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Engenharia Aeronáutica

Aeronaves mais silenciosas

Projeto liderado pela Embraer pretende reduzir ruídos gerados pelos aviões

EMBRAERA região das asas e o trem de pouso são os principais responsáveis pelo barulho dos aviões EMBRAER

O tráfego aéreo mundial tem crescido de maneira contínua nas últimas décadas e deve continuar nessa trajetória nos próximos anos. Estimativas da Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata) indicam que o movimento de passageiros atingirá a marca de 2,75 bilhões de viagens em 2011 – ante 2,13 bilhões no início de 2007. Um dos desafios enfrentados pela indústria aeronáutica para continuar evoluindo sem prejudicar a qualidade de vida nas cidades é projetar e desenvolver aviões mais silenciosos que possam operar nos aeroportos sem causar incômodo para as pessoas que vivem no seu entorno. Essa necessidade ainda é mais urgente em função de um novo requisito estipulado pela Federal Aviation Administration (FAA), órgão regulador do setor aéreo dos Estados Unidos, previsto para entrar em vigor a partir de 2015, que restringe ainda mais a emissão de ruídos pelas aeronaves nos aeroportos.

Para se adequar a essa determinação e continuar competitiva no mercado global, a Embraer, terceira fabricante de aviões do mundo, deu início recentemente a um amplo projeto, batizado de Aeronave silenciosa: uma investigação em aeroacústica, com o objetivo de identificar e avaliar os ruídos gerados e propagados por seus modelos. A partir desses dados, ela planeja implementar soluções de engenharia para torná-los mais silenciosos. “Nas grandes cidades, o barulho das aeronaves só perde para o dos carros”, afirma o engenheiro Micael Gianini Valle do Carmo, responsável pelo projeto na Embraer. “A iniciativa de estudar o ruído externo de nossos aviões surgiu há alguns anos com os projetos da família de jatos Embraer 170/190, aeronaves muito maiores do que as que já havíamos fabricado antes.” O foco do programa, que tem apoio financeiro da FAPESP, por meio do programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), são os chamados ruídos de airframe (ou aerodinâmicos), gerados pelo fluxo de ar passando ao redor da asa e pela fuselagem do avião. Juntas, FAPESP e Embraer irão destinar R$ 11 milhões ao programa, que terá três anos de duração.

Nos últimos anos, avanços tecnológicos transformaram os motores dos aviões em equipamentos mais silenciosos, o que levou os ruídos aerodinâmicos a se destacarem. Durante o pouso, entre 75% e 80% do ruído produzido pelos aviões é de origem aerodinâmica, enquanto o restante é causado pelo motor. Na decolagem, quando a aeronave precisa de mais potência para alçar voo, essa relação se inverte. “As principais fontes de ruídos aerodinâmicos durante o pouso e a decolagem são o trem de pouso e as superfícies hipersustentadoras, nome dado ao conjunto formado pela asa e pelos flaps e slats, dispositivos móveis localizados nas asas dos aviões com a função de aumentar a área de superfície e elevar a sustentação da aeronave. O ruído é causado pelo turbilhonamento de ar e pelas flutuações de pressão nesses pontos”, explica o engenheiro Julio Romano Meneghini, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador-geral do projeto.

Além da Escola Politécnica, o programa é integrado por cinco centros de ensino e pesquisa nacionais e outros quatro estrangeiros: Escola de Engenharia de São Carlos da USP, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade de Brasília (UnB), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade de Twente, na Holanda, Imperial College e Universidade de Southampton, ambos na Inglaterra, e o Centro Aeroespacial Germânico, DLR na sigla em alemão, na Alemanha. Os pesquisadores pretendem atacar o problema seguindo três abordagens distintas, mas complementares em aeroacústica: ensaios em voo e em túnel de vento, modelos analíticos e empíricos e aeroacústica computacional. Essa última abordagem estará concentrada no Núcleo de Dinâmica de Fluidos (NDF) da Escola Politécnica da USP, que receberá um supercomputador, com mais de 1.200 núcleos de unidades centrais de processamento (CPUs) e 2,5 terabytes de memória, adquirido com recursos do projeto. “Vamos modelar e simular numericamente o escoamento de ar ao redor das superfícies hipersustentadora e o trem de pouso. Com a simulação do escoamento de ar conseguiremos obter as estruturas dos turbilhões (vórtices) que se formam e assim teremos uma estimativa do ruído gerado nessas superfícies”, afirma Meneghini. “Com a ajuda do supercomputador, um dos mais avançados do país, vamos conhecer concretamente o complexo fenômeno de geração de ruído aerodinâmico e, a partir daí, poderemos sugerir para a Embraer alterações na geometria desses elementos, como asas, flaps, trem de pouso etc.”, diz ele.

A parte experimental do programa será realizada na pista de testes da unidade da Embraer localizada no município de Gavião Peixoto, no interior de São Paulo. Seu objetivo será identificar as fontes de ruído aerodinâmico e quantificá-las. Para obter essas informações, 256 microfones serão instalados numa área de 50 por 50 metros em uma das cabeceiras da pista com a função de captar o barulho gerado pelos aviões, que pousarão e decolarão inúmeras vezes. A necessidade de tantos microfones se justifica porque o ruído propagado pelas aeronaves é muito complexo. “A partir do processamento dos dados acústicos vamos saber que porcentual dos ruídos foi provocado pelos flaps, trem de pouso, slats e assim por diante”, destaca Meneghini. De acordo com o pesquisador, os resultados desses ensaios permitirão, entre outras coisas, o desenvolvimento de kits de redução de ruído aerodinâmico a serem aplicados em pontos específicos da aeronave. Essa parte do trabalho ficará a cargo da UFSC e da Escola de Engenharia de São Carlos. “Seremos responsáveis por desenvolver ferramentas experimentais e de diagnóstico das fontes de ruído sonoro nas aeronaves”, diz o professor César José Deschamps, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC. “Também vamos realizar estudos para compreender o ruído aeronáutico sob um ponto de vista mais teórico e, com esse entendimento, usar as melhores metodologias para prevê-lo. Dessa forma, poderemos propor alterações nos projetos dos aviões da Embraer”, afirma Deschamps.

