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Pesquisa na quarentena

“A pandemia é uma oportunidade para repensarmos a vida e o modo como vivemos”

O economista Francisco de Assis Costa prepara artigos sobre o Censo Agropecuário e participa de relatórios sobre a Amazônia

O economista Francisco Costa produz artigos científicos no sótão de sua casa, em Belém

Rubens Stanislaw

A pandemia é uma oportunidade para repensarmos a vida e o modo como vivemos. A possibilidade de trabalhar em casa já existia, mas o hábito limitava sua utilização, que a quarentena radicalizou. Os mecanismos virtuais de comunicação têm uma série de vantagens, além do baixo custo, mas também desvantagens, como a dificuldade de acompanhar, pelo computador, as expressões e os gestos dos parceiros das reuniões. Outra perda é que não existem as conversas informais, comuns depois das reuniões com a participação física das pessoas, que são muito importantes.

A crise mudou a visão do trabalho intelectual em casa. Havia instrumentos, quais sejam, os computadores, mas não havia ambiente físico, que agora as pessoas tiveram de criar, nem preparo para esse tipo de atividade. As outras pessoas interrompiam a toda hora, achavam que você estava vagabundeando e não trabalhando.

Não é o meu caso. Eu trabalho em casa desde o meu doutorado, na Alemanha, na década de 1980. Havia uma limitação de espaço na universidade na época. Eu usava uma sala emprestada de um colega que fazia trabalho de campo e, quando ele voltou, perdi a sala e tive de trabalhar em casa. Gostei, porque mantinha o ambiente e o tempo relativamente sob controle. 

Na universidade [Federal do Pará], montei minha sala, levei minha biblioteca para lá, mas a todo momento tinha de parar para dar atenção aos alunos ou aos colegas que queriam conversar e quebravam completamente a concentração que eu buscava. Seis meses depois, voltei a trabalhar em casa.  

Estou angustiado com a situação do mundo e do Brasil. Mas estou também com uma carga de trabalho extremamente estimulante, fazendo artigos com coisas novas e aprendendo muito.

Em novembro de 2019 saíram os dados totais do Censo Agropecuário 2017. É uma base de dados gigantesca, com centenas de variáveis, fundamental para as análises que faço sobre a dinâmica regional na Amazônia e a diversidade estrutural da economia agrícola no Brasil.

Já tinha decidido que dedicaria este ano a filtrar, reorganizar e examinar os dados do Censo, para testar novamente as hipóteses que fiz com base nos Censos anteriores. Já escrevi um artigo, que mandei para uma revista, outro que já foi aprovado [para publicação] e estou terminando um terceiro. Meu plano é fazer de cinco a sete artigos no próximo ano, ano e meio.

Os dados e as análises a partir do Censo estão sendo úteis nos relatórios do SPA [Science Panel for the Amazon, da Organização das Nações Unidas], para o qual fui convidado em março, pouco antes do início da pandemia no Brasil, e trouxe também uma grande demanda de trabalho.

Fui convidado para ser coautor de dois capítulos, sobre dinâmica rural e mobilidade humana na Amazônia, mas depois os coordenadores do grupo de trabalho me indicaram para ser líder de um dos capítulos, sobre economia agrária na Amazônia. 

Todas as reuniões são virtuais e têm funcionado muito bem. Estamos preparando um relatório que deve ser o estado da arte do conhecimento sobre a Amazônia, para fortalecermos o diálogo mundial sobre essa região.

Estou usando quase todo meu tempo nas análises do Censo e do SPA, somando o trabalho com outros professores da universidade na manutenção do nosso grupo de pesquisa, o GP-DadesaNaea [Grupo de Pesquisa Dinâmica Agrária e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA]. Mesmo sem aulas, queremos manter os alunos mobilizados.

A rotina aqui em casa mudou muito. Como a situação da Covid-19 não estava boa, dispensamos as empregadas, embora evidentemente continuemos a pagar os salários. Minha mulher e minhas filhas me poupam muito das tarefas domésticas. Mas ajudo a lavar louça, a estender roupa, coisas que não fazia desde que era estudante na Alemanha.

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