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Bibliometria

Alcance amplificado

Relatório que calcula o fator de impacto de periódicos científicos evidencia evolução positiva de revistas do Brasil

O Journal Citation Reports (JCR), relatório da empresa Clarivate que avalia anualmente o impacto de milhares de revistas científicas do mundo, mostra em sua edição mais recente uma evolução positiva no desempenho dos periódicos do Brasil, apesar de dificuldades de financiamento que muitos vêm enfrentando. Entre cerca de 130 títulos do país avaliados, nove tiveram fator de impacto (FI) superior a 2. Isso significa que em 2019 os artigos publicados por eles no biênio anterior foram citados em periódicos mais do que duas vezes, em média. O número de citações é um indicador consagrado para mensurar a repercussão de um trabalho científico. A performance de 2019 repete a do ano anterior e é superior à de 2015, quando só três títulos do Brasil superaram a barreira das duas citações por artigo.

O principal destaque foi o Journal of Materials Research and Technology, ligado à Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração, cujo fator de impacto subiu de 3,327 em 2018 para 5,289 em 2019, desempenho inédito. Segundo o editor-chefe da revista, o brasileiro Marc Meyers, professor da Universidade da Califórnia em San Diego, o aumento ocorreu a despeito da perda recente do patrocínio de uma mineradora, que pagava o uso da plataforma da editora Elsevier. O problema foi resolvido quando a Elsevier incorporou a revista ao cardápio de títulos de sua propriedade, deixando de cobrar pelo serviço de publicação. “Com isso, nós, os editores, que trabalhávamos de modo voluntário, passamos até a receber um pequeno salário no ano passado.”

Meyers não esperava tamanho aumento no impacto porque o número de artigos publicados cresceu. “A revista é de acesso aberto e os autores pagam uma taxa para publicar os manuscritos selecionados. A editora tem interesse em publicar mais artigos e ampliamos a quantidade deles no ano passado. Achei que o impacto poderia ser diluído”, afirma Meyers. A maior parte dos papers vem de países como China, Índia e Irã. Meyers vem apostando em artigos sobre temas emergentes. “Estamos privilegiando assuntos como materiais nanocristalinos, soldagem especial e ligas de alta entropia.”

Journal of Materials Research and Technology
Área
Metalurgia, Ciência dos materiais
Fator de impacto
2017 3,398
2018 3,327
2019 5,289

Perspectives in Ecology and Conservation
Área
Conservação da biodiversidade
Fator de impacto
2017 2,766
2018 2,565
2019 3,563

Diabetology & Metabolic Syndrome
Área
Endocrinologia e metabolismo
Fator de impacto
2017 2,413
2018 2,361
2019 2,709

Brazilian Journal of Medical and Biological Research
Área
Biologia, medicina experimental
Fator de impacto
2017 1,492
2018 1,850
2019 2,023

Brazilian Journal of Physical Therapy
Área
Ortopedia e reabilitação
Fator de impacto
2017 1,699
2018 1,879
2019 2,100

Journal of the Brazilian Society of Mechanical Sciences and Engineering
Área
Engenharia mecânica
Fator de impacto
2017 1,627
2018 1,743
2019 1,755

Neotropical Ichthyology
Área
Zoologia
Fator de impacto
2017 1,216
2018 1,543
2019 1,741

Scientia Agricola
Área
Agricultura
Fator de impacto
2017 1,383
2018 1,434
2019 1,625

Food Science and Technology
Área
Ciência dos alimentos
Fator de impacto
2017 1,084
2018 1,223
2019 1,443

A Perspectives in Ecology and Conservation também comemora a elevação de seu fator de impacto: de 2,565 em 2018 para 3,563 no ano passado. Igualmente, enfrenta desafios para se financiar. Vinculado à Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (Abeco), o periódico da área de biodiversidade vai perder a partir de 2021 o patrocínio que recebe de uma fundação desde seu lançamento, quando se chamava Natureza e Conservação. Há seis anos, ela migrou para a plataforma da Elsevier e o patrocínio da fundação é fundamental para custear as despesas e permitir que os autores dos artigos selecionados publiquem em acesso aberto sem pagar por isso. “Se passarmos a cobrar, tememos afastar autores jovens. Se abrirmos mão do acesso aberto, podemos perder visibilidade”, diz o editor-chefe Jean Paul Metzger, ecólogo do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). Ele atribui o aumento do número de fator de impacto a estratégias adotadas há quatro anos, quando a publicação diversificou o corpo de editores e agilizou a avaliação de manuscritos. Alguns artigos que receberam muitas citações estão vinculados à discussão de políticas públicas, como o código florestal brasileiro, ou a temas de repercussão, como o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG).

