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Resenhas

A vida como obra

Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático | Jérôme Souty | Terceiro Nome, 448 páginas, R$ 60,00

Uma figura de apreensão complexa como Pierre Verger merecia uma “biografia” igualmente abrangente como a escrita por Jérôme Souty, em verdade, a transformação em livro de seu doutorado (2005). As aspas apostas na biografia dão conta da intenção do autor: apresentar o trabalho etnológico de Verger como sendo indissociável de sua obra de fotógrafo e de sua experiência de vida.

Vindo do mundo da imagem, Verger desconfiava da escrita como forma de dar conta da riqueza e da singularidade do mundo que encontrou no Brasil. A perda da família o fez viajar pelo mundo e desejar ser outro, ser negro. Nessa proximidade excessiva com o seu “objeto de estudo” estão a grandeza e os “pecados” de Verger, como seu zelo neotradicionalista de sempre escrever tendo em mente o interesse dos produtores do saber que analisava. Mas esse engajamento humano é que dá brilho e modernidade à sua obra.

O fotógrafo nunca quis se “intrometer” na vida dos seus retratados (ao contrário de Cartier-Bresson, para ele um “ladrão de imagens”), a custo decidiu escrever e quando o fez levou para o texto o mesmo olhar caloroso, que não classifica a priori, mas imerge, lentamente, na cultura do outro, em seu cotidiano, em seus segredos, que ele respeitou sempre, sentindo-se o “outro”. Daí a sua iniciação, necessária e desejada, resultado natural de uma familiaridade com a cultura ioruba, mais do que a busca por uma verdade secreta. O resultado foi uma quebra com o etnocentrismo que deu a ele a chance de um conhecimento centrado.

Verger escreveu com o olho do fotógrafo e o ouvido do parceiro: a oralidade é seu modo de trabalho, sem construções intelectuais que “mumifiquem” o que se quer registrar. Sua escrita se liga diretamente ao real, uma “transcrição” dinâmica que faz ecoar até hoje a voz da cultura. Um belo livro que deve ser lido com Carybé, Verger e Caymmi, estudo amoroso sobre Verger, lançado em 2009, pela Fundação Pierre Verger. Um prazer duplo e irresistível. Como a obra de Verger.

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