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Amazônia

Árvores amazônicas morrem em consequência de seca

Experimento que limita a chegada de água ao solo identifica colapso hidráulico súbito

Patrick Meir trabalha junto à cobertura e calha que conduz a água para fora da área experimental

Rafael oliveira/unicamp Patrick Meir trabalha junto à cobertura, na calha que conduz a água para fora da área experimentalRafael oliveira/unicamp

O mar verde das copas das árvores que recobrem o norte do Pará, próximo à ilha de Marajó, exibe falhas numa área de 1 hectare na Floresta Nacional de Caxiuanã. Nesse trecho de floresta amazônica sobressaem árvores mortas acima do dossel perfurado por clareiras. Algumas dezenas de metros abaixo está o motivo: uma cobertura que impede que metade da água que cai nas chuvas chegue ao chão, simulando uma situação de seca. É o projeto Esecaflor, abreviação de Efeitos da Seca da Floresta, criado pelo ecólogo Patrick Meir, da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e da Universidade Nacional da Austrália, em parceria com o meteorologista Antonio Carlos Lola da Costa, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Desde 2001 os pesquisadores vêm fazendo medições fisiológicas nas árvores desse pedaço de floresta e nos últimos anos registrou uma mortalidade drástica entre as árvores mais altas. “Das 12 árvores mais altas com diâmetro maior que 60 centímetros, restam apenas três”, conta Lucy Rowland, do grupo de Meir. Eles acabam de identificar a causa interna dessa mortalidade: uma falha no sistema hidráulico, segundo mostra artigo publicado nesta segunda-feira (23/11) na revista Nature.

Os resultados indicam que, quando não há um suprimento suficiente de água no solo, aumenta a tensão na coluna d’água no interior dos vasos condutores das árvores, o xilema. A integridade dessa coluna, que depende da adesão natural entre as moléculas de água, acaba comprometida por bolhas de ar. A consequência disso é a incapacidade de levar água das raízes às folhas, que leva à morte súbita da árvore. Os pesquisadores ressaltam que essa falha hidráulica funciona como um gatilho que inicia o processo de morte, sem ser necessariamente a causa final.

“Estamos tentando avaliar a resistência da floresta à seca e entender por que cada espécie reage de uma maneira”, conta o biólogo Rafael Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), colaborador do projeto há dois anos. “Medimos a vulnerabilidade do sistema hidráulico das plantas à formação de bolhas de ar, que chamamos de vulnerabilidade à cavitação, e vimos que ela tem relação com o diâmetro da árvore.” A observação condiz com a queda apenas das árvores mais altas: 15 árvores com diâmetro maior de 40 centímetros caíram na área experimental ao longo do experimento, em comparação com apenas uma ou duas na zona de controle, onde não há exclusão de chuva. O impacto é grande, porque essas árvores gigantescas concentram uma parcela importante da biomassa da floresta e do dossel emissor de umidade. Enquanto isso, as de tamanho médio estão crescendo até mais, graças ao aumento da luz que chega até elas agora que a mata antes densa vai se tornando esparsa e cheia de frestas entre as copas.

Uma das hipóteses favorecidas para explicar a morte de árvores em situações de seca era o que os pesquisadores chamam de “fome de carbono”. Quando as folhas fecham os estômatos (poros que permitem transpiração e trocas gasosas) para evitar o ressecamento, também podem reduzir a absorção de carbono. No caso de Caxiuanã os pesquisadores descartaram essa possibilidade depois de verificar que as árvores continham um suprimento normal de carbono e não pararam de crescer até a morte.

O estudo traz resultados inéditos por sua longa duração: o colapso só surgiu após 13 anos da seca experimental. O projeto vem sendo mantido há 15 graças ao financiamento inicial obtido por Meir e pelo esforço de Antonio Carlos Lola da Costa, que coordenou a construção da estrutura e, além de orientar uma série de projetos de mestrado e doutorado ali, vem conseguindo obter financiamento de fontes diversas para a manutenção da cobertura, que consome entre R$ 10.000 e R$ 15.000 por mês. Um valor que tende a subir, agora que mais árvores têm sucumbido à seca, destruindo parte da estrutura. “Ainda não sei se conseguiremos verba para o ano que vem”, diz.

Um argumento forte para a persistência do projeto é a necessidade cada vez maior de se prever as consequências da redução nas chuvas esperada no contexto das mudanças climáticas globais. Este ano, caracterizado por um fenômeno El Niño mais forte do que a média, a equipe do Esecaflor encontrou, em novembro, uma floresta que não via chuva há mais de dois meses. “O IPCC de 2013 apontou nossa falta de capacidade em prever a mortalidade relacionada à seca nas florestas como uma das incertezas importantes na ciência ligada à vegetação e clima”, conta Meir. “Esperamos que nossos resultados ajudem a reduzir essa incerteza.” Segundo ele, é importante que se busque estabelecer políticas públicas que reduzam o risco de mudanças climáticas responsáveis por secas mais intensas e prolongadas, quebrando um ciclo que se retroalimenta: ao se decomporem, árvores imensas mortas liberam na atmosfera um carbono que tende a agravar o efeito-estufa.

Nessa busca por reduzir incertezas e antecipar o futuro, Lucy vem trabalhando no aprimoramento de modelos ecológicos que permitam representar melhor a reação de florestas tropicais à redução nas chuvas.

Artigo científico
ROWLAND, L. et al. Death from drought in tropical forests is triggered by hydraulics not carbon starvationNature, on-line 23 nov. 2015.

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