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Boas práticas

Aliança entre revistas e universidades

Documento sugere avisar primeiro a instituição e só depois o acusado quando há uma suspeita grave de má conduta

luana geigerUm grupo de pesquisadores e gestores propôs em maio novas diretrizes para coordenar o trabalho de revistas e instituições científicas no enfrentamento de casos de má conduta. O documento traz recomendações que procuram definir os papéis que cabem a universidades e a editores, esboçando um novo conjunto de boas práticas para complementar as regras estabelecidas em 2012 pelo Committee on Publication Ethics (Cope), fórum internacional de editores que discute problemas ligados à ética na pesquisa. A proposta foi apresentada para discussão no 5º Congresso Mundial de Integridade Científica, realizado em Amsterdã, Holanda, entre os dias 28 e 31 de maio.

Intitulado “Cooperação e ligação entre universidades e editores (Clue)”, o documento traz como principal novidade a ideia de criar registros nacionais de escritórios responsáveis por lidar, dentro de cada instituição científica, com investigações de suspeitas de fraudes, falsificações ou plágio e o contato de seus responsáveis. A recomendação parece uma medida meramente burocrática, mas busca auxiliar os editores numa missão complexa, que é definir quem deve ser procurado para esclarecer indícios de problemas em um paper já publicado. Os periódicos costumam acionar em primeiro lugar o próprio autor do artigo científico. Mas há críticas a essa rotina, pois ela dá chance a que o autor mal-intencionado obstrua a investigação que será realizada posteriormente por sua instituição.

O Clue sugere que os periódicos criem regras internas que considerem alertar as instituições antes de avisar os pesquisadores, ainda que apenas em situações específicas. “Isso só deve acontecer em casos em que a revista tiver fortes suspeitas de fabricação ou falsificação de dados”, disse ao site Retraction Watch a zoóloga inglesa Elizabeth Wager, que entre 2009 e 2012 foi presidente do Cope. Wager é uma das autoras do Clue, escrito em parceria com especialistas como Zoë Hammatt, diretora da divisão de educação do Escritório de Integridade Científica (ORI), que supervisiona as pesquisas no âmbito do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, e Chris Graf, diretor de integridade científica da editora Wiley.

A criação de registros nacionais de escritórios de integridade científica e de seus responsáveis ajudaria os editores a procurar a pessoa certa nesses casos extremos. Segundo o documento, é comum que editores busquem estabelecer um contato informal com as universidades antes de comunicar oficialmente suspeitas relacionadas a um artigo. Ocorre que esse expediente é considerado irregular em alguns países. Nos Estados Unidos, por exemplo, contatos desse tipo precisam ser documentados e as universidades podem ser processadas se revelarem a terceiros que um de seus pesquisadores está sendo investigado internamente. Uma alternativa aos registros nacionais, segundo Wager, seria exigir que autores informassem os contatos do responsável pelo escritório de integridade científica de sua instituição quando submetessem um artigo para publicação. “Nem seria necessário divulgar esses contatos no artigo, pois eles só seriam utilizados em caso de necessidade”, propôs.

Outra sugestão inovadora é que as universidades criem instâncias internas encarregadas de rapidamente responder a perguntas apresentadas por editores e que sejam capazes de avaliar se são confiáveis os resultados de um artigo sobre o qual surgem suspeitas. Essa instância funcionaria de forma independente dos comitês de sindicância que investigam se autores são culpados ou inocentes de má conduta. A ideia busca resolver um descompasso crônico: embora as revistas estejam interessadas prioritariamente em saber se os resultados de um artigo são ou não robustos para decidir se é o caso de retratá-lo, muitas universidades e escritórios de integridade científica estão preparados apenas para determinar se houve má conduta, em longos e caros processos de sindicância. A estrutura proposta no documento busca garantir que erros em pesquisa, cometidos sem intenção ou resultados de negligência, sejam averiguados de forma rápida – sem prejuízo de que se apure em seguida se houve de fato má conduta. “Um sistema desse tipo ajudaria as revistas a verificar logo se há problemas em artigos publicados e a alertar seus leitores”, afirmou Elizabeth Wager.

luana geigerColaboração
As recomendações do Clue começaram a ser formuladas em um evento realizado em Heidelberg, na Alemanha, promovido em julho de 2016 pela Organização Europeia de Biologia Molecular (Embo), que reuniu editores e dirigentes de universidades para discutir formas de melhorar a colaboração entre instituições científicas e revistas em episódios de má conduta. As recomendações foram publicadas em maio no repositório de preprints bioRxiv e logo repercutiram. O biólogo molecular e jornalista científico Leonid Schneider, responsável pelo blog For Better Science, afirmou que a criação de uma estrutura para apurar a confiabilidade de uma pesquisa não garante que a instituição promova uma investigação sem viés. Ele citou o caso da farmacologista alemã Kathrin Maedler, que foi acusada de duplicar imagens em artigos científicos e inocentada em uma sindicância feita pela Universidade de Bremen, sob o argumento de que, apesar da manipulação, os resultados da pesquisa estavam corretos e foram confirmados por outros grupos.“Uma instituição estimulada a avaliar a qualidade de um paper manipulado pode agir de forma tendenciosa, limitar-se a dizer que os resultados são confiáveis e deixar de pedir a retratação do artigo. Isso já aconteceu antes”, afirmou Schneider.

Já o bioengenheiro Nikolai Slavov, professor da Universidade Northwestern, Estados Unidos, sugeriu incorporar às diretrizes do Clue uma ideia defendida por ele em 2015 na revista eLife: que os editores de periódicos passem a considerar as críticas a artigos recém-publicados feitas por pesquisadores em plataformas on-line, um tipo de avaliação por pares realizado depois da divulgação dos papers – e exijam dos autores uma resposta pública em no máximo 30 dias, quando alguma falha for apontada.

O documento traz outros tópicos para discussão. Aos editores, recomenda que dados brutos de pesquisa e comentários feitos por revisores sobre manuscritos sejam armazenados por pelo menos 10 anos – nos Estados Unidos, o limite de tempo obrigatório para artigos da área biomédica é de seis anos hoje. Para as universidades, uma recomendação é tornar rotineiro o compartilhamento com editores de periódicos dos relatórios de investigações de casos de má conduta que realizaram. Isso é comum em instituições de vários países, mas não é uma regra.

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