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Educação

A formação de jornalistas científicos no Brasil

É hora de ampliar e aprimorar a competência da cobertura científica

A crescente influência da ciência na sociedade tem levado a população brasileira a se interessar, cada vez mais, pelos resultados da pesquisa científica e a se preocupar com sua participação na formulação de políticas públicas de Ciência e Tecnologia. As grandes questões são: a quem cabe decidir sobre as áreas prioritárias para investimentos governamentais e empresariais? De que maneira a sociedade civil está sendo informada sobre a produção científica e tecnológica do país? Como subsidiar a opinião pública com informações para que ela possa participar ativamente desse processo? A quem cabe a formação de uma cultura científica no país?

Os meios de comunicação podem certamente contribuir para isso. Falta, porém, ampliar e aprimorar a competência da cobertura científica. No Brasil, a formação de jornalistas e divulgadores ocorre quase sempre de forma autodidata, em função da ausência de cursos regulares na área. Entretanto, nas últimas duas décadas, várias iniciativas têm surgido para incentivar a formação de profissionais especializados.

O crescimento desses cursos pode ser creditado, em parte, à necessidade de os cientistas buscarem respaldo na opinião pública para legitimar seu trabalho e conquistar novos investimentos para a pesquisa básica e aplicada. Além disso, a informação científica é de interesse dos meios de comunicação, pois desperta a atenção de leitores e espectadores. Cientistas e jornalistas começam, então, a entender a necessidade de uma atuação conjunta para aprimorar a qualidade do jornalismo científico. Nesse sentido, ampliam-se as ocasiões em que sentam, lado a lado, para uma reflexão sobre a prática e os rumos da área.

Cursos de pós-graduação
Os cursos destinados à formação de profissionais especializados em divulgação científica são um fenômeno recente. Ainda assim, é possível localizar na década de 70 algumas experiências pioneiras.A primeira delas realiza-se em 1972, na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Trata-se do Curso de Extensão em Jornalismo Científico, ministrado pelo professor e divulgador espanhol Manuel Calvo Hernando, do qual resultou o livro Teoria e prática do jornalismo científico. O curso, no entanto, não teve continuidade, apesar de a pós-graduação da ECA ter mantido projetos de pesquisa na área, originando dissertações de mestrado e teses de doutorado.

Já no final da década, em 1978, cria-se uma linha de pesquisa em Comunicação Científica e Tecnológica no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social do Instituto Metodista de Ensino Superior (atual Universidade Metodista de São Paulo). O programa – que inicialmente funcionava apenas como mestrado e, a partir de 1995, incorporou também o doutorado – é a experiência mais duradoura de ensino e pesquisa sobre divulgação científica no país. Nele surgem vários estudos empíricos sobre a divulgação de CeT nos meios de comunicação, além de projetos de pesquisa em convênio com instituições internacionais. É o caso do “Projeto Comsalud”, patrocinado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que estuda a divulgação de saúde na imprensa, rádio e TV em vários países da América Latina.

Em 1982, a Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Capes) promove o Curso de Especialização por Tutoria a Distância. Na ocasião, selecionaram-se 30 jornalistas do país inteiro, que recebiam textos, por módulos (física, química, informática, biologia, geologia, etc.). Cada módulo possuía um tutor – cientista experiente na área -, que orientava os trabalhos. Como parte das atividades houve, também, um seminário em Brasília, com patrocínio da Fundação Fullbright, que teve a presença de jornalistas internacionais, inclusive representantes da National Association of Science Writers. Esta experiência também não teve continuidade, provavelmente porque em sua concepção pretendia-se que os jornalistas dominassem extensos conteúdos de cada área da ciência, meta difícil de ser atingida.

Poucos anos depois, em 1988, o Núcleo de Política Científica e Tecnológica da Universidade de Brasília (UnB) desenvolve, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CNPq, o I Curso de Especialização em Divulgação Científica. O curso teve duração de um semestre, com palestras de pesquisadores e jornalistas científicos. Em 1999, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp inicia um curso de especialização em Jornalismo Científico voltado a um público misto, de jornalistas e pesquisadores.

Oferecido em conjunto com o Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências e com o Departamento de Multimeios (DMM) do Instituto de Artes da Universidade, o curso é estruturado em três semestres, com disciplinas teóricas e oficinas de divulgação. Uma de suas atividades é a revista eletrônica Com Ciência http://www.epub.org.br/comciencia), lançada em agosto deste ano, com reportagens elaboradas pelos alunos.

