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FAPESP – 60 ANOS

Além das fronteiras

Em seis décadas de atuação, a Fundação contribuiu para fortalecer o sistema brasileiro de ciência, tecnologia e inovação

São Paulo, Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto (sentado), assinou os atos de criação da FAPESP

Arquivo Público do Estado de São Paulo

Em 60 anos de história, comemorados em maio, a FAPESP financiou aproximadamente 320 mil projetos de pesquisadores de instituições paulistas em todas as áreas do conhecimento e ajudou a consolidar o estado na liderança da produção científica do país. A influência da Fundação na formação de recursos humanos e no apoio à pesquisa básica e aplicada não se limitou a São Paulo, mas deixou marcas duradouras também no sistema brasileiro de ciência e tecnologia. Em várias ocasiões, o desenho de programas idealizados na instituição ajudou a inspirar iniciativas de abrangência nacional.

O Programa Genoma-FAPESP, que reuniu 192 pesquisadores em uma rede virtual de 60 laboratórios no final da década de 1990 para sequenciar o DNA de vários organismos, contribuiu para o surgimento de ações no país em moldes semelhantes. Em 2000, ano em que a revista Nature publicou os resultados do sequenciamento da bactéria Xylella fastidiosa pela rede paulista, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) criou a rede nacional do projeto Genoma Brasileiro, composta por 240 cientistas de 18 estados, com a tarefa inicial de decifrar o código genético da Chromobacterium violaceum, bactéria de importância para a biotecnologia. “Não por coincidência, o CNPq escolheu o coordenador do programa paulista, o bioquímico Andrew Simpson, para liderar e garantir o sucesso da iniciativa federal”, lembra o físico José Fernando Perez, diretor científico da Fundação entre 1993 e 2005. Ele se recorda de um telefonema que recebeu de Wanderley de Souza, à época secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro. “Ele disse que o governador do Rio estava impressionado com o nosso programa e propôs uma parceria.” Uma colaboração foi celebrada com o pesquisador Jesus Ferro, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal, uma das lideranças do programa paulista, que gerou uma biblioteca de DNA para os colegas fluminenses.

Outro caso bem estabelecido é o do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), lançado pela FAPESP em 1997. A exemplo do que aconteceu com o Genoma-FAPESP, o Pipe se baseava em uma iniciativa dos Estados Unidos. O formato era o mesmo do Programa Pesquisa para a Inovação em Pequenas Empresas (SBIR), criado em 1982 e por meio do qual agências de fomento à pesquisa norte-americanas destinam recursos para o apoio de pequenas empresas inovadoras.  O Pipe estava em seu quinto ano de existência quando a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência do governo federal, lançou uma iniciativa semelhante: o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe). Mas em São Paulo o programa federal teve um formato peculiar. Graças a um acordo entre a diretoria científica da FAPESP e o então presidente da Finep, Sergio Machado Rezende, o Pappe apoiou apenas projetos paulistas da Fase 3 do Pipe, que já haviam recebido apoio da FAPESP e se encontravam maduros e próximos da aplicação comercial. Nos demais estados, a Finep financiava também propostas em fases iniciais.

Embora a Fundação não possa financiar diretamente projetos de cientistas e instituições de outros estados, o impacto de sua atuação sempre superou as fronteiras de São Paulo. Em 2008, a FAPESP levantou o perfil dos pesquisadores agraciados com bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado entre 1992 e 2002. O mapa da trajetória profissional dos ex-bolsistas em 12 campos do conhecimento mostrou que a maioria deles – de 70,3% a 83,8%, dependendo da área – estava em São Paulo, mas um número significativo exercia atividade profissional em outros estados e países. Os destaques foram as áreas da saúde e agronomia e veterinária, cujos ex-bolsistas estavam distribuídos por 24 estados. “Em consequência do apoio aos pesquisadores paulistas e às instituições de ensino superior, foram titulados no estado de São Paulo, por vários anos, mais de 70% dos doutores brasileiros”, explicou o presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago, em um artigo publicado neste ano na revista Estudos Avançados. “Ainda em 1996, 67% dos doutorados foram realizados em São Paulo e entre 1996 e 2017, a porcentagem dos doutores aqui titulados foi de 44,3% do total. Dessa forma, a FAPESP contribuiu também para o desenvolvimento das universidades federais de todos os estados brasileiros.”

A FAPESP pode apoiar projetos e bolsas de pesquisadores paulistas cujo objeto de estudo esteja fora de São Paulo e sempre fomentou colaborações com cientistas de outros estados e do exterior. Não por acaso, é a agência brasileira que mais apoia estudos sobre a Amazônia: já aprovou 895 projetos e 1.612 bolsas, muitos dos quais vinculados a programas especiais da Fundação. “A Amazônia sempre foi um assunto relevante para nós, devido à importância daquela região para o Brasil e para o mundo”, afirma o físico Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente do Conselho Superior da Fundação entre 1996 e 2002 e diretor científico entre 2005 e 2020. Em 2014, ele participou de um simpósio em Washington, nos Estados Unidos, que apresentou os resultados de projetos de pesquisa sobre a floresta tropical. “A Amazônia se liga a dois dos principais programas da FAPESP”, explica, referindo-se ao de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (Biota) e o de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.

