorado. O físico Lattes nunca defendeu tese de doutorado, embora tenha recebido o título de doutor honoris causa pela Universidade de São Paulo (USP) em 1948.

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