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Genoma-FAPESP

A proposta do Genoma-Câncer: porta para o Genoma Humano

O seqüenciamento de genes expressos em cânceres de grande incidência no Brasil, como os gástricos, de colo de útero ou de cabeça e pescoço, além de ter enorme importância do ponto de vista científico e da saúde pública nacional, pode representar a melhor porta de entrada do país para uma efetiva participação no Projeto Genoma Humano. É justamente isso que está sendo considerado na montagem, pela FAPESP, do Projeto Genoma-Câncer, já aprovado pelo Conselho Superior da Fundação e atualmente em fase final de estruturação.

Esse novo projeto, com início previsto para o segundo semestre, prevê um certo grau de colaboração com o NCI-National Cancer Institute, cujos trabalhos de seqüenciamento de genes expressos em tumores de alta incidência nos Estados Unidos – como os de próstata, mama e pulmão -, levaram o projeto Genoma Humano a dar um salto, recentemente, no número de genes já identificados, ou seja, de 30 mil para 42 mil, conforme dados de fevereiro último. A colaboração com a instituição norte-americana é motivo da vinda do vice-diretor do NCI, Bob Strausberg, a São Paulo, em julho, para reuniões com cientistas brasileiros envolvidos com a proposta.

Diferentemente do projeto da X. fastidiosa, que busca o seqüenciamento completo do genoma de um microorganismo, o projeto do câncer vai empreender uma espécie de caçada a genes humanos com expressão mais nítida em tumores do que em células e tecidos saudáveis. Mais especificamente, o que se quer é seqüenciar cerca de 35 mil “Expressed Sequence Tags”, os EST, ou genes expressos de três tumores humanos de grande impacto na saúde brasileira (o câncer é hoje responsável por 13% de todas as mortes no país).

Além disso, pretende-se também definir o espectro de genes expressos nos três tumores, implantar no país a tecnologia de “microarray”, adicionar os novos genes humanos descobertos ao banco de dados internacional do Projeto Genoma Humano e, finalmente, determinar a seqüência completa desses novos genes. Não é pouco. Mas com a ampliação da infra-estrutura formada graças ao primeiro projeto Genoma-FAPESP, incorporando-se à atual rede de laboratórios novos grupos da área de saúde, os pesquisadores que vêm discutindo o Genoma-Câncer crêem que é possível chegar lá.

Só para tornar mais claro o novo projeto, primeiro, vale observar que um genoma envolve bem mais elementos do que apenas o conjunto de genes, que é aquilo que contém toda a informação funcional para as células de um organismo, expressa na forma de proteínas. Admite-se que os genes do corpo humano, por exemplo, com um número ainda desconhecido, estimado entre 50 mil e 150 mil, representam apenas cerca de 5% da extensão do genoma humano. A essa altura, o Projeto Genoma Humano conseguiu seqüenciar, completamente, só 5 mil, e parcialmente, dos 42 mil dos genes humanos.

Em segundo lugar, a identificação de genes em tumores é mais fácil porque no câncer a célula acumula uma série de mutações em genes chaves, que resultam em uma alteração significativa no padrão de expressão gênica daquela célula e no desenvolvimento do fenótipo maligno (ou seja, do próprio câncer).Segundo Andrew Simpson, do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer e um dos principais pesquisadores responsáveis pela montagem do projeto Genoma-Câncer, “a definição exata da expressão gênica global da célula cancerosa poderá facilitar o conhecimento básico do fenótipo maligno, o diagnóstico clínico preciso e o monitoramento do tratamento da doença”. Para completar, ela leva também à descoberta de genes humanos ainda desconhecidos.

Finalmente, uma informação sobre tecnologia: os avanços em biologia molecular começam a ser enormemente facilitados por uma nova tecnologia, a dos “microarrays”, que são pequenas lâminas ou chips, de vidro ou silicone, nos quais se fixam fragmentos de DNA correspondentes aos genes de interesse.

Cerca de 40 mil diferentes cópias de genes podem ser ordenados assim, numa matriz de menos de um centímetro quadrado, permitindo análise da expressão de muitos genes humanos, simultaneamente, usando-se sondas de DNA (ou seja, cópias de genes conhecidos) preparadas de poucas células. Com o “microarray” nos computadores é possível definir o padrão de expressão gênica global das células em estudo em um único ensaio.

Para quem acredita, como Andrew Simpson, que o projeto Genoma Humano será responsável por um dos maiores passos da humanidade na decifração de sua realidade biológica, o projeto Genoma Câncer é a chave que poderá permitir participar dessa conquista histórica, de efeitos ainda imprevisíveis.

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