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Covid-19

As duas epidemias de São Paulo

Inquérito sorológico mostra que o novo coronavírus se dissemina em velocidade diferente nas áreas ricas e pobres da capital paulista

A propagação do novo coronavírus em bairros pobres da periferia, como Cidade Tiradentes, ocorre em ritmo mais acentuado

Léo Ramos Chaves

A segunda fase do estudo epidemiológico realizado na cidade de São Paulo entre os dias 15 e 24 de junho, 16 semanas após o registro do primeiro caso no município, mostrou que a dinâmica de propagação da epidemia de Covid-19 reflete as desigualdades sociais que caracterizam a maior metrópole brasileira. Enquanto a taxa de prevalência de anticorpos contra o vírus Sars-CoV-2 nas pessoas residentes nos distritos mais ricos da capital paulista foi de 6,5%, nos de menor renda, situados principalmente em regiões periféricas, o índice foi 2,5 vezes maior e atingiu 16%.

“A periferia da cidade está sendo muito mais penalizada pela Covid-19”, declarou o infectologista Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury, um dos coordenadores do levantamento, durante coletiva de imprensa ocorrida nesta quarta-feira (1º/7) para divulgação dos resultados da pesquisa. O estudo foi feito a partir da análise de 1.183 amostras de sangue coletadas de indivíduos com 18 anos ou mais, moradores de 115 setores censitários da capital paulista.

Na cidade como um todo, a soroprevalência – ou seja, a frequência de indivíduos que apresentaram anticorpos IgG e IgM contra o novo coronavírus – situou-se em 11,4%. Extrapolando para o conjunto da população paulistana na faixa etária-alvo, que soma 8,4 milhões, um total de 958 mil pessoas já devem ter tido contato com o vírus. Segundo dados oficiais da prefeitura de São Paulo, em 24 de maio, último dia da coleta de dados da pesquisa, a cidade tinha 49,3 mil casos confirmados, número quase 20 vezes menor do que o estimado pelo inquérito sorológico. Em 1º de julho, a quantidade de casos notificados na capital saltou para 160 mil.

“A partir dos resultados do estudo, podemos concluir que temos duas epidemias com dinâmicas distintas se desenrolando na capital paulista”, sustenta o biólogo Fernando Reinach, integrante do grupo que coordena a pesquisa SoroEpi MSP – Inquéritos soroepidemiológicos seriados para monitorar a prevalência da infecção por Sars-CoV-2.

O estudo também identificou uma relação entre a taxa de contágio e a escolaridade da população. A soroprevalência entre pessoas com educação superior foi de 5,1%, enquanto o índice entre os que não concluíram o ensino fundamental atingiu 22,9% – 4,5 vezes superior.

O levantamento revelou ainda que a disseminação da Covid-19 é maior entre moradores autodeclarados pretos do que entre brancos. No primeiro grupo, a taxa de prevalência de anticorpos para o novo coronavírus foi de 19,7%, enquanto entre a população que se definiu branca ficou em 7,9%. Entre pardos, o índice encontrado foi de 14%.

Um projeto conjunto de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, com apoio do Grupo Fleury, Ibope Inteligência, Instituto Semeia e Todos pela Saúde, a segunda etapa do estudo, também mostrou que houve um aumento de 2,4 vezes na soroprevalência da população paulistana quando comparada à primeira fase do levantamento, ocorrida em 4 de maio. Naquela ocasião, 4,7% dos entrevistados apresentaram anticorpos para o Sars-CoV-2.

“De certa forma esses dados traduzem a expansão do novo coronavírus na nossa cidade”, afirmou Granato, destacando que as duas etapas não são perfeitamente comparáveis, pois a amostragem empregada nelas não foi a mesma. A pesquisa de agora teve abrangência municipal, enquanto a da primeira fase limitou-se aos seis bairros da capital com as mais altas taxas de casos e óbitos naquela ocasião.

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