Afinal, quem votou em Bolsonaro? É com essa pergunta que Jairo Nicolau conduz o leitor no livro O Brasil dobrou à direita: Uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018. O livro é uma leitura fácil dirigida ao público não especializado. E, através de pesquisas de opinião e dados eleitorais, busca fazer, como o título enuncia, uma radiografia das eleições daquele ano.
Despretensioso e direto, o autor vai conduzindo o leitor pela sua visão das eleições, com anedotas, hipóteses e dados quantitativos. Faz o que chamou de um ensaio baseado em dados. Cumpre o que promete. Apresenta um caleidoscópio das eleições de 2018 caracterizando os eleitores de Jair Bolsonaro (sem partido) por variáveis sociodemográficas tradicionais como escolaridade, gênero, idade, religião e região de moradia. E acrescenta outras duas variáveis não tão usuais, mas imprescindíveis para entender as últimas eleições presidenciais: as variáveis petismo/antipetismo e o uso das redes sociais.
O pleito eleitoral de 2018 merece atenção especial pela sua singularidade. Como Nicolau nota, até então todos os eleitos para o cargo de presidente da República tinham: grande volume de financiamento eleitoral, muito tempo de propaganda eleitoral gratuita e apoio de partidos nos estados, especialmente, nos mais populosos. Esse não é o caso de Bolsonaro, o que torna a eleição de 2018 diferente das demais. Mas claro, esse não é o único fato que a distingue das demais. E Nicolau vai remontado essa história capítulo a capítulo.
No primeiro, ressalta as regras eleitorais e as modificações que elas sofreram para as eleições de 2018, bem como o desenrolar da campanha. Ressalta o atentado sofrido por Bolsonaro e a exposição que ganhou na mídia. Ressalta, ainda, que ele foi eleito sem participar de debates e concedendo pouquíssimas entrevistas. Virou um candidato conhecido em todo país, mas do qual nada se sabia efetivamente.
Nos capítulos 2 a 5, Nicolau explora dados sociodemográficos e caracteriza o eleitor que votou em Bolsonaro e em Fernando Haddad (PT). As perguntas desses capítulos são: Escolaridade fez diferença na opção dos eleitores? Gênero fez diferença? Idade? Religião? Para cada um desses temas dedica um capítulo.
No sexto, explora sentimentos positivos e negativos em relação aos partidos políticos. E claro que se eleitores que se identificam com o PT votam no PT, o contrário também é verdadeiro, eleitores que rejeitam o PT votam em Bolsonaro. O interessante aqui é ver como se comporta o conjunto de eleitores majoritários, aqueles que não se identificam com nenhum partido e também não rejeitam nenhum partido.
As redes sociais, protagonistas daquela eleição, constituem o tema do sétimo capítulo. No oitavo e nono capítulos o autor explora o território, analisando os padrões de distribuição de votos nas regiões, estados e nos municípios.
O quadro apresentado pelo autor permite dizer que homens, evangélicos, moradoras de centros urbanos, com mais idade, mais escolarizadas e com acesso as redes sociais, tenderam a votar mais em Bolsonaro. Mais interessante é que do ponto de vista regional, Bolsonaro conseguiu receber mais votos do que Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, José Serra e Aécio Neves receberam, quando candidatos pelo PSDB à Presidência da República, nos estados de São Paulo e Minas Gerais, onde desenvolveram suas carreiras políticas. Também interessante é que a candidatura de Bolsonaro impulsionou seus apoiadores de uma maneira que nenhum outro candidato à Presidência tinha conseguido impulsionar antes.
As eleições de 2018 foram diferentes. Vivenciamos uma disputa em que um dos candidatos sofreu um atentado, as redes sociais tiveram papel decisivo, o eleito afirma ter gastado menos do que muitos candidatos a deputado federal, dispôs de pouco tempo no horário eleitoral e quase nenhum apoio formal de partidos políticos. Também foi novidade naquele pleito o corte de gênero e religião na votação dos candidatos. Nunca antes essas variáveis tinham apresentado tamanha diferença no voto. Como o próprio autor reconhece, muitas das hipóteses levantadas ainda precisam ser testadas. Mas a sistematização dos dados apresentada por Nicolau monta uma útil radiografia do fenômeno.
Andréa Freitas é professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp) e coordenadora do Núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Centro Brasileiro de Pesquisa e Planejamento (Cebrap).
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