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Saúde pública

Aplicativo para localizar enfermidades

Ferramenta tem potencial para rastrear doenças infecciosas, como malária, tuberculose e Covid-19

Batizada de SiPoS, a plataforma criada na USP usa dados de localização do celular

Reprodução

O biólogo Helder Nakaya, vice-diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), finalizava, em março de 2020, a redação de um artigo sobre um aplicativo criado por ele e seu grupo de pesquisa para investigar focos (ou hotspots) de transmissão de malária a partir de dados de localização de smartphones quando estourou a pandemia do novo coronavírus. Meses antes, ao cruzar os dados do histórico de localização do celular de mais de 200 pacientes de malária da região amazônica, todos voluntários do estudo, a equipe conseguira identificar pontos de regiões endêmicas de transmissão da doença.

“Hoje até perde um pouco a graça falar em usar histórico de localização de celular para rastrear doenças infecciosas. Parece que não é algo inovador, mas antes da eclosão da pandemia do Sars-CoV-2 ninguém pensava nisso”, conta Nakaya. Batizada de SiPoS, de Sickness Positioning System (sistema de localização de doenças), a ferramenta foi posteriormente adaptada para rastrear contatos de casos de tuberculose ativa multirresistente a drogas e para determinar o início de sintomas em casos de chikungunya.

Entrevista: Helder Nakaya
00:00 / 19:24

Pesquisador do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (Crid), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, com sede em Ribeirão Preto (SP), Nakaya tentou utilizar o aplicativo no início dos casos de Covid-19 no Brasil, mas esbarrou em uma limitação operacional. A plataforma operava – e ainda opera – apenas com o sistema Android, pois o compartilhamento dos dados nessa plataforma se dá de forma relativamente fácil.

“Ocorre que, no início da pandemia no país, a grande maioria das pessoas infectadas, geralmente de classe mais alta, era usuária de iPhone, que emprega outro sistema operacional, o iOS. Isso dificultou o processo. Agora, temos dezenas de voluntários cadastrados que são usuários de Android para participar do estudo.” Com o aplicativo em fase de testes, Nakaya planeja publicar uma prova de conceito (estudo em pequena escala que demonstra a utilidade da ferramenta), demonstrar que a plataforma é segura e melhorar a visualização dos dados. Se essas etapas forem bem-sucedidas, o passo seguinte será transformar o aplicativo em um produto.

Reprodução Para participar do projeto, os voluntários precisam se cadastrar no site da ferramentaReprodução

Consentimento necessário
O cientista da USP diz que um dos principais desafios do projeto está relacionado à privacidade de dados dos voluntários. “Essa é a nossa principal preocupação. Temos vários métodos analíticos para proteger a informação das pessoas; tudo é tornado anônimo.”

Ele explica que a ferramenta é utilizada apenas com o aval dos voluntários e, além de anônimos, os dados só dizem respeito ao passado – ou seja, o SiPoS não monitora as pessoas em tempo real. “É um pouco assustador saber que tem alguém  acompanhando-o e que sabe por onde você anda. Nosso sistema olha para trás”, informa.

Nakaya destaca, porém, que as pessoas já abrem mão de sua privacidade e doam seus dados de localização gratuitamente. “Em qualquer aplicativo de entrega de comida ou de loja on-line, damos permissão para que a plataforma veja não apenas nosso histórico de compras, mas também a localização em tempo real. A diferença é que o nosso projeto tem um propósito nobre, que é o de enfrentar uma epidemia”, pondera.

A médica imunologista Ester Sabino, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Faculdade de Medicina da USP, considera que a ferramenta tem potencial para ser empregada no combate a doenças infecciosas. “É uma ideia que poderia ajudar a encontrar os hotspots quando a transmissão está em curso”, declara Sabino, cujo grupo ganhou notoriedade mundial ao fazer em apenas dois dias o sequenciamento do genoma dos primeiros casos do novo coronavírus no Brasil.

A ideia do aplicativo, cujo desenvolvimento teve apoio da FAPESP, começou a ser viabilizada em 2017, quando o projeto foi um dos selecionados para receber US$ 100 mil do programa Grand challenges explorations (GCE), da Fundação Bill & Melinda Gates. O GCE investe em inovações científicas e tecnológicas em saúde, agricultura e desenvolvimento que possam ajudar a solucionar graves problemas mundiais. O apoio foi fundamental para montar a infraestrutura da plataforma on-line.

“Já estamos usando o aplicativo para várias enfermidades, como malária, tuberculose, chikungunya e Covid-19. O que precisamos agora é de mais pacientes, mais pessoas que se voluntariem, para podermos entender direitinho o padrão de mobilidade das pessoas”, diz Nakaya.

Para cada doença são analisados diferentes dados. No caso da malária, procuram-se os locais pelos quais vários infectados passaram nos dias anteriores, em busca dos hotspots de transmissão do protozoário Plasmodium pelo mosquito Anopheles. Para tuberculose, o importante é verificar quanto tempo paciente e contatos passaram juntos, pois isso indica o grau de exposição de cada um e a necessidade de fazer testes. Na chikungunya, estuda-se o padrão de mobilidade do paciente para checar a data de início dos sintomas. E na Covid-19 verificam-se possíveis contatos de pessoas infectadas.

Para o rastreamento ter impacto na pandemia, explica Nakaya, o aplicativo teria que ser amplamente adotado pela população e o número de casos precisaria estar bem menor do que se encontra agora, quando o país registra mais de 50 mil casos diários.

“Na minha opinião, os dados de localização de celulares não foram usados da melhor forma para conter o espalhamento da epidemia, tanto pelo temor dos governos e das empresas de haver vazamento das informações quanto por ser uma forma nova de aplicação dessa tecnologia na epidemiologia. Por isso, os cientistas no Brasil não puderam trabalhar tanto quanto poderiam”, pondera o pesquisador. “Com dados de milhares de pessoas que tiveram ou não Covid-19, seremos capazes de fazer simulações e modelos mais precisos de como a epidemia ocorreu.”

Projetos
1.
Biologia integrativa aplicada à saúde humana (nº 18/14933-2); Modalidade Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Helder Takashi Imoto Nakaya (USP); Investimento R$ 1.814.606,53.
2. Estudo da transmissão de doenças usando celular de pessoas infectadas (nº 19/16419-7); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisador responsável Helder Takashi Imoto Nakaya (USP); Beneficiário Jeevan Giddaluru; Investimento R$ 176.177,46.

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