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Evaristo Marzabal Neves

A (ignorada) função social do Genoma

O impacto do projeto da X. fastidiosa atinge os agronegócios

Aceitando convite da diretoria científica, no lançamento do Projeto Genoma Fapesp (14/10/97), fiz uma apresentação sobre a importância econômica da citricultura brasileira. No momento, justificava-se tal apresentação, pois se iniciava o maior projeto científico já realizado no Brasil, cujo desafio era o seqüenciamento genético da bactéria Xylella fastidiosa, fitopatógeno responsável pela clorose variegada dos citros (CVC). Pouco mais de dois anos (06/01/ 2000), os pesquisadores fechavam o genoma do primeiro fitopatógeno já seqüenciado no mundo e, em 21/02, os laboratórios e cientistas receberam do Estado de São Paulo o reconhecimento público da relevância do trabalho concluído.

A mídia exultou o feito, mas explorou timidamente suas extensões e contribuições sociais no tempo, o que pode não ter chamado a atenção da população, não familiarizada com pesquisa científica, muito menos com o termo genoma, e ansiosa por soluções imediatas. Para se medir os efeitos da relação social benefício-custo é preciso ir mais além do que a glorificação do feito no ambiente acadêmico. O que o torna notório é medir, no tempo, seus impactos alocativos e distributivos se espalhando socialmente, senão o povo fica sem saber por que investir milhões de dólares no mapeamento de uma bactéria.

O seqüenciamento é o passo inicial para a enorme contribuição que a pesquisa científica presta à agricultura brasileira, visando à produção e ganhos sociais de produtividade e a abertura de um sem-número de perspectivas para a prevenção, controle ambiental e monitoramento correto de pragas e moléstias. Ademais, é de suma importância antever e mensurar, a posteriori, os impactos diretos e indiretos na geração de emprego e ativação do mercado de trabalho; na ocupação racional da área agrícola, superando as barreiras não-tarifárias (técnicas e fitossanitárias, principalmente) e valorização social da terra; na sustentação e manejo ambiental correto; na captação de divisas e substituição competitiva de importação; na formação de capital, de renda e agregação de valor regionais; na ativação dos elos da cadeia produtiva; tributos, taxas e impostos recolhidos e distribuídos nos municípios; na dinâmica e desenvolvimento regional de outros setores da economia.

A compreensão do feito tem efeito retardado com os ganhos sociais que estão por vir. Para explicar a função social dos projetos Genoma Fapesp (Xylella fastidiosa), Genoma Funcional e Genoma Xanthomonas (cancro cítrico) para a sociedade, tenho usado o expediente de começar formulando a seguinte questão: supondo que o país tenha perdido a guerra no conhecimento científico, controle e combate às pragas e doenças (onde se incluem a CVC e o cancro cítrico) na citricultura, e que não houvesse mais nenhum pé de laranja, quais os efeitos alocativos e distributivos que impactariam a economia do país?

Talvez seja por aí que se abre o caminho da difusão, da adoção de tecnologias e transferência de ciência da microesfera científica para a macroesfera do conhecimento popular. Atinge-se a percepção de um universo que aprenderá a esperar e passará a entender o quanto o país perderia na biossegurança, na alocação doméstica de fatores produtivos e divisas externas sem os resultados da pesquisa científica.

Nesta direção, “com o poeta indo onde o povo está”, certamente, colher-se-ão os frutos do tremendo impacto social dos projetos Genoma na agricultura, nos agronegócios e na sociedade brasileira.

Evaristo Marzabal Neves, professor titular da ESALQ/ USP (Piracicaba, SP)

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