No âmbito da pós-graduação, vale ainda ressaltar duas experiências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A primeira delas, na Escola de Comunicação (ECO), que oferece em seu mestrado uma área de concentração em Ciências da Informação, com a linha de pesquisa “Informação, Ciência e Sociedade”, que inclui pesquisas sobre a informação científica em diferentes contextos sociais, políticos e culturais.

E a segunda, no Departamento de Bioquímica Médica do Instituto de Ciências Biomédicas, que cria, em 1995, uma área de concentração em “Educação, Difusão e Gestão em Biociências”, aberta a graduados de diferentes áreas, inclusive o jornalismo. Nesse programa, uma das disciplinas ofereceu, em setembro último, um curso intensivo de divulgação científica a distância, pela Internet, do qual participaram jornalistas e pesquisadores de diferentes regiões do Brasil. Uma síntese dos trabalhos resultantes do curso está sendo publicada na forma de jornal eletrônico.

Graduação
Face à crescente demanda dos meios de comunicação e à valorização da atividade de divulgação, alguns cursos de graduação em Jornalismo começam a incluir em seu currículo disciplinas de Jornalismo Científico e/ou projetos de pesquisa na área. É o caso da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), Universidade do Vale do Paraíba (Univap), Universidade Santa Cecília (Unisanta), entre outras.

Na UFPE, por exemplo, os alunos, orientados por professores, elaboram um informativo mensal, por correio eletrônico, sobre a produção científica da Universidade. Produzem, ainda, o WebGT (http://www.cac.ufpe.br/virtus/webgt), um site com textos do Grupo de Trabalho em Comunicação e Ciência da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e outros materiais.

Núcleos de pesquisa
Junto a seus programas de formação, algumas universidades brasileiras desenvolvem atividades de pesquisa sobre divulgação científica. Na ECA/USP, uma das mais importantes é o Núcleo José Reis de Divulgação Científica, que também oferece, periodicamente, cursos como o de “Exercício e Prática da Divulgação Científica”. Na mesma universidade, a Agência Universitária de Notícias (AUN) realiza, desde 1971, atividades de divulgação dos congressos e trabalhos de pesquisa da Instituição, com a participação de alunos de graduação em jornalismo.

Experiência semelhante aconteceu de setembro de 1981 a fevereiro de 1982, na Universidade Metodista de São Paulo, com o apoio do CNPq. Trata-se da Agência Brasileira de Divulgação Científica (ABDC), que, com a participação de alunos de pós-graduação do mestrado em Comunicação Científica e Tecnológica, produziu matérias de divulgação científica para a mídia. Há que se mencionar, também, a iniciativa do Centro de Divulgação Científica e Cultural da USP/São Carlos, cujo site na Internet (http://www.cdcc.sc.usp.br) traz informações sobre eventos, programas educativos, “experimentoteca”, minicursos, etc.

Extensão
Interessadas em capacitar profissionais para a divulgação científica, algumas instituições têm também oferecido cursos de curta duração, muitos dos quais abertos ao público. Há cerca de cinco anos, a Fundação Oswaldo Cruz, por exemplo, ofereceu um curso de Biologia Molecular para jornalistas, cujo objetivo era municiá-los com conceitos básicos dessa área de conhecimento e promover uma divulgação mais competente do tema. No mesmo sentido, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) ministrou, no início dos anos 90, um curso sobre ciências para jornalistas.

Em 1997, o Labjor da Unicamp, numa parceria com a Brasmotor S.A. e Multibrás Eletrodomésticos S.A., realizou uma oficina on line de jornalismo científico, a Ofjor Ciência, que teve entre seus participantes funcionários da empresa, repórteres, editores e estudantes de jornalismo. Os trabalhos feitos pelos alunos podem ser consultados no site do Observatório da Imprensa (http://www2.uol.com.br/observatorio).

As várias experiências aqui descritas mostram que os cursos de divulgação científica, embora ainda sejam poucos, estão proliferando em vários cantos do país. A preocupação com a melhoria da qualidade da cobertura científica nos meios de comunicação não se restringe apenas ao âmbito acadêmico. Entidades profissionais, como a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, por exemplo, promovem há anos congressos e seminários, reunindo jornalistas e cientistas para reflexão conjunta sobre a prática da divulgação.

Iniciativas conjuntas entre universidades, entidades profissionais e o incentivo das agências de fomentos, como Capes, CNPq e mais recentemente a Fapesp, poderão não só ampliar como melhorar substancialmente a qualidade do jornalismo científico no país.

Graça Caldas e Mônica Macedo são jornalistas, pesquisadoras do Labjor/Unicamp e professoras da área de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) .

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