WILLIAMSON/WIKIMEDIA COMMONS
Na semana passada visitei a Universidade de Cambridge, Inglaterra, e parei em duas livrarias. Numa delas, a Heffers, passei por uma bancada de livros chamada “Festival da Ciência”, com vários títulos escritos por divulgadores. Deu vontade de levar tudo.
Na minha cabeça se passava uma busca de entender para onde está indo a ciência numa das cinco melhores universidades do mundo, que ostenta em seu currículo 800 anos de existência e 88 prêmios Nobel. A posição de Cambridge varia de acordo com o ranking atual escolhido, mas ela está sempre nos primeiros lugares.
Um tema que me chamou a atenção em Cambridge foi a conexão entre a publicação de artigos científicos, os chamados papers, e a de textos jornalísticos e de divulgação. Essa não é uma preocupação nova na Inglaterra e pode inclusive ser o segredo de como o país usou e usa a ciência para se manter no topo do mundo.
Em Cambridge, quando um professor ? chamado de fellow no início da carreira ? começa a trabalhar, ganha um apartamento num dos 31 colleges (faculdades) da universidade. Ali mantém também um escritório onde recebe seus alunos. Com o tempo e a duras penas, se for um experimentalista, conquista espaço para um laboratório e tem que se manter criativo e produtivo, mesmo depois de se tornar um professor, título mais alto da carreira acadêmica.
Algo que chama a atenção dos alunos de pós-graduação brasileiros, quando chegam para trabalhar em Cambridge, é que nada nos laboratórios da universidade parece ser melhor do que existe nos laboratórios do Brasil. Às vezes, os laboratórios de Cambridge são até menos organizados e parecem não ter tantos equipamentos sofisticados quanto os nossos.
O que faz então de Cambridge uma das melhores universidades do mundo? Entender isso pode nos ajudar a fazer com que algumas das universidades brasileiras pelo menos tentem seguir esse caminho. Será que é possível? Pensando sobre isso, cheguei à conclusão de que a excelência da antiga universidade inglesa deve ter relação com quatro fatores simples, mas muito difíceis de executar, principalmente porque são tão simples que ninguém acredita que possam funcionar.
O primeiro: dar liberdade de expor novas idéias. Conversando com um colega professor, perguntei o que acontece se alguém tiver uma ideia contrária ao que todos estão pensando. Ele me disse: ?Ah, se fosse em outra universidade inglesa diriam ugh!, mas em Cambridge dirão ah! Aqui, quanto mais original, maior o prêmio?.
O segundo: divulgar, divulgar e divulgar. Em qualquer livraria em que se entra em Cambridge, são vistas obras sobre como Darwin, Newton, Maxwell, Dirac, Keynes e outros cientistas que foram brilhantes e mudaram a face do mundo com suas idéias. É um bombardeio constante. Além disso, em Cambridge a ciência não é somente feita. É pensada, criticada, discutida, negada, aceita. Há discussão o tempo todo e os debates se refletem na internet, no rádio e na TV. Nesta última não somente nos programas, mas até na propaganda, fortemente influenciada por temas científicos.
O terceiro: usar a divulgação de forma transversal. O mesmo professor, que é considerado genial por seus papers, também publica livros acadêmicos e de divulgação, participa ativamente de programas de rádio e da TV, do governo, etc. Os cientistas mais renomados são indivíduos multimídia, que não ficam somente internados em seus laboratórios. Eles participam da sociedade como intelectuais polêmicos, pois sempre estão apresentando novas ideias que podem mudar o pensamento do público.
O quarto: seja pequeno e focado ao invés de grande e disperso. A Universidade de Cambridge tem hoje cerca de 18 mil alunos, sendo que quase metade é de pós-graduação. Há apenas 3.000 professores. Mesmo assim, é forte em várias disciplinas básicas com biologia, física e química e em disciplinas aplicadas em ciências exatas e humanas como engenharia e história.
O leitor deve estar pensando: ah, mas essas devem ser características exclusivas de Cambridge! Não são, não. Basta olhar uma reportagem recente do jornal Folha de S. Paulo em que foi publicado um ranking com as 10 universidades de melhor reputação no mundo. Nove delas são como Cambridge e apenas uma, Berkeley, é relativamente grande (cerca de 35 mil estudantes). Pelo que se vê na lista, a melhor estratégia é ser pequeno, focado e forte ? e não enorme, disperso e fraco.
A principal crítica feita a esse argumento é que ele é elitista. Esse julgamento seria aceitável se o Brasil tivesse poucas universidades, o que não é o caso quando se compara com a Inglaterra. No Brasil, muito se discute sobre o papel das universidades. No caso do ranking citado, lamentou-se o fato de que as nossas melhores universidades apareceram abaixo do ducentésimo lugar e se indagou se o país quer ou não ter universidades no topo de listas como essa.
Imitar os melhores de um setor é uma receita universal. Na Inglaterra, as universidades de Cambridge e sua rival Oxford, também pequena e excelente, são símbolos que todos querem seguir. Talvez as universidades inglesas de ensino de massa sejam melhores por quererem justamente seguir as duas líderes em vários aspectos. Esse é o caso de York, que tem excelente estratégia como universidade, embora seja nova e não goze da mesma reputação das líderes.
No Brasil, USP, UFRJ, Unicamp e UnB podem ser consideradas líderes sob diversos parâmetros. Por isso são, naturalmente, exemplos a serem seguidos. Mas, diante do peso da tradição e da ?grande pequenez? que Cambridge representa, ficamos pensando que talvez o Brasil pudesse fazer algo para melhorar o lugar de nossas universidades nos rankings internacionais. Focar no que somos mais fortes e valorizar mais os intelectuais que realmente fazem com que as universidades honrem seus nomes poderiam ser duas boas medidas nessa direção. Pelo menos no caso de algumas universidades, precisamos PENSAR grande e não SERMOS grandes no número de alunos e professores. Talvez essas mudanças nos ajudem a ganhar o destaque que queremos.
Precisamos sair da inércia e agir. Enquanto nos tornamos cada vez mais admiradores de universidades como a de Cambridge, nossos competidores na Ásia e na Índia sobem nos rankings internacionais e atraem os melhores alunos e colaboradores estrangeiros.
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