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As duas faces da vassoura-de-bruxa

Material complementar à reportagem A vassoura varrida, da edição de n° 128, de outubro de 2006

de Ilhéus

EDUARDO CESAR

Cacau com vassoura-de-bruxa ao lado de um saudável, no mesmo cacaueiroEDUARDO CESAR

A pior doença que as plantações de cacau já enfrentaram no Brasil apresenta duas fