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Memória

Ajuda ao tratamento do estresse pós-traumático

Pesquisadores demonstram em ratos ser possível melhorar técnica de sessão de extinção de memória, terapia comportamental usada no tratamento de pessoas com síndrome do pânico e estresse pós-traumático

Novartis/Flickr

Pesquisadores submeteram ratos a treinamentos que simulam as sessões de extinçãoNovartis/Flickr

Uma equipe de pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) liderada pelo neurocientista Iván Izquierdo conseguiu demonstrar em ratos ser possível melhorar uma técnica de psicoterapia conhecida como exposição ou sessão de extinção de memória, na qual o paciente é confrontado com as situações que desencadeiam medo excessivo para aprender a lidar com ele. Esse tipo de terapia comportamental é usado geralmente no tratamento de pessoas com síndrome do pânico ou estresse pós-traumático.

Na experiência, o grupo gaúcho conseguiu sobrepor com mais eficiência memórias boas a memórias de medo, depois de submeter ratos a treinamentos que simulam as sessões de extinção. Em outras palavras, o estudo Behavioral Tagging of Extinction Learning, publicado na edição de janeiro da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), mostra que a exposição a uma simples novidade (o caso, um ambiente novo por poucos minutos) influencia a recordação  da informação de outro acontecimento.

“Talvez esse seja o trabalho mais importante que tenhamos feito nos últimos dez ou 12 anos”, comenta Izquierdo. Embora ainda se trate de um estudo experimental com roedores, o achado pode abrir possibilidades de uma nova abordagem para o tratamento de estresse pós-traumático, sem necessidade de recorrer a medicações. “Seu potencial terapêutico é muito grande, já que a sessão de extinção é o método preferido na psicoterapia das memórias de medo.”

Existem dois tipos de memória: a de longa duração e a de curta duração. Esta última é retida pelo cérebro por um período de, no máximo, três a seis horas, enquanto a primeira pode durar a vida toda. Sabe-se que as memórias de longa duração necessitam de síntese de proteínas em sinapses das células nervosas (neurônios) de uma estrutura cerebral chamada hipocampo. São as proteínas as responsáveis pela fixação mental de uma informação significativa.

O cérebro de uma pessoa submetida a situações extremas que põem sua vida em risco ou lhe causam um grande trauma, como um assalto ou a morte de uma pessoa querida, pode fixar essa lembrança tão profundamente que se desvencilhar dela vira uma tarefa árdua. A mente desse indivíduo fica condicionada a reviver o que sentiu no momento do trauma. E o estresse pós-traumático pode desencadear crises de ansiedade e de síndrome do pânico que tornam a vida diária normal quase impossível.

É aí que entra a aplicação das sessões de extinção de memória, também chamada “exposição” em terapia cognitiva. Nessas sessões, o terapeuta apresenta estímulos ou situações semelhantes às que causaram o trauma ao paciente, mas sem expô-lo ao perigo. Dessa forma, o indivíduo aprende que na maioria das vezes nada de ruim irá acontecer quando ele reviver esse evento.  O processo é habitualmente lento e às vezes penoso

Em estudos realizados com ratos, os pesquisadores da PUC-RS demonstraram que é possível melhorar a extinção expondo o animal a um ambiente novo 1 ou 2 h antes ou depois da primeira sessão de extinção.  Nesse trabalho postulam que, obviamente é possível testar esse efeito em pacientes; o efeito da novidade em humanos é amplamente conhecido e todos sabemos que não é prejudicial.  ,E bastante utilizado conhecido em outras situações neuropsiquiátricas.

Na experiência, roedores traumatizados foram expostos a um ambiente novo e neutro num período que variou de uma a duas horas antes a uma a duas horas depois da primeira sessão de extinção. Essa exposição acelerou a extinção da memória traumática, porque a novidade estimula a produção de proteínas novas em sinapses do hipocampo. Essas novas proteínas se fixam nas marcas deixadas por proteínas das lembranças desagradáveis. O processo é conhecido como behavioral tagging (marcação comportamental) e se baseia na interação das proteínas geradas numa determinada sinapse (pelo trauma) com outras geradas por outras sinapses (as que detectam a novidade), fenômeno conhecido como synaptic tagging (marcação sináptica).

“Nossa experiência comprovou que há marcação sináptica na sessão de extinção. Até então sabíamos que tal fenômeno bioquímico ocorria na consolidação da memória, mas ninguém sabia que isso era possível também no processo de extinção”, explica Jociane Myskiw, professora do Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUC-RS e uma das autoras do estudo.

Base para o estudo
O estudo parte do princípio de que somos bombardeados diariamente por novas informações, conta Jociane. De acordo com ela, a questão a ser respondida é o motivo pelo qual alguns fatos, a princípio irrelevantes, são guardados na memória, enquanto outros são perdidos.

Em situações relevantes, as sinapses são marcadas por proteínas e se tornam fortemente ativas. Já fatos sem importância são marcados de forma mais fraca. Mas as sinapses de alguns acontecimentos irrelevantes “roubam” a proteína de uma memória significativa e fazem um fato sem valor ser fixado na memória.

“Por exemplo, um evento de que as pessoas se recordam são os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque. Certamente muitos se lembram de algumas informações irrelevantes, mas que foram fixadas em suas mentes graças às novidades ocorridas ao longo daquele dia fatídico”, explica a professora da PUC-RS.

Entender o mecanismo por trás das alterações nas sinapses responsáveis pelo armazenamento das memórias é um dos desafios para os pesquisadores. Eles já sabem que um único neurônio tem milhares de sinapses distintas, porém é preciso que apenas algumas delas se modifiquem para formar uma memória. “Ao longo dos últimos anos, diversos trabalhos mostraram que a ‘potenciação’ de uma memória efêmera por uma memória duradoura também ocorre em diversos modelos animais, utilizando mecanismos semelhantes aos da marcação sináptica. Mas neste trabalho recente feito na PUC-RS foi demonstrado que o mesmo mecanismo também se aplica à extinção de memórias aversivas – ou seja, ao aprendizado de uma nova associação que se sobrepõe a uma memória de medo estabelecida”, comenta Olavo Amaral, professor do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Na avaliação do professor da UFRJ, este achado poderá representar um ganho para os pacientes com estresse pós-traumático. “A demonstração de que a extinção pode ser modulada por outro aprendizado ocorrido pouco tempo antes constituiria uma forma de modulação simples deste processo, que poderia ser realizada sem custo em qualquer consultório”, acrescenta o professor. “Resta esperar, porém, para ver se o que foi encontrado em ratos vale também para humanos num contexto terapêutico”

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