Um trabalho publicado em dezembro de 2006 na revistaNature Review Genetics por Bruce A.Edgar, do Fred Hutchinson Cancer Research Center, de Seattle, Estados Unidos (How flies get their size: genetics meet physiology), mostra uma foto de moscas que foram subalimentadas ao longo da vida. Elas são menores do que o padrão da espécie devido ao tamanho reduzido de suas células. Desde que a subalimentação não comprometa o seu estado nutricional, os insetos que comem pouco, tendem a viver mais tempo do que seus pares que se fartam de alimentos. Há bastante literatura científica sugerindo que ingerir menos calorias aumenta a longevidade de várias formas de vida, de vermes até o ser humano. No artigo, Edgar propõe que o tamanho reduzido das moscas não é conseqüência apenas da menor disponibilidade de alimentos. Elevações na temperatura da atmosfera, capazes de alterar a fisiologia dos insetos, também podem contribuir para encolher suas células e, com isso, diminuir seu tamanho. Se essa hipótese for verdadeira para o reino vegetal, poderíamos então inferir que as mudanças climáticas agora em curso ? desencadeadas pela elevação dos níveis de gás carbônico atmosférico, que amplificam o efeito estufa ? fariam com que as plantas ficassem menores e vivessem por mais tempo?
Sim e não, pois a situação é bem mais complexa. A temperatura não é o único fator que altera o crescimento dos organismos. Se um clima mais quente pode fazer com que as plantas cresçam menos, uma atmosfera com mais CO2 pode produzir justamente o efeito contrário: levá-las a se expandir e acumular mais reservas, ou seja, ficarem maiores ou mais ?gordas?. Uma quantidade maior de carbono disponível nas plantas talvez tenha repercussões negativas sobre a sua longevidade e para as teias alimentares de seu ecossistema. No caso da longevidade, a morte prematura de certas espécies de árvores pode abrir clareiras com mais freqüência e acelerar a sucessão ecológica, processo que forma a floresta. Como se sabe, as plantas estão na base das teias alimentares e quaisquer alterações nelas tendem a se refletir nos demais níveis da cadeia. Assim, se o processo de sucessão for acelerado, e houver um aumento no armazenamento de carbono (amido, por exemplo), os animais que dependem desse amido terão maior disponibilidade de carbono e energia. Como conseqüência, a taxa de reprodução pode se elevar, aumentando a população do predador. Essa situação pode tanto atingir um equilíbrio, como alterar fortemente os padrões da biodiversidade.
Não se pode desconsiderar também a possibilidade de, no final das contas, o aumento de temperatura e a elevação nos níveis de gás carbônico se anularem e não ocorrerem grandes alterações de tamanho nos vegetais em razão das mudanças climáticas. Na realidade, é provável que, com o aumento de CO2 e de temperatura, tenhamos um período em que os efeitos sejam positivos, acelerando o metabolismo da planta até um ponto ótimo, depois do qual surgem efeitos compensadores ou até negativos. Nada disso é 100% certo, mas sabemos que a fotossíntese das plantas em todo o mundo está aumentando em razão do aumento na concentração de CO2 atmosférico desde a revolução industrial até hoje ? e que essa alteração está fazendo os vegetais ficarem mais pesados. Portanto, se é para apostar numa das duas tendências, diria que as plantas têm chances maiores de engordar do que emagrecer por causa das mudanças climáticas. Pelo menos até cerca de 2050.
A maioria dos experimentos e observações científicas indica que uma atmosfera com mais CO2 ? e, por tabela, com temperaturas mais elevadas ? deverá provocar um aumento geral na biomassa das plantas. Provavelmente, as plantas não ficarão maiores em termos de tamanho, mas sim mais ?gordas?, pois acumulariam mais amido e mais celulose num ambiente com fartas concentrações de gás carbônico. As pesquisas de minha equipe na USP e do Instituto de Botânica de São Paulo com algumas espécies vegetais, como o jatobá e a cana-de-açúcar, indicam que essas plantas produzem mais amido em ambientes ricos em CO2.