Mas talvez a principal contribuição da FAPESP para o sistema brasileiro de ciência e tecnologia tenha sido a de servir de exemplo para a criação de fundações de amparo à pesquisa em outros estados. É certo que o modelo pioneiro da FAPESP demorou para se disseminar. Em 1964, surgiria a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), mas apenas na década de 1980 Minas Gerais e Rio de Janeiro lançariam suas agências. Se hoje há fundações similares em 26 das 27 unidades da federação (a exceção é Roraima), foi só nos anos 2000 que elas despontaram, muitas por força de dispositivos em suas constituições estaduais. “A FAPESP auxiliou várias dessas fundações a se estruturarem”, afirma Brito Cruz.

Arquivo Público do Estado de São Paulo Em 15 de dezembro de 1997, o então governador Mario Covas anunciou no Palácio dos Bandeirantes as primeiras empresas com projetos selecionados pelo programa PipeArquivo Público do Estado de São Paulo

Para além de aspectos formais, a FAPESP ajudou a modular os debates sobre o financiamento à pesquisa nos estados. Flávio Fava de Moraes, diretor científico da Fundação entre 1985 e 1993, menciona um embate travado no estado de São Paulo que reverberou pelo país: a ampliação, na Constituição estadual paulista de 1989, do percentual da arrecadação tributária estadual destinado à FAPESP, de 0,5% para 1%. “A comunidade científica, com forte liderança da Fundação, decidiu solicitar a ampliação do índice de financiamento”, explica Fava, que juntamente com o então diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, Alberto Carvalho da Silva (1916-2002), peregrinou pelos gabinetes dos deputados estaduais e pelo Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual paulista, advogando a mudança.

“Me lembro de uma madrugada em que recebi um telefonema de um professor da USP alertando que a mudança no percentual estava sendo discutida naquele momento pelos deputados e corria risco de ser removida. Peguei meu carro e fui para a Assembleia”, recorda-se Fava. Ele conta que conseguiu conversar com o relator da nova Constituição, o deputado Barros Munhoz, que confirmou o impasse: um grupo de deputados argumentava que a vinculação da arrecadação para a FAPESP seria injusta com outras fundações estaduais – todas deveriam entrar na Constituição ou a FAPESP deveria sair. O impasse só seria resolvido, diz Fava, quando, em articulação com o então governador Orestes Quércia, propôs-se que os recursos da FAPESP fossem aplicados não só no desenvolvimento científico, mas também no tecnológico – o que ampliou os desafios da agência. “O 1% foi aprovado por unanimidade. Isso foi muito bom para a Fundação, que pode cumprir com mais propriedade seu papel de fomentar a pesquisa em todos os campos do conhecimento.”

FAPESP serviu de modelo para a criação de fundações de amparo à pesquisa em outros estados

A ampliação do percentual em São Paulo reverberou nas assembleias constituintes de outras unidades da federação. Alberto Carvalho da Silva foi a vários estados para conversar com governadores e parlamentares, defendendo a replicação do dispositivo sobre o financiamento à FAPESP. “Me recordo que o presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul era um entusiasta da ideia de vincular recursos para a Fapergs. Ele contou com forte apoio dos colegas gaúchos que já conheciam bem os êxitos ocorridos em São Paulo”, diz Fava. A Constituição gaúcha estabeleceu um percentual superior ao de São Paulo, de 1,5% da receita líquida, para a fundação estadual.

Esse esforço teve impacto limitado, já que a previsão da vinculação em constituições e leis não impediu que a destinação dos recursos fosse descumprida em vários estados ou tivesse de se ajustar a suas crises orçamentárias. São Paulo seguiu como exemplo isolado: desde que o repasse mensal de 1% da receita tributária foi inscrito na Constituição paulista de 1989, o estado nunca mais atrasou um pagamento à FAPESP. Criada com personalidade jurídica de uma fundação de direito privado, a FAPESP administra seu orçamento de forma autônoma. Pode usar os recursos que recebe para criar um patrimônio rentável, cujos dividendos permitam a manutenção de longo prazo de bolsas e projetos de pesquisa.

