As universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp) criaram portais na internet que catalogam seus equipamentos de pesquisa e os disponibilizam para usuários de dentro e de fora das instituições, inclusive de empresas. O objetivo é facilitar o compartilhamento de instrumentos de custo elevado, como microscópios eletrônicos, espectrômetros de massas ou sequenciadores, entre muitos outros. As iniciativas procuram dar visibilidade para uma missão fundamental de laboratórios e facilities de universidades públicas, que é servir ao maior número possível de pesquisadores a fim de aumentar o impacto e a qualidade de trabalhos científicos e tecnológicos do país. A maior parte dessa infraestrutura foi financiada por agências de fomento sob o compromisso de que parte de seu tempo de uso seja franqueado a outros pesquisadores interessados. Mas nem sempre é fácil para os usuários encontrar o que precisam, uma vez que a oferta é divulgada de forma tímida ou fragmentada. “Não há queixas relacionadas a barreiras no acesso, mas temos a percepção de que os instrumentos poderiam ser mais usados se fossem mais conhecidos”, diz Watson Loh, professor do Instituto de Química (IQ) da Unicamp e coordenador adjunto do Programa de Equipamentos Multiusuários (EMU) da FAPESP.
Na Unicamp, o Portal de Equipamentos Multiusuários e Serviços garante acesso a instrumentos de médio e de grande porte espalhados pela instituição, com a vantagem de permitir a busca por palavras-chave. Não é necessário saber o modelo ou o tipo específico de máquina: basta informar a finalidade do uso para saber se existe algum equipamento capaz de cumprir aquela tarefa. Em caso positivo, o solicitante é direcionado para o laboratório apropriado. Por enquanto, há 140 equipamentos cadastrados. “Esperamos aumentar e muito esse número”, diz Munir Skaf, também professor do IQ e pró-reitor de Pesquisa da Unicamp. Foram criadas funcionalidades para os responsáveis pelas instalações, como um kit que permite a cada unidade de ensino e pesquisa construir um site para divulgar suas máquinas, com um sistema que organiza o agendamento.
O portal da Unicamp começou a funcionar em março e já contabiliza um aumento no número de solicitações para a utilização dos equipamentos. No Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), as consultas de usuários cresceram entre 30% e 50%, dependendo do instrumento. Um dos exemplos que chamou a atenção foi o do analisador de distribuição de tamanho de partículas, disponível em um laboratório do IFGW, cujo uso foi solicitado por pesquisadores de outra unidade da Unicamp. “Fazia um bom tempo que ninguém pedia para usá-lo”, diz o físico Pascoal Pagliuso, diretor do instituto. Também um serviço oferecido pelo IFGW no portal, a descaracterização e descarte de cabeçotes de aparelhos de raios X, recebeu de uma só vez três consultas de universidades e empresas – ante uma média de apenas uma contratação por ano. “As máquinas e os serviços estavam disponíveis no nosso site, mas o novo portal parece tê-los tornado mais visíveis”, considera Pagliuso. Além do Laboratório Multiusuários (Lamult) do IFGW, que tem 12 diferentes equipamentos, entre microscópios, espectrômetros e difratômetros, o instituto também franqueia cerca de 50 instrumentos instalados em laboratórios de pesquisadores e departamentos.
Criada no final do ano passado, a Central USP de Equipamentos Multiusuários (uspmulti.prp.usp.br/) por enquanto oferece acesso a dois laboratórios, ambos da Escola Politécnica, e 17 máquinas instaladas em diversas unidades. A expectativa é de multiplicar o número de centrais e instrumentos disponíveis nos próximos meses. Há 25 centrais e laboratórios em fase de cadastramento e pelo menos outros 100 em condições de participar da rede. A plataforma disponibiliza ferramentas de gestão dos equipamentos, centralizadas na Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (Fusp). “Essas ferramentas buscam simplificar a rotina dos laboratórios e desonerar seus responsáveis de tarefas burocráticas”, esclarece Sylvio Canuto, professor do Instituto de Física e pró-reitor de Pesquisa da USP. O agendamento pode ser feito on-line, com geração automática de boletos para os usuários e liberação da utilização assim que o pagamento pelo uso é feito. Em geral, os laboratórios cobram taxas menores de pesquisadores da própria universidade, e maiores de usuários de outras instituições e de empresas. A USP tem interesse em organizar o uso de seu parque de equipamentos multiusuários a fim de racionalizar gastos com manutenção e contratação de técnicos, que são alvos frequentes de demandas de pesquisadores e departamentos. A universidade pretende lançar um edital para promover manutenção preventiva de máquinas, mas vai esperar alguns meses até que mais unidades adiram à central. “Será possível avaliar quais são os mais compartilhados e esses terão prioridade nos investimentos em manutenção”, avalia Canuto. “Isso também vai ajudar a nortear a abertura de vagas para técnicos em instalações amplamente utilizadas.”
