Ao longo da semana de fechamento da revista, enquanto leio todos os textos que logo serão publicados, tarefa intrínseca à minha função, observo também se algum deles me toca de uma forma especial, para além de sua intensidade informativa – de seu peso jornalístico/científico, digamos. E, sem prejuízo das três ou quatro reportagens que necessariamente recomendo neste espaço por sua importância no conjunto da edição, pinço às vezes justo aquele texto que entre outras coisas me provocou alguma ideia nova e muito estimulante ou alguma particular sensação de prazer estético para, de cara, partilhar com o leitor as possibilidades de fruição que ali encontrei. Desta vez, o que se impôs com força à minha sensibilidade (ainda que não só a ela) foi a bela entrevista pingue-pongue da escritora Nélida Piñon concedida ao editor de humanidades, Carlos Haag. Devo dizer que concordo inteiramente com ele, quando puxou para a abertura da entrevista essa declaração: “Sempre quis ser uma peregrina andando pelo mundo; as geografias para mim nunca me assustaram. Por isso fui uma leitora das grandes histórias – com ‘H’ – desde pequena”. Ou esta outra: “O escritor não deve apenas criar, mas deve também emprestar a sua consciência à consciência dos seus leitores, sobretudo num país como o Brasil”. Confesso, entretanto, que para mim teria sido muito difícil escolher entre tantas afirmações primorosas e poderosas da romancista ao longo da conversa o que destacar de saída. Veja-se, por exemplo, algo que diz comentando os vários e excepcionais riscos que o ato de escrever envolve: o último deles “é quando você (…) não tratou seu texto com deferência até o final (…) e por preguiça ou por ambição ou pressa em ser aplaudida publicou cedo, antes do tempo, porque aquele livro requeria mais tempo, precisava vir a obter um outro rosto, o rosto final que lhe cabia”. Não devo me estender mais e deixo aqui o convite para uma calma leitura, a partir da página 10, do que é, em síntese, uma longa e despudorada declaração da paixão de Nélida Piñon pela palavra e pela escrita.
É tempo de saltar para o chão bem mais duro e prosaico da economia e da inovação tecnológica, mas perpassado ele também por desafios e questões instigantes. Assim, a reportagem de capa desta edição aborda os atuais efeitos no Brasil do movimento mundial de internacionalização das atividades de pesquisa e desenvolvimento de empresas multinacionais. Conforme relato do editor de tecnologia, Marcos de Oliveira, a partir da página 16, tudo indica que esse movimento registrado desde meados da década de 1990, vigorosamente continuado ao longo dos anos 2000 e direcionado originalmente para a China, Índia e Leste Europeu, começa a ganhar espaço também em nosso país, em parte graças a seu crescente mercado interno e boas perspectivas econômicas. Como uma espécie de contraparte nessa dinâmica, emerge um movimento inverso, ou seja, a implantação de centros de P&D de empresas brasileiras no exterior, de acordo com relato do jornalista Yuri Vasconcelos (página 21).
Entre as reportagens de ciência, quero destacar aquela que enfoca, a partir da página 50, a participação de cientistas brasileiros no trabalho de busca e identificação de estrelas semelhantes a nosso Sol, nas vizinhanças da Via Láctea ou nem tanto. O autor do texto é nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto.
Na área de política científica e tecnológica quero recomendar a primeira de uma série de reportagens elaborada pelo editor Fabrício Marques sobre a trajetória de grupos que refletem a saudável internacionalização da pesquisa científica no estado de São Paulo (página 36), apoiada por uma série de iniciativas que vêm sendo implementadas de forma decisiva pela FAPESP desde o ano passado.
Para concluir, chamo a atenção para o texto de abertura da seção de humanidades, motivada pela exposição Rastros e raças de Louis Agassiz: fotografia, corpo e ciência, ontem e hoje, na 29ª Bienal de Arte em São Paulo. A reportagem elaborada por Carlos Haag (página 80) desnuda as experiências – racistas e repulsivas – feitas com escravos negros no Brasil por Agassiz, rival de Darwin, segundo o qual o colega “coletava dados para provar uma teoria em vez de observar esses dados para desenvolver uma teoria”. Aqui entramos no reino das paixões tristes.
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