As revistas editadas por Meyers e Metzger são as únicas brasileiras que pertencem ao extrato mais influente de publicações do Journal Citation Reports, o chamado primeiro quartil, que reúne os 25% de títulos com maior fator de impacto em suas áreas. O contingente é pequeno quando comparado ao de outros países. Os Estados Unidos, com mais de 4 mil títulos no JCR, têm cerca de mil entre os de melhor desempenho. “Temos pelo menos uma dezena de publicações em condições de alcançar esse pelotão de elite em algumas áreas e deveríamos investir no crescimento da visibilidade delas para ampliar o impacto da pesquisa feita e comunicada no Brasil. A maioria tem contribuições decisivas para o avanço da pesquisa do Brasil em contextos altamente competitivos e sem condições que favoreçam o aumento rápido do fator de impacto”, afirma Abel Packer, coordenador da biblioteca SciELO Brasil, iniciativa criada pela FAPESP em 1997 que hoje reúne quase 300 revistas de acesso aberto. Entre aquelas com desempenho consolidado, destacam-se Scientia Agrícola, das ciências agrárias, e Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, da área de medicina tropical e parasitologia humana, ambas da coleção SciELO.

A zoologia é outra área profícua em revistas do Brasil. Dos 168 periódicos dessa área catalogados no mundo pelo JCR, oito são do país e três estão próximos de alcançar o primeiro quartil. Um dos destaques é a Neotropical Ichthyology, dedicada ao estudo de peixes das Américas do Sul e Central. Publicada em acesso aberto desde 2003 pela Sociedade Brasileira de Ictiologia, alcançou um fator de impacto de 1,741 neste ano, recorde em sua trajetória. Segundo a editora-chefe Carla Pavanelli, bióloga da Universidade Estadual de Maringá, a publicação tem buscado ampliar sua visibilidade. Quase a metade do corpo editorial é composta por pesquisadores de instituições de fora do país e a divulgação dos artigos vem sendo reforçada nas mídias sociais. Segundo ela, a descrição de novas espécies é frequente, mas esse tipo de achado rende poucas citações. Para ampliar o interesse, a revista passou a incluir o status de conservação de espécies descobertas, alertando se estão em risco de extinção. “Isso atrai o interesse de pesquisadores do campo da conservação.”

Pavanelli atribui o crescimento do fator de impacto a um processo cumulativo de conquista de prestígio. “Tenho críticas ao uso do fator de impacto, mas o fato é que ele é um parâmetro de avaliação nos nossos programas de pós-graduação. E, quando o impacto de uma revista aumenta, ela chama a atenção e atrai mais trabalhos de qualidade”, explica. Para Packer, da SciELO, “a capacidade nacional de fazer boa pesquisa se traduz também na capacidade de fazer periódicos de alto impacto” e um entrave para o desempenho dos periódicos do país é a política de avaliação da pós-graduação do Brasil, que recompensa melhor pesquisadores que conseguem publicar em títulos de alto impacto do exterior. “Isso faz com que as boas publicações de qualidade do Brasil tenham dificuldade de atrair os melhores artigos dos nossos pesquisadores. Muitas vezes essa barreira é superada com artigos de qualidade do exterior”, explica.

Periódicos do Brasil que integram a coleção SciELO passaram por um processo de qualificação nos últimos 15 anos: boa parte deles começou a publicar artigos apenas em inglês, atraindo mais autores do exterior, e a adotar estratégias de divulgação de sua produção. “Os periódicos que se saíram melhor são aqueles cujos editores tomaram medidas concretas de governança no sentido de aumentar a visibilidade internacional mantendo o foco no desenvolvimento da pesquisa do Brasil e publicação em acesso aberto”, diz Packer. Um exemplo é uma revista da área de engenharia de alimentos, a Food Science and Technology, que internacionalizou seu corpo editorial e ampliou o rigor na seleção de artigos. “Nossa taxa de rejeição cresceu – hoje supera os 60% dos artigos recebidos – e colocamos pesquisadores de várias partes do mundo no nosso corpo editorial, além de adicionar editores associados. Agora colhemos os frutos”, diz o editor-chefe Adriano Cruz, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. O fator de impacto subiu de 1,084 em 2017 para 1,443 em 2019.

Um exemplo de renovação é o Brazilian Journal of Medical and Biological Research, que obteve em 2019 um fator de impacto de 2,023, o mais elevado em seus 40 anos de trajetória. Editado pela Associação Brasileira de Divulgação Científica, federação de sociedades científicas de várias áreas do conhecimento, o periódico vem ampliando seus tópicos de interesse. “A revista conseguiu manter o tônus nas áreas em que tem tradição, como farmacologia e fisiologia, e começou a trazer trabalhos sobre câncer, epidemiologia e biologia molecular, e alguns em biologia”, diz o hematologista Eduardo Magalhães Rego, editor-chefe e professor da Faculdade de Medicina da USP. “A estratégia não foi criada para aumentar a pontuação, mas para publicar trabalhos relevantes e tornar a revista mais atraente.”

Há uma singularidade em sua trajetória: com seu espectro variado de assuntos e fator de impacto em alta, ela foi descoberta por autores da China, que em número cada vez maior submetem seus manuscritos a ponto de se tornarem maioria entre os papers aceitos. “Há um fator importante que é a experiência que os autores chineses tiveram conosco. Eles têm segurança de que receberão uma revisão adequada”, diz Rego, que implementou mudanças no passado recente para tornar mais rápido o processo de avaliação e a resposta a autores que submetem trabalhos. Segundo o editor, a quantidade de trabalhos competitivos vindos da China impressiona. “É um retrato de como a ciência vem evoluindo naquele país.”

Entre os periódicos do Brasil que ampliaram seu desempenho, há exemplos que adotaram um modelo de publicação híbrido, com acesso restrito a assinantes por tempo a ser determinado pela editora, a menos que os autores paguem uma taxa para disponibilizar seus papers de forma aberta na internet. O Brazilian Journal of Physical Therapy ampliou seu fator de impacto de 1,226 em 2016, quando funcionava em acesso aberto, para 1,699 no ano seguinte, quando adotou o modelo híbrido e passou a ser editado pela Elsevier. No JCR de 2019, o índice alcançou 2,100. A melhora é atribuída a estratégias adotadas ainda nos tempos em que pertencia à coleção SciELO. Em 2016, ele deixou de ser bilíngue para publicar apenas em inglês. Mais recentemente, ganhou quatro editores-chefes; um deles é o canadense Guy Simoneau, que editou o prestigioso Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, atualmente com fator de impacto 3,839. De acordo com a editora-chefe Paula Rezende Camargo, do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos, o modelo híbrido não atrapalhou a visibilidade da revista. “As universidades têm assinaturas dos periódicos por meio do Science Direct. Além disso, o embargo de um ano imposto pela Elsevier aos artigos recém-publicados vem sendo na prática de poucas semanas. Isso também facilita o acesso não só aos acadêmicos e pesquisadores, mas também aos fisioterapeutas da área clínica”, afirma.

Esse caminho também foi trilhado pelo Journal of the Brazilian Society of Mechanical Sciences and Engineering, cujo fator de impacto subiu de 1,627 em 2017 para 1,755 em 2019. O desempenho começou a crescer com sua transferência para uma editora comercial, a Springer, há oito anos. “Passamos a receber um volume maior de artigos”, diz o editor-chefe Marcelo Areias Trindade, da Escola de Engenharia de São Carlos da USP. Segundo ele, 5% das submissões em 2019 vieram do sistema TransferDesk, da Springer, que envia manuscritos rejeitados por estarem fora do escopo de uma publicação para outros títulos da editora em que se encaixem melhor. “Isso aumenta a visibilidade porque mais autores passam a considerar a revista como opção”, explica. Segundo ele, a decisão de adotar o modelo híbrido foi estratégica. A Associação Brasileira de Engenharia e Ciências Mecânicas ressentia-se do custo de editar o periódico e de seu impacto limitado. “Com a mudança, os dois problemas foram equacionados.” Embora 80% dos artigos venham do exterior, Trindade preocupa-se com a quantidade restrita de manuscritos dos grandes centros produtores de conhecimento. “Queremos mais artigos da Europa e dos Estados Unidos”, diz.

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