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Demografia

Aos 100 anos, a demógrafa Elza Berquó ganha site na Unicamp com sua produção científica

A pesquisadora foi uma das primeiras a identificar a queda da fecundidade e o processo de envelhecimento da população brasileira

Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESPBerquó em sua casa em São Paulo, em 2017: demógrafa articula pesquisas sobre estatística, saúde pública e políticas sociaisLéo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP

A demógrafa Elza Salvatori Berquó, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), completou 100 anos em 17 de outubro de 2025. Com sete décadas de trajetória acadêmica, ela foi uma das primeiras pesquisadoras a identificar a queda da fecundidade e o processo de envelhecimento da população brasileira. Nascida em Guaxupé (MG), formou-se em matemática em 1947 na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), (SP), e defendeu o doutorado em bioestatística em 1958, na Universidade Columbia, nos Estados Unidos.

Na década de 1960, Berquó fundou o Centro de Estudos de Dinâmica Populacional (Cedip) no Departamento de Estatística Aplicada da então Faculdade de Higiene e Saúde Pública, hoje Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Foi nessa instituição que iniciou suas pesquisas sobre reprodução humana. Em 1965, ela realizou um estudo intitulado “Reprodução humana no distrito de São Paulo”, que antecipou a tendência de queda da fecundidade das mulheres no país.

Pouco depois, em 1968, a demógrafa foi afastada compulsoriamente da USP pelo regime militar (1964-1985). No ano seguinte, participou da fundação do Cebrap, onde desenvolveu trabalhos para articular conhecimentos sobre estatística, saúde pública e políticas sociais. Durante a ditadura, Berquó acolheu jovens perseguidos pela repressão em sua casa, localizada na zona Sul de São Paulo e projetada pelo arquiteto Villanova Artigas (1915-1985).

No Cebrap, ela criou um programa de formação de pesquisadoras negras. “Berquó foi pioneira em inserir discussões sobre gênero e sexualidade nos estudos populacionais, ampliando os horizontes da pesquisa demográfica”, diz a antropóloga Sandra Garcia, coordenadora do Núcleo de População e Sociedade do Cebrap, também criado por Berquó. “Seu olhar atento à saúde reprodutiva da mulher negra, à violência de gênero e raça e aos diferentes contextos de reprodução no Brasil revelou aspectos muitas vezes ignorados por análises clássicas.”

Em 1982, Berquó fundou o Núcleo de Estudos Populacionais da Universidade Estadual de Campinas (Nepo-Unicamp), que se tornou responsável pela institucionalização do ensino de demografia no Brasil. O Nepo passou a levar o nome da pesquisadora em 2014. Ela também ajudou a criar a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), em 1976, e presidiu a instituição de 1983 a 1984. Em 2021, se tornou a primeira mulher a receber o título de doutora honoris causa da Unicamp (ver Pesquisa FAPESP nº 262). Além desse reconhecimento, Berquó foi contemplada com dezenas de prêmios e honrarias: é membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pesquisadora emérita do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Em 2012, a demógrafa desenvolveu o projeto “Dar voz aos jovens”, por meio do qual narrativas de adolescentes sobre sexualidade foram transformadas em curtas-metragens. A iniciativa foi financiada pelo Cebrap e pela Fundação Carlos Chagas.

Em evento realizado no Cebrap no dia 10 de outubro para celebrar o centenário da demógrafa e que contou com a presença da homenageada, o cientista político da USP e presidente do Cebrap, Adrian Gurza Lavalle, ressaltou que Berquó criou inúmeras oportunidades ao longo de sua carreira para ampliar o acesso de grupos marginalizados no universo acadêmico. Por sua vez, a demógrafa Laura Wong, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar-UFMG), chamou a atenção para seus estudos sobre fecundidade e envelhecimento populacional, elaborados em diálogo com dados sobre desigualdades brasileiras. “Berquó foi uma das primeiras pesquisadoras a identificar que a esterilização feminina no Brasil ocorria de forma abusiva e desigual”, pontuou Wong, durante o seminário. Já Garcia, organizadora do evento, destacou que sua trajetória intelectual sempre esteve comprometida com a justiça social e a produção de conhecimento crítico sobre as desigualdades brasileiras.

Em outubro, o Nepo-Unicamp lançou um site em homenagem à demógrafa. Ali, estão reunidos artigos, livros e capítulos assinados pela pesquisadora, além de materiais de divulgação científica e vídeos de eventos dos quais participou. Além disso, realizou um seminário para abordar as contribuições científicas e institucionais de Berquó. Até o final do ano, a Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), vinculada à Secretaria-geral da Presidência da República, deve lançar o Prêmio Elza, que reconhecerá ações de impacto na área dos direitos sociais. Essa comissão foi presidida por Berquó de 1994, ano de sua criação, até 2003. Segundo Garcia, sob a coordenação da demógrafa, a CNPD tornou-se um espaço estratégico de formulação, monitoramento e articulação intersetorial. Isso, em sua avaliação, garantiu que os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na Conferência de População e Desenvolvimento, realizada no Cairo em 1994, fossem traduzidos em ações concretas, respeitando a diversidade regional, os direitos das mulheres e os desafios estruturais do país.

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