A disponibilidade de técnicos é um ponto importante para ampliar o uso dos instrumentos. “Não é incomum que equipamentos fiquem acessíveis apenas alguns dias da semana ou em horários restritos por conta do tempo disponível dos técnicos que trabalham com a máquina”, diz Watson Loh. O compartilhamento também se justifica por outras razões. O dinheiro arrecadado com os serviços prestados pode ajudar na manutenção da infraestrutura. “Às vezes, um equipamento que custou R$ 1 milhão pode ficar parado por algum tempo à espera de recursos para comprar uma peça que custa R$ 10 mil”, conta Munir Skaf.
A integração de pesquisadores de diferentes campos do conhecimento em torno de laboratórios multiusuários pode gerar novas oportunidades de pesquisa. “A organização de equipes para trabalhar com equipamentos multiusuários amplia a interlocução entre pessoas que pensam a ciência de forma diferente e permite discutir outras soluções multidisciplinares de um problema”, afirma Roger Chammas, coordenador da Rede Premium (Programa Rede de Equipamentos Multiusuários), que desde 2005 disponibiliza em um endereço na internet a infraestrutura de diferentes laboratórios da Faculdade de Medicina da USP.
De maneira isolada, unidades da USP e da Unicamp já haviam montado nos últimos anos centrais de equipamentos multiusuários robustas – que já foram ou serão em breve integradas às centrais de cada instituição. É o caso da Rede Premium ou o Centro de Facilidades de Apoio à Pesquisa (Cefap) da USP, que funciona no Instituto de Ciências Biomédicas e desde 2014 oferece a usuários de todo o estado serviços de sequenciamento, microscopia para estudo de células vivas, espectrometria de massas, entre outros – a FAPESP investiu US$ 4 milhões na compra de equipamentos. Na Unicamp, há iniciativas de porte como o Laboratório Central de Tecnologias de Alto Desempenho (LaCTAD) – uma facility inaugurada em 2013 – para dar suporte a pesquisas em genômica, bioinformática, proteômica e biologia celular.
A FAPESP, que apoia a aquisição de infraestrutura de pesquisa em linhas de financiamento regular e no programa EMU, exige que instrumentos de médio e grande porte com potencial de utilização por outros pesquisadores estejam disponíveis para uso compartilhado. É possível ter acesso em um endereço na internet aos sites de laboratórios e unidades de pesquisa no estado de São Paulo onde estão equipamentos adquiridos com recursos da Fundação. A lista é organizada por tipo de instrumento, instituição ou cidade. “Essa iniciativa se refere à infraestrutura comprada com apoio da FAPESP. Outras agências, como a Financiadora de Estudos e Projetos [Finep], também financiam a compra de equipamentos multiusuários e têm listagens próprias. Daí a importância de haver portais com todas as máquinas disponíveis em uma instituição”, conta Munir Skaf, da Unicamp.
As discussões sobre a necessidade de aumentar a visibilidade dos equipamentos multiusuários há tempos mobilizam pró-reitores de pesquisa no âmbito do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp). “Temos discutido formas de identificar toda a infraestrutura disponível no estado para ampliar sua utilização”, diz o físico Carlos Graeff, pró-reitor de Pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e professor da Faculdade de Ciências de Bauru. A Unesp, que tem campi em 24 municípios do estado, pretende lançar ainda neste ano uma plataforma que reúna cerca de 200 equipamentos multiusuários, expandindo a central mantida pelo Instituto de Química de Araraquara.
Para Débora Chadi, professora do Instituto de Biociências da USP e assessora da pró-reitoria de Pesquisa da USP, o lançamento das centrais de universidades poderia ser uma etapa intermediária para criar uma plataforma que congregasse todos os equipamentos de pesquisa disponíveis no estado de São Paulo. Ela menciona o exemplo do Reino Unido, que conseguiu cadastrar instalações de pesquisa disponíveis no país em um único portal (equipment.data.ac.uk), mantido pelo Conselho de Pesquisa em Ciências Físicas e Engenharia (EPSRC). “Seria interessante termos isso em São Paulo. Um pesquisador da USP no interior do estado poderia encontrar a máquina de que precisa em alguma universidade próxima, em vez de ter que procurá-la na capital paulista”, afirma.
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