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Francisco Weffort

Ainda há mais para ser feito

Projeto vai continuar em outros arquivos europeus

O ministro da Cultura, Francisco Weffort, considera o Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco uma obra emblemática do Ministério. Por isso, ele está sob controle direto de seu gabinete, em Brasília. Weffort pretende agora ampliar a busca e o registro de documentos do Brasil Colônia para outros lugares.

Como teve início o Projeto Resgate?
Tomei conhecimento das tentativas recentes e dos antigos sonhos relativos ao resgate dos documentos do Período Colonial existentes nos arquivos europeus, notadamente em Portugal, logo que assumi o Ministério. A ocasião era propícia para uma ação conjunta, de caráter nacional, diante da proximidade das comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil. Pedi ao embaixador Wladimir Murtinho que atuasse para viabilizar o Projeto. Ele, por sua vez, obteve a colaboração de uma funcionária da Fundação Biblioteca Nacional, Esther Caldas Bertoletti, que desde 1975 atuava como consultora na área de documentação e microfilmagem de documentos em todo o Brasil, com o Plano Nacional de Microfilmagem de Periódicos Brasileiros. Então, convocamos todos os que, direta ou indiretamente, se interessavam pelo Projeto. Estabelecemos diversas parcerias, com instituições privadas e públicas, no âmbito dos governos federal, estaduais e municipais.

E os resultados?
Os resultados já estão aí. Os documentos referentes a 18 capitanias, que correspondem hoje a 22 estados, já foram microfilmados e digitalizados para sua divulgação em CDROM. Os catálogos com os verbetes-resumo estão sendo publicados. Já se encontram no Brasil mais de 1.500 rolos, com cerca de 200 mil documentos. Eles estão à disposição de todos na Biblioteca Nacional e no Museu Histórico Nacional, instituições vinculadas ao Ministério da Cultura. Os microfilmes vêm sendo entregues aos arquivos públicos estaduais, e os CDs, às universidades de todos os estados. Os institutos históricos e geográficos estaduais e o brasileiro têm sido igualmente contemplados com os CDs, eles que foram os pioneiros, no século 19, da copiagem dos documentos no exterior.

Qual o significado e a importância disso para o Ministério?
O significado e a importância do Projeto Resgate são exatamente o apoio à preservação da memória nacional e a facilitação do acesso às fontes, um preceito constitucional que o Ministério da Cultura se empenha muito em ver cumprido.

Quantas pessoas e instituições foram envolvidas?
Enumerar todas as pessoas e instituições que foram e estão envolvidas com o Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco não é tarefa das mais fáceis. Mas posso dizer, pelos relatórios fornecidos pela coordenação do Projeto, que mais de cem pessoas estiveram até agora diretamente ligadas a ele. Várias atuaram em Lisboa, lendo, decifrando os documentos em leituras paleográficas e organizando-os em caixas após tê-los resumido em verbetes. Outras elaboraram os índices e organizaram a publicação dos catálogos aqui no Brasil. Várias empresas, em Lisboa e no Brasil, nos ajudaram na microfilmagem e na digitalização. A divisão de microfilmagem da Biblioteca Nacional assumiu a tarefa de preservar os microfilmes e duplicá-los para disseminação. Quanto às instituições participantes, tivemos seguramente uma média de cinco por estado, o que nos dá, só para os conjuntos já microfilmados, 11 O instituições. Podemos somar cerca de 15 para os estados que ainda estão sendo organizados e verbetados em Lisboa, Pará, Pernambuco e a segunda parte da documentação do Rio de Janeiro.

Qual o volume de recursos liberados?
O próprio Ministério da Cultura investiu cerca de US$ 1 milhão, em suas três modalidades, orçamentária, fundo de cultura e lei de incentivo fiscal. Outros ministérios também contribuíram, como o da Ciência e Tecnologia, por meio do CNPq, e o da Educação, por intermédio de diversas universidades. Não podemos esquecer os governos dos estados, através de suas secretarias de Estado, principalmente as da Cultura, e suas fundações culturais. Tivemos também as fundações de amparo à pesquisa do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, e mesmo alguns municípios, como o de Olinda. Isso trouxe mais US$ 1 milhão. O restante dos recursos, mais de US$ 1 milhão, veio da iniciativa privada, por meio de bancos, como o Banco Santos, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste e o BEM-Fundação Clemente Mariani; de fundações, como a Vitae, a Waldemar Alcântara, a Demócrito Rocha e a Casa da Memória de Campo Grande; e de empresas, como a Auvepar, Telems, Microservice, Tap-Air Portugal e Varig. Houve a participação de algumas instituições portuguesas, públicas e privadas, como a Fundação Calouste Gulbekian e a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, além das luso-brasileiras, como o Real Gabinete Português de Leitura, a Fundação Cultural Brasil-Portugal e a Federação das Associações Portuguesas e Luso-brasileiras. Como se vê, ocorreu um verdadeiro mutirão em favor da cultura e da memória nacional, onde todos apartaram alguma coisa e todos saíram gratificados, pelo desdobramento positivo e pela conclusão, dia a dia, de diversos projetas, cujos benefícios para o Brasil, podemos dizer, serão imensuráveis.

