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Resenhas

A unidade na pluralidade

Pluralidade urbana em São Paulo: Vulnerabilidade, marginalidade, ativismos | Lúcio Kowarick e Heitor Frúgoli Jr. (orgs.) | Editora 34 | 416 páginas | R$ 74,00

Resenha_02_290Eduardo cesarEmbora não seja objeto exclusivo das ciências sociais, o urbano sempre integrou sua agenda de pesquisa. No Brasil, antes mesmo da institucionalização dessa disciplina como curso universitário, ocorrida na década de 1930. Pense-se em ensaios de Gilberto Freyre, como Sobrados e mucambos, ou Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, apenas para exemplificar com clássicos que comemoram 80 anos de publicação este ano. Esses autores também se perguntavam sobre que urbano seria possível se divisar no Brasil, dada sua longa formação rural. Se essa lembrança das nossas raízes rurais em meio ao processo de transição ao urbano que então se esboçava parece inevitável, elas talvez continuem desempenhando seu papel, como exemplifica o fato de que, nas últimas décadas do século XX, dentre os filhos de trabalhadores rurais, apenas 1,1% tenha chegado à posição de “profissionais qualificados”. Assim, de um ponto de vista sociológico, o que está em jogo não é apenas a cidade em seu aspecto espacial e concreto, digamos, mas o complexo de ações, relações e processos sociais que forma com seus condicionantes e possibilidades em interação com fatores econômicos, políticos, culturais.

Pluralidade urbana em São Paulo: Vulnerabilidade, marginalidade, ativismos contribui para os estudos do urbano no Brasil, em especial sobre a esfinge São Paulo, metrópole cujo incrível dinamismo urbano parece sempre prestes a devorar também os seus intérpretes, para recorrer à conhecida metáfora. Ao mesmo tempo, o livro atesta a consolidação e, sobretudo, a inovação intelectual contínua nesse campo de pesquisas. Expressão disso, aliás, é o fato de um dos organizadores da coletânea, Lúcio Kowarick, autor também da introdução e de um dos seus capítulos, poder ser considerado ele mesmo um clássico contemporâneo das ciências sociais – autor de trabalhos pioneiros e ainda fundamentais da tradição uspiana dos estudos urbanos. Ao lado de Kowarick, Heitor Frúgoli Jr. orquestra um grupo de diferentes especialistas que nos dão uma visão de conjunto muito rica da cidade de São Paulo em algumas de suas dimensões cruciais.

Assim, o substantivo “pluralidade” que aparece no título do livro pode ser entendido inicialmente como relativo ao dinamismo próprio do seu objeto – o urbano e a metrópole paulistana – em suas diferentes dimensões e temas específicos. O livro compreende cinco seções: “Produções culturais da periferia”, em que são discutidas produções estéticas e demarcações identitárias dessas regiões da cidade e seus significados mais amplos; a segunda, “Moradia e vulnerabilidade”, destaca as habitações populares, como as persistentes, mas sempre renovadas, favelas e cortiços; a terceira seção, “Área central e marginalidade”, aborda os mesmos territórios urbanos dos capítulos anteriores, mas a partir da observação etno-gráfica; a seguinte, “Política na acepção ampla do termo”, volta-se tanto ao mapa dos votos nos partidos políticos quanto aos movimentos sociais e também às manifestações de junho de 2013 na cidade; e, por fim, a última seção da coletânea, “Segregação e violência urbana”, em que se trata desses temas centrais na e sobre a metrópole.

Não é apenas na abordagem de alguns temas incontornáveis e na apresentação de outros emergentes na tradição dos estudos urbanos que a pluralidade da coletânea pode ser sentida. Esta é uma dimensão fundamental, como o plano apresentado já indica ao leitor. Mas pluralidade significa também que um objeto tão dinâmico e diverso como o urbano não pode ser pensado de uma só forma. Daí a riqueza representada também pelas diferentes abordagens, metodologias e referenciais teóricos explorados nos capítulos da coletânea. Se pluralidade significa diversidade e até mesmo divergência e, nesse sentido, traz um convite ao diálogo, ela aparece no livro como que vazada pela questão das hierarquias e das desigualdades sociais na produção e reprodução do urbano em suas diferentes dimensões. E é nesse aspecto que Pluralidade urbana em São Paulo parece encontrar sua unidade intelectual: um ponto pelo qual, por diferentes caminhos, os seus capítulos acabam por passar ou chegar; um fio sociológico que, talvez, constitua, ele mesmo, a marca forte da abordagem das ciências sociais, também no campo vasto e multifacetado dos estudos urbanos.

André Botelho é professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. É pesquisador do CNPq e da Faperj.

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