Aqui cabe uma explicação sobre o crescimento dos seres vivos. O tamanho máximo que cada organismo deve ter está documentado em seu genoma. Durante o desenvolvimento de um organismo, e de cada um de seus órgãos, há programas que determinam quando, onde e com qual intensidade cada um dos seus genes será expresso (ativado). Esse sistema faz com que cada uma das proteínas esteja no lugar certo e na hora certa para construir o organismo. O nível de precisão é incrível e a informação sobre que tamanho um organismo deve ter é fundamental para seu desenvolvimento. Durante a fase de reprodução, por exemplo, é decisivo que os órgãos sexuais de machos e fêmeas de uma espécie tenham tamanho e forma compatíveis. Isso pode determinar se uma espécie continuará a existir ou não. Sabe-se que há exceções e que organismos podem aumentar ou diminuir seu tamanho ao longo da evolução, mas isso geralmente ocorre de forma lenta e sincronizada com eventos de longo prazo.
A determinação do tamanho de um organismo parece estar diretamente relacionada ao fluxo de energia que por ele passa durante seu desenvolvimento, um parâmetro que tem repercussões sobre a sua longevidade (relembrando: os obesos tendem a viver menos). Durante seu desenvolvimento, cada órgão passa por três etapas de crescimento: primeiro, ocorre uma expansão lenta; depois, há uma aceleração do crescimento, que entra numa fase exponencial; e, por fim, a velocidade da expansão diminui drasticamente. A duração da fase de aumento exponencial do crescimento está relacionada ao fluxo de energia num organismo. Ou seja, quando a produção de açúcares e aminoácidos aumenta muito num ser vivo, uma via de sinalização avisa as células para pararem de se dividir e/ou de expandir. O organismo então entra num período que chamamos Intervalo de Cessação do Crescimento (ICC). Como conseqüência, quando o fluxo de energia em um organismo é muito maior do que o programa de sinalização do ICC pode suportar, a única saída é ?crescer para os lados?: armazenar o excesso de carbono e nitrogênio em algum lugar, pois não dá mais para usá-los para crescer para cima. Nos seres humanos, esse é o momento em que engordamos, devido ao acúmulo de gorduras. Nas plantas, o armazenamento do excesso de energia ocorre na forma de amido e celulose.
Mas, afinal, como as mudanças climáticas podem alterar o crescimento e a longevidade dos vegetais e, por tabela, dos membros de suas teias alimentares? Plantas com mais amido, mais ?gordas?, disponibilizam mais carboidratos para seus predadores, que, ao ingeri-las, obtêm um maior fluxo de energia em seus corpos do que antes costumavam obter. Dessa forma, é possível que, com as mudanças climáticas, as teias alimentares tenham entrado num regime de trabalho movido a um fluxo energético significativamente maior do que o encontrado antes da revolução industrial, quando o nível de CO2 era metade do atual. Se isso realmente fizer sentido, poderíamos especular que as crescentes atividades do homem, que parecem ser a causa principal das mudanças climáticas, poderiam acelerar os processos ecológicos e fazer com que cada vez mais energia e matéria sejam bombeadas para dentro dos ecossistemas. Dessa escalada energética resultariam, em tese, seres mais gordos e menos longevos. É verdade que uma diminuição geral da longevidade pode ser um problema menor, desde que as relações entre os diferentes organismos de uma comunidade se mantenham. No entanto, um problema sério poderá ocorrer se, em algum momento, essas relações começarem a ser quebradas e as comunidades perderem suas conexões em rede. Nesse caso, espécies que sejam exclusivas de determinadas comunidades, e que não tenham como se conectar a ecossistemas alternativos, poderão ser levadas à extinção. Ainda não sabemos se esse momento de ruptura total das teias alimentares pode realmente ocorrer ? ou isso é apenas catastrofismo. Mas essa é certamente uma questão importante a ser pesquisada e discutida para que possamos conhecer melhor como as mudanças climáticas irão afetar os seres vivos em nosso planeta.
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