MIGUEL BOYAYANOutra vertente do projeto, a cargo da Universidade de Brasília (UnB), é o estudo dos ruídos gerados pelo fan do motor. O fan, um tipo de hélice com grande número de pás, é a segunda fonte de ruído dos sistemas propulsivos dos aviões, só perdendo para o próprio jato de ar quente expelido pela turbina. Embora não seja responsável pela fabricação dos motores dos seus aviões – esse componente é encomendado da empresa americana General Electric –, a Embraer tem interesse em estudar esse tipo de ruído porque ela fabrica a nacele, estrutura metálica onde o motor turbofan é montado. “A nacele é a primeira linha de combate aos ruídos do motor”, explica o professor Roberto Bobenrieth Miserda, do Instituto de Tecnologia da UnB.

Segundo Julio Meneghini, as instituições estrangeiras envolvidas no programa desempenharão um papel importante. A Universidade de Twente, na Holanda, colocará à disposição do projeto um túnel de vento para realização de ensaios aeroacústicos, enquanto a Universidade de Southampton e o Imperial College, na Inglaterra, cederão suas competências na área de modelos analíticos simplificados e simuladores. “Eles têm uma longa experiência nessa área e utilizarão esses modelos empíricos para calcular estimativas de ruídos”, diz Meneghini. Também está prevista a realização de intercâmbio de estudantes brasileiros com os da instituição holandesa e das instituições inglesas.

O projeto Aeronave silenciosa, além do avanço teórico, do desenvolvimento de metodologias e da criação de ferramental para entender os fenômenos envolvidos na questão do ruído aeronáutico, terá também como finalidade a formação de recursos humanos especializados na área, porque existem poucos profissionais especializados em aeroacústica no país. Por isso, parte dos recursos destinados ao programa será usada para financiamento de bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado para alunos envolvidos com pesquisas relativas aos temas do programa. “Queremos criar um núcleo de competência na área de acústica e, com isso, colocar à disposição da indústria aeronáutica nacional especialistas altamente qualificados”, destaca o engenheiro Deschamps, da UFSC. Atualmente parte do estudo e avaliação dos níveis de ruído externo dos aviões da Embraer é realizada por consultores externos internacionais, o que traz algumas dificuldades, como a lentidão de respostas para situações críticas. Além de uma equipe formada por cerca de 25 pesquisadores da Embraer e das universidades, estima-se que cerca de 40 alunos participarão do projeto.

Programas semelhantes a este financiado pela FAPESP e Embraer também estão sendo desenvolvidos por empresas e instituições de pesquisa do setor aeroespacial nos Estados Unidos e na Europa. A agência espacial norte-americana, Nasa, por exemplo, lidera o projeto Quiet Aircraft Technology (QAT), cuja finalidade é reduzir pela metade o ruído dos aviões dentro de dez anos e em 75% nos próximos 25 anos. Estima-se que as primeiras aeronaves incorporando alguns avanços propostos pela tecnologia QAT começarão a ser produzidas em 2010. Outro programa americano é o Advanced Subsonic Technology – também com a participação da Nasa, governo federal e setor privado –, que almeja desenvolver dispositivos de redução de ruído de 20 decibéis até 2020 em relação às tecnologias existentes em 1997. Essa é uma meta ousada, que, se cumprida, representa, por exemplo, uma diminuição de cerca de 20% dos ruídos gerados por um Boeing 777 durante o pouso, quando ele emite em torno de 100 decibéis. A Comunidade Europeia, por sua vez, patrocina o projeto temático Silence(R), que envolve 51 empresas de 14 países com orçamento de mais de €110 milhões. Seu objetivo é validar tecnologias de redução de ruído visando operações com aeronaves mais silenciosas em até seis decibéis.

Aposentadoria forçada

Jato inglês foi tirado de circulação por causa do barulho de seus motores

Um dos mais bem-sucedidos aviões britânicos de todos os tempos, o BAC 1-11 (One Eleven), teve que ser tirado de circulação por conta do barulho gerado por seus motores. Concebido pela Hunting Aircraft e fabricado pela British Aircraft Corporation (BAC), ele foi lançado no início dos anos 1960 e voou por cerca de 30 anos, até ser aposentado em razão de restrições de ruído. Outros aviões, como Boeing 737-200, Douglas DC-8 e Tupolev Tu-154, poderiam ter tido o mesmo destino não fosse a invenção de um equipamento antirruído, batizado de hush kit, criado para amenizar o barulho dos antigos motores turbofan do tipo low-bypass – os modelos atuais (high-bypass) já são bem mais silenciosos. O hush kit consiste de uma espécie de exaustor, colocado no final da turbina, que serve para “abafar” o ruído provocado por aviões antigos. Outro benefício proporcionado pela tecnologia é a redução da quantidade de gases poluentes liberados pelo motor.

O Projeto
Aeronave silenciosa: uma investigação em aeronáutica (nº 06/52568-7); Modalidade Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Coordenador Julio Romano Meneghini  – USP; Investimento R$ 707.506,58, US$ 1.709.305,41 (FAPESP) e R$ 6.000.000,00 (Embraer)

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