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Resenhas

A Inquisição entre os cariocas

A Inquisição no Rio de Janeiro no começo do século XVIII | Gilberto de Abreu Sodré Carvalho | Editora Imago, 124 páginas, R$ 25,00

Como a Igreja agiu na repressão aos hereges do Rio 

O tema Inquisição tem estado presente em diversos estudos nos últimos anos, na esperança de que esses períodos de trevas nunca mais se repitam. O livro A Inquisição no Rio de Janeiro no começo do século XVIII, de Gilberto de Abreu Sodré Carvalho, publicado pela Editora Imago, trata do assunto com sólida documentação.

Sodré Carvalho, advogado e professor, iniciou as pesquisas há mais de 25 anos e mostra que “o sobrenome Abreu Sodré assevera o berço marrano e seus portadores se ramificam com muita gente originária da terra fluminense, como os de nome Sodré, Pereira, Silva Pereira, Sodré Pereira, Macedo Soares, Azevedo Sodré, Abreu Rangel, Rangel de Macedo, Sodré de Macedo, Azeredo Coutinho”.

O autor afirma que a Inquisição no Rio de Janeiro, no início do século XVIII, impossibilitou a estruturação de uma comunidade judaica. “Houvesse o retorno à Lei Mosaica, de tantas pessoas organizadas, comunitariamente, contaríamos milhões de judeus sefarditas no Brasil hoje. No meu sonho e gosto, eu seria um deles.”

A atividade da Inquisição aumentou de 1580 a 1640, inclusive no período dos reis espanhóis – eram necessários os “estatutos de pureza de sangue” para o acesso aos cargos no governo. Entretanto, para a carreira religiosa, as exigências eram menores. Muitos cristãos-novos em Portugal encaminhavam os filhos ao sacerdócio católico, o que proporcionava independência econômica, além de servir como proteção para a prática da fé mosaica pela família e pelo próprio sacerdote. Havia ainda a possibilidade de possuir terras e engenhos no espaço colonial luso-americano, como também de obter mercês régias, que mascaravam o marranismo.

A obra de Sodré Carvalho, além da documentação detalhada, bibliografia abrangente e consulta a pesquisadores, como Anita Novinsky, Alberto Dines, Paulo Valadares, Faiguenboim e Campagnano, Wiznitzer, Lina Gorenstein, entre outros, prende a atenção pelo estilo fluente.

Sodré Carvalho nos contou que quando completou 13 anos, a idade da “maioridade” judaica, sua avó, carinhosamente, aconselhou que, nessa nova etapa da vida, tivesse mais responsabilidade – não era mais uma criança. Comentou ainda que era costume, em sua família, escolher a esposa cristã-nova em Portugal, pois à mulher cabia transmitir valores nos primeiros anos da criança.

Referindo-se à concepção judaica em contraposição à cristã, o autor ressalta que o judaísmo é otimista, alegre e desinibido, ao contrário do catolicismo repressor, em que a carne é vista como fonte de todo mal. Lembra ainda que a língua hebraica conta com uma grande quantidade de sinônimos para “alegria”.

Sodré Carvalho estuda a formação de uma aristocracia açucareira marrana no Rio de Janeiro e sua derrocada, ocasionada pela Inquisição. Na genealogia de sua família, mostra que até Vasco da Gama foi um Sodré. E não se pode esquecer do grande historiador Nelson Werneck Sodré.

Na sua conclusão, ele enfatiza que a pesquisa genealógica abre as portas para uma viagem ao fundo de nós mesmos. “Creio que todos os que lidaram com a pesquisa de suas origens ou conhecem de algum modo as suas raízes têm a mesma sensação de enriquecimento pessoal.”

Léa Vinocur Freitag é professora  titular da Escola de Comunicações e Artes (USP) e doutora em ciências sociais. 

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