No âmbito das comemorações dos 500 anos do Descobrimento, como o Ministério situa o Projeto Resgate?
No momento mesmo em que o presidente da República lançava em Porto Seguro, em 1996, a agenda das comemorações, já se incluía o Projeto Resgate como um dos projetos emblemáticos dos 500 anos. A essa altura, estava em desenvolvimento desde 1994, quando recebeu os primeiros recursos orçamentários do Ministério da Cultura e os primeiros aportes da Fundação Vitae e do CNPq. Fomos buscar os professores e pesquisadores que haviam sonhado em recomeçar o trabalho que, por todo o século 19, ocupou ilustres pesquisadores e historiadores, copiando à mão alguns dos mais significativos documentos, para a melhor compreensão da nossa história. Em torno dos trabalhos isolados, fomos formando uma cadeia nacional. Conseguimos vencer um desafio: organizar, identificar, ler, decifrar e elaborar verbetes-resumo, para depois microfilmar, como forma de preservação e de transferência da informação. Seguimos os moldes preconizados pela Unesco em suas resoluções sobre esse tema e em seu programa Memória do Mundo.

As novas tecnologias ajudaram?
Sim. Com o avanço da tecnologia e da informática, pudemos pensar em duplicar e disseminar o mais possível o conteúdo informacional dos documentos, de forma que ele chegasse a todos os pesquisadores, universitários ou não. A transposição para CD-ROMs permite o acesso onde houver um computador com drive de CD. Isso significa que o estudante do interior da Paraíba ou do câmpus avançado da Universidade do Amazonas poderá ler os documentos da mesma forma que o estudante e o interessado em história do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Isso significa a verdadeira democratização da informação. E mais. Com a ajuda das secretarias de Cultura dos diversos Estados e de várias universidades, através de suas editoras, pudemos editar os catálogos, colocando no papel e ao alcance de todos as informações resumidas que remeterão aos documentos em verdadeiros fac-símiles, captados pela microfilmagem e digitalização. Até junho do ano 2001, estarão no Brasil todos os documentos do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, onde se concentram cerca de 80% dos documentos sobre o Brasil existentes no exterior.

E agora?
O trabalho do Ministério da Cultura não parou no Arquivo Histórico Ultramarino. No próximo ano, avançaremos com a documentação de outros arquivos portugueses, como o da Torre do Tombo, e a de arquivos espanhóis, franceses, holandeses e italianos. Este ano, estamos fazendo um mapeamento nesses países, para sabermos o que microfilmar e onde. Até o final de 2000, estaremos com quatro guias publicados. A partir deles, vamos definir, juntamente com os pesquisadores, o que microfilmar primeiro. Creio que, pela sua importância, já podemos pensar na documentação dos arquivos espanhóis de Simancas, Sevilha e Tenerife, referentes ao período colonial brasileiro, e nos documentos da Nunciatura em Lisboa no Arquivo Secreto do Vaticano. O Projeto Resgate situa-se na linha dos projetas especiais do Ministério da Cultura, diretamente ligado ao meu gabinete em Brasília. É um projeto emblemático.

Como o senhor situa o Projeto na importância de preservar e valorizar melhor a memória brasileira e como uma forma de entender melhor o Brasil atual?
Como professor universitário e pesquisador de ciência política, posso dizer da imensa capacidade que tem o povo brasileiro de encontrar em si mesmo as forças de sua permanente renovação. Nada explicaria este  imenso território e esta força sempre renovada se os brasileiros não tivessem um passado do qual podem orgulhar-se. É exatamente para relembrar os momentos do passado, para conhecer e melhor interpretar o que somos hoje, que esses documentos nos ajudarão, e muito, a valorizar a memória brasileira, a valorizar cada construção, cada estrada, cada árvore, cada animal, cada montanha, pois o ambiente que nos cerca é o cenário em que se desenrolou a nossa história. Se passamos por momentos mais difíceis e até incompreensíveis aos olhos de hoje, podemos sempre melhorar com a compreensão dos erros do passado.

E como isso pode influenciar a autoestima brasileira?
Conhecer melhor como foi fundada a nação brasileira, antes e depois da Independência, é talvez a forma de reflexão que levará cada vez mais o povo brasileiro a ser senhor do seu destino. O Brasil depende de nós. Nós somos o Brasil, como no passado colonial foram os habitantes destas terras, índios, negros e brancos amalgamados, que venceram as montanhas, cruzaram os rios e levaram as fronteiras do Brasil de hoje aos extremos nunca sonhados pelos que aqui primeiro chegaram às nossas praias.

Francisco Weffort: O ministro da Cultura do Brasil é professor titular do departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP). Foi eleito chefe desse departamento em 1994. É também presidente do Conselho Superior da F acuidade Latino-Americana de Ciências Sociais. Paulista da cidade de Quatá, no oeste do Estado, tem o título de doutor em Ciência Política pela USP. Já lecionou e pesquisou nos Estados Unidos, Inglaterra, Chile e Argentina. Tem livros publicados no Brasil, Chile e Costa Rica.

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