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Resenhas

A Terra é viva?

Gaia: de mito a ciência | José Eli da Veiga (org.) | Editora Senac São Paulo, 176 páginas, R$ 44,90

Seríamos apenas “células” dentro deste superorganismo, a Terra, que tem como propósito nos manter vivos para que ela, por sua vez, se mantenha viva?

Com a proposição da teoria de Gaia por James Lovelock em meados do século XX, uma grande polêmica se formou e as interpretações pela sociedade vêm levando às discussões sobre o que é vida. Na ânsia de provar que o nosso planeta seria vivo, Lovelock acabou influenciando importantes áreas da ciência moderna, como a biogeoquímica, que estuda os ciclos de compostos químicos no planeta, levando a um aumento notável na compreensão do funcionamento do planeta Terra como um todo.

Este é o tema discutido no livro Gaia: de mito a ciência. Usando como centro a teoria desenvolvida por James Lovelock, José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo (USP), compilou e editou três capítulos sobre o assunto escritos de pontos de vista distintos.

Um deles, de Ricardo Carmo, Nei Nunes-Neto e Charbel El-Hani, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), discute questões epistemológicas sobre como a teoria de Gaia foi desenvolvida, por que houve (e há) tanta controvérsia em torno da ideia de o planeta Terra ser um planeta vivo. O uso do nome Gaia por Lovelock criou uma enorme polêmica, pois a teoria passou a ser usada para justificar ideias cientificamente não comprovadas e a levou ao descrédito pela comunidade científica mundial.

Lovelock se associou à bióloga Lin Margulis, propositora da teoria endossimbionte, famosa na biologia por afirmar que as organelas celulares, como mitocôndrias e cloroplastos, teriam sido “engolidas” por células maiores durante a evolução. Segundo os autores, a reputação científica de Lin teria sido afetada por sua associação com Lovelock. O capítulo discute se, cientificamente, a Terra poderia ser considerada viva. Ainda que teorias similares tivessem sido propostas por cientistas como o escocês James Huton, no século XVIII, e pelo russo Vladimir Ivanovich Vernadsky, no início do século XX, fica claro que Lovelock foi quem popularizou a ideia da Terra como um sistema geofisiológico.

No segundo capítulo, Sonia M.B. de Oliveira, da USP, aborda o mesmo tema, mas de um ponto de vista geofísico. Oferece explicações interessantes e curiosas, como, por exemplo, a teoria da Terra-bola de neve, que propõe que nosso planeta já passou por glaciações tão intensas que ficou completamente coberto de gelo. As comparações entre os planetas do sistema solar são usadas como base para o argumento de que a Terra seria talvez o único planeta em todo o Universo com as condições necessárias para a existência de vida.

Mauro Rebelo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desenvolve um argumento biológico, com a ideia de que a vida é informação e que ela é formada por sistemas dissipativos-adaptativos, que caminham contra a entropia e mantêm os sistemas organizados à custa de um grande consumo de energia. O capítulo traz elementos relacionados aos sistemas vivos, como a discussão sobre como eles lidam bioquimicamente com o alto teor de oxigênio na atmosfera e como isto influenciou na evolução dos organismos.

Todos os autores se mostram conscientes de que Lovelock cometeu alguns erros importantes ao propor a teoria de Gaia. Isto levou a uma polêmica histórica que poderia ter sido evitada. Temendo incorrer nos mesmos erros, nenhum dos capítulos responde se a Terra é viva ou não. Todos assumem que a conceituação de vida é muito complexa e não é possível defender apenas um lado da questão.

O livro vale a pena ser lido e discutido. O texto oferece explicações claras para gerar uma discussão deliciosa sobre algumas questões famosas entre nós, como: por que estamos aqui? Isto mostra que, sendo ou não científica, a teoria de Gaia estimula o debate sobre como a vida e o nosso planeta interagem, uma questão importante num momento em que nos preocupamos em lidar com os impactos das mudanças climáticas globais.

Para saber a resposta à pergunta inicial deste artigo, será necessário ler o livro e depois reunir um grupo de amigos para discutir. Meu palpite é que cada um sairá com uma resposta distinta.

Marcos Buckeridge é professor do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP, diretor científico do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol e coautor do capítulo 27, Central & South America, para o próximo relatório do IPCC.

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