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ECOLOGIA

Adalberto Luís Val é agraciado com o Prêmio Bunge

Pesquisador do Inpa é especialista no estudo da fisiologia de peixes da bacia amazônica

Arquivo pessoal Membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS), Adalberto Val tem mais de 210 publicações em periódicos científicosArquivo pessoal

Principal referência mundial no estudo da fisiologia dos peixes da Amazônia, o biólogo Adalberto Luís Val, de 67 anos, foi agraciado no final de julho com o Prêmio Fundação Bunge na categoria Vida e Obra da área de ciências agrárias. O tema do prêmio deste ano foi Soluções baseadas na natureza para agricultura sustentável e inclusiva. Nascido em Campinas (SP) e detentor do título de Cidadão Amazonense, Val é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) desde 1981, instituição da qual já foi diretor-geral entre 2006 e 2014. Seu foco de estudo são as adaptações biológicas de peixes às mudanças ambientais, tanto as de origem natural quando as causadas pela intervenção humana, seja em ambientes naturais, como os rios amazônicos, ou de criação.

Concebido em 1955, o Prêmio Bunge encontra-se em sua 67ª edição e tem como objetivo estimular a inovação e a disseminação de conhecimento no Brasil, bem como reconhecer profissionais que contribuem para o desenvolvimento da cultura e das ciências no país. “É uma grande alegria para nós homenagear cientistas que desenvolvem pesquisas de excelência”, afirmou, em comunicado à imprensa, Cláudia Buzette Calais, diretora-executiva da Fundação Bunge, vinculada à multinacional Bunge, uma das líderes mundiais do agronegócio.

“Conheço o pesquisador Adalberto Val há mais de 30 anos, desde que comecei a trabalhar com peixes. Seus estudos são relacionados à fisiologia e à adaptação de peixes amazônicos, um tema que era praticamente desconhecido antes das pesquisas realizadas por ele e sua esposa, Vera Maria Almeida-Val”, destaca o biólogo Cláudio de Oliveira, do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu.

Especialista em genética de peixes, Oliveira contextualiza a importância do trabalho de Val. “O funcionamento do organismo dos peixes tem relação direta com o próprio ambiente. Eles precisam se adaptar às mudanças naturais que ocorrem na Amazônia nas épocas de cheia e seca e nós não sabíamos nada sobre como isso acontecia antes dos trabalhos do professor Val”, ressalta.

Entrevista: Adalberto Luís Val
00:00 / 13:24

“Nos últimos anos, com o aquecimento global e as severas secas que têm ocorrido na Amazônia, estudos que nos ajudem a entender como os peixes e organismos aquáticos da região interagem no seu ambiente ganham ainda mais importância. As alterações do clima vão exigir mais dos peixes de lá, que certamente precisarão ter uma capacidade maior de adaptação ao ambiente”, explica Oliveira.

O biólogo Naercio Aquino Menezes, professor emérito do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), endossa as palavras de Oliveira. “A posição que o professor Adalberto, que foi aluno no curso de mestrado que ministrei no Inpa durante 16 anos, ocupa hoje e o prêmio que lhe foi outorgado pela Fundação Bunge são inteiramente merecidos.”

“Os principais aspectos fisiológicos dos peixes da Amazônia, como circulação, respiração, digestão, entre outros, eram parcamente conhecidos. Ele realizou uma série de trabalhos aplicando métodos inéditos que alcançaram grande repercussão. Graças a ele, sabemos, por exemplo, como se processam as trocas gasosas nas espécies que não têm respiração pelas brânquias, mas usam diretamente o oxigênio do ar atmosférico”, diz Menezes. O pesquisador do MZ coordena um projeto financiado pela FAPESP sobre sistemática, relações filogenéticas e biogeografia de peixes elétricos.

Membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Val tem mais de 210 publicações em periódicos científicos do país e do exterior e orientou por volta de 120 alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Ele é coautor dos livros Fishes of the Amazon and their environment (Springer Velag) e Physiology of tropical fishes (Academic Press), cuja leitura é obrigatória para o entendimento dos peixes amazônicos.

Léo Ramos Chaves/Foto feita no Aquário de São Paulo Tambaqui no Aquário de São Paulo: a espécie é uma das estudadas pelo pesquisador do InpaLéo Ramos Chaves/Foto feita no Aquário de São Paulo

Reconhecimento
“Ganhar o prêmio da Fundação Bunge é uma singular distinção. É reconhecimento do que aprendi e isso inclui um vasto conjunto de pessoas e situações ao longo da vida”, declarou Val a Pesquisa FAPESP um dia após participar da 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Curitiba entre os dias 23 e 29 de julho. No evento, ele liderou uma sessão sobre Amazônia Sustentável com o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, e a ecóloga Ima Célia Vieira, ex-diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi.

Atualmente na coordenação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Adaptações da Biota Aquática da Amazônia (INCT-Adapta), Val tem estudos que dialogam com a temática deste ano do Prêmio Bunge. “Destaco nossas contribuições para a segurança alimentar no futuro próximo. Os peixes da Amazônia vivem muito próximo de suas tolerâncias térmicas máximas e não têm para onde migrar. Isso coloca em risco essa fonte de proteína para as pessoas da região, particularmente as populações ribeirinhas”, afirma. “O que fazem esses peixes para contornar os efeitos das mudanças ambientais? Quais as adaptações que usam para poder enfrentar os novos desafios antropogênicos? Nossa pesquisa tem contribuído com informações robustas já pensando em alternativas para os novos cenários envolvendo segurança alimentar.”

Ele também ressalta o esforço para formar mão de obra especializada. “A Amazônia precisa fazer parte da agenda nacional alavancando recursos para as instituições aqui existentes. Precisamos de mais gente qualificada para trabalhar nas instituições locais”, diz.

Ele defende que é preciso transformar o que se aprendeu até aqui em tecnologias sustentáveis para a inclusão social, para a geração de renda e para a conservação ambiental. “Estudando os peixes da Amazônia, incluindo o que comem, as adaptações a ambientes de criação, entre outros, nosso grupo tem feito grande esforço considerando as dimensões da sociobiodiversidade da região.”

Um dos mais recentes artigos de Val, escrito com pesquisadores de outros países e publicado na revista científica Science em abril, tratou dos efeitos da ação humana sobre o ambiente. “As crises climática e da biodiversidade são consideradas duas catástrofes mundiais de formas distintas. A crise social, pela qual passamos, é, ao mesmo tempo, determinante e determinada por essas duas crises”, argumenta. “Nesse artigo, propomos a adoção de uma nova perspectiva. Como essas crises são interdependentes, amplificando-se mutuamente ao longo do tempo, elas não devem ser consideradas de forma separada. Devemos tratá-las de forma conjunta e coordenada para que possamos reduzir sua intensidade.”

Artigo científico
PORTNER, H.-O. et al. Overcoming the coupled climate and biodiversity crises and their societal impacts. Science. 21 abr. 23.

Livros
VAL, A. L. e ALMEIDA-VAL, V. M. F. Fishes of the Amazon and their environment. Springer Velag. 1995.
VAL, A. L., ALMEIDA-VAL, V. M. F. et al. (edits.). Physiology of tropical fishes. Academic Press. 1985.

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