O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, presidente da FAPESP entre 2007 e 2015, afirma que a criação da Fundação foi influenciada pelo relatório “Science, the endless frontier” (Ciência, a fronteira sem fim), publicado em julho de 1945 e elaborado pelo engenheiro norte-americano Vannevar Bush (1890-1974), que considerava a interdependência da ciência básica e aplicada, a manutenção de comunidade científica livre e independente e participação da indústria e dos empresários privados nos esforços de pesquisa. “Desde sua concepção, a FAPESP não fazia distinção entre pesquisa básica e aplicada e apoiou todos os campos do conhecimento. Começou atendendo a demanda de balcão de bolsistas e logo aprofundou sua contribuição com programas e projetos mais ousados e de prazo longo”, diz o ex-chanceler, que marcou seu período na FAPESP pelos esforços para internacionalizar a ciência paulista, celebrando uma rede de acordos de colaboração com instituições de pesquisa e universidades no mundo.

O fato de a Fundação ter recursos suficientes para atender as necessidades ordinárias da comunidade científica permitiu que ela, ao longo do tempo, idealizasse iniciativas inovadoras. Flavio Fava de Moraes menciona o exemplo do Programa para o Desenvolvimento da Bioquímica (Bioq-FAPESP), instituído em 1971. Foi a primeira experiência da Fundação na indução da produção do conhecimento em uma área emergente. “O Bioq-FAPESP também estimulou o trabalho articulado de diferentes grupos de pesquisa e serviu como piloto, na minha gestão, para a promoção de projetos robustos envolvendo redes de pesquisadores, os chamados projetos temáticos”, diz Fava.

“A FAPESP teve capacidade de ousar e exerceu esse potencial”, diz José Fernando Perez. Ele explica que a Fundação conseguiu criar um ambiente fértil e único nas agências brasileiras. “As coordenações de área se reuniam semanalmente e eu, como diretor científico, tinha a oportunidade de conversar com lideranças importantes da comunidade e expor a visão da FAPESP. Essa riqueza de interações talvez distinga a FAPESP das outras agências”, afirma. “Essa interface pouco visível entre a FAPESP e a comunidade científica permitiu que a Fundação criasse pioneiramente muitos de seus programas.” Segundo ele, foi por recomendação de coordenadores adjuntos e de área que vários programas foram lançados na sua gestão, a exemplo do Genoma, do SciELO, do Biota, do Pipe, alguns deles baseados em experiências internacionais.

O neurocientista Luiz Eugênio Mello, o atual diretor científico da FAPESP, foi coordenador adjunto entre 2003 e 2006 e se lembra das discussões que resultaram em programas importantes da Fundação. “Há um interessante ditado popular que diz ser fácil ser engenheiro de obra pronta ou ser profeta do passado”, afirma. “Nesse sentido, é importante dizer que várias das iniciativas altamente relevantes desenvolvidas pela FAPESP (Temáticos, Genoma, SciELO, para citar alguns) foram objeto de discordância na comunidade. Talvez seja sempre assim com desafios e terrenos novos. As diferentes forças que tensionam os sistemas também estiveram na origem e no desenvolvimento dos novos projetos e programas na FAPESP. De fato, a ciência floresce com base na discordância científica desde que essa não descambe para o conflito pessoal.”

Zelo na prestação de contas da Fundação
Gerente de Auditoria se aposenta após 55 anos de trabalho

FAPESPMoreira: respeito pelo dinheiro públicoFAPESP

Em 1967, quando a FAPESP funcionava em algumas salas de um prédio no nº 352 da avenida Paulista, Zeferino Ribeiro Moreira, aos 18 anos, foi contratado como mensageiro. Natural de Abaíra (BA), havia chegado a São Paulo quatro anos antes. Em 15 de abril, Moreira aposentou-se, depois de 55 anos de serviços prestados à Fundação, no mesmo ano em que a instituição comemora seis décadas de atividades. Era o funcionário com mais tempo de casa na história da FAPESP.

Moreira estudou contabilidade e passou por vários departamentos até assumir a Gerência de Auditoria, cuja equipe de 16 pessoas audita os processos que envolvem as prestações de contas das despesas dos projetos subsidiados pela Fundação. É um trabalho minucioso, que exige extremo zelo para observar a legislação que rege a execução de recursos públicos, inclusive para proteger os outorgados de futuros questionamentos. A Gerência de Auditoria analisa cerca de 10 mil processos anualmente, em média – Moreira trabalhou no setor por 37 anos. Os pesquisadores e bolsistas que tiveram apoio da FAPESP nas últimas décadas, em algum momento receberam uma carta assinada por ele comunicando a aprovação de projeto ou bolsa ou avisando sobre determinada pendência a ser resolvida.

“Todo o sistema de auditoria da Fundação, que é altamente respeitado, deve muito à liderança de Zeferino”, afirmou Fernando Menezes de Almeida, diretor administrativo da FAPESP. “Zeferino sempre teve um imenso zelo pelo patrimônio público”, diz Camilo Cardoso, que trabalhou 31 anos com ele e o substituiu como gerente de Auditoria.

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