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Cinema

A história em detalhes

Historiador faz o Dicionário Enciclopédico do Cinema Brasileiro

O cinema, como outras novidades importadas, chegou cedo ao Brasil. Sete meses depois da demonstração pública do invento dos franceses Auguste e Louis Lumière, em dezembro de 1895, os moradores do Rio de Janeiro assistiam à primeira exibição do cinema. A produção e a divulgação de pesquisas nesta área é que não tem sido tão veloz. Mais de cem anos depois, as informações sobre a história do cinema brasileiro ainda se diluem na Internet em meio a um mundo de atualidades. Há poucos dicionários específicos e nas enciclopédias os cineastas e filmes brasileiros também aparecem com discrição. O historiador José Inácio de Melo Souza resolveu pôr fim a essa escassez e trabalhou durante dois anos no Dicionário Enciclopédico do Cinema Brasileiro, reunindo infomações de cerca de 100 títulos e 500 números de revistas e jornais em arquivos públicos de São Paulo e do Rio de Janeiro.

A versão preliminar de sua pesquisa tem agora a forma de um CD-Rom com 6.500 registros com informações sobre salas de cinema, diretores, exibidores, distribuidores, atores, atrizes, festivais e filmes de longa-metragem, que marca o encerramento desta etapa da pesquisa, financiada pela FAPESP com R$ 5 mil. Souza não se contenta com a descrição das 3 mil salas de cinema que constam de seu trabalho ou com os cerca de 50 longas-metragens brasileiros produzidos nos primeiros 40 anos do cinema brasileiro, antes dos filmes falados. Continua pesquisando e pretende colocar a base de dados à disposição na Internet o mais breve possível.

Pesquisador da Cinemateca Brasileira, Souza colocou no CD o acervo da própria Cinemateca, uma das maiores instituições do gênero no País, com cerca de 30 mil títulos de longa e curta-metragens brasileiros e 10 mil fotografias de cenas de filmes, diretores e atores nacionais e estrangeiros e 4.500 cartazes de filmes. Como desde o início pensava em se valer das vantagens da Internet, que permite atualizações constantes, sem limitação de espaço ou de assunto, como ocorre nas publicações em papel ou mesmo dos CD-Roms, logo buscou reforço em outras instituições.

O crime da mala
Sousa vasculhou também os arquivos do Museu Lasar Segall, Museu Paulista, Biblioteca Municipal, Instituto Histórico e Geográfico e Arquivo do Estado, em São Paulo, e Arquivo Nacional e Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Não se limitou às coleções de revistas e jornais, como as do Diário Oficial e do Estado de São Paulo, que folheou desde 1907, quando começa a funcionar a primeira sala fixa de cinema em São Paulo. Atento a outras fontes de informações, localizou na coleção de cartões-postais do Museu Paulista uma fotografia de uma sala de cinema em Tatuí, no interior paulista, que funcionou até os anos 50. Nas publicações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístia (IBGE) encontrou fotos de salas do Acre e de Roraima.

As descobertas que resultaram dessa peregrinação podem surpreender até mesmo os cinéfilos. Souza descobriu, por exemplo, o ator principal de um dos primeiros filmes censurados do Brasil, O Crime da Mala, produzido em 1908 por Francisco Serrador: foi Alberto Jorge, ator de teatro normalmente esquecido nas filmografias, embora atuasse no filme como o assassino Michel Traad. Além dos esclarecimentos pontuais, o historiador sente-se agora à vontade para argumentar que não foi o italiano Afonso Segreto (1875-1920) que fez o primeiro filme brasileiro, em 1898, mas o carioca José Roberto da Cunha Sales (1840-1903), um ano antes. Médico e advogado que se envolvia com o jogo do bicho e com a exibição de cinema, Sales filmou a Baía da Guanabara em novembro de 1897.

O resultado, de apenas um segundo, Cenas de um Embarcadouro, encontra-se guardado no Arquivo Nacional do Rio, ao passo que não há qualquer registro da trabalho do cineasta italiano, segundo o pesquisador. Outra prova do pioneirismo brasileiro, diz ele, é que Sales patenteou sua obra e solicitou os direitos de exclusividade para filmar no Brasil.

No CD-Rom, editado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pela Cinemateca Brasileira, com apoio da FAPESP, Souza dedica uma atenção especial a esse primeiro momento do cinema brasileiro, o chamado período mudo, quando as sessões exibiam em média 12 filmes de no máximo um minuto e meio de duração. Depois de anos de exibições ambulantes, surgiriam as salas fixas, em 1907 no Rio e 1908 em São Paulo, com orquestras ou pianistas que acompanhavam os filmes.

“Já era difícil concorrer com a produção francesa e italiana, que predominava nessa época”, conta o pesquisador. Até os anos 60, lembra ele, os homens iam ao cinema somente de terno e as mulheres, de vestidos. “Era um ritual”, diz. Até o final de sua pesquisa, ele espera ter contado a história de cerca de 6 mil salas de exibição , incluindo as recentes multiplex dos shopping centers, e de 2 mil longas-metragens produzidos até agora no Brasil.

Perfil
José Inácio de Melo Souza, 50 anos, formado em História, com mestrado e doutorado em cinema na Universidade de São Paulo (USP), é pesquisador da Cinemateca Brasileira desde 1987.
Projeto
Dicionário Enciclopédico do Cinema Brasileiro.
Investimento
R$ 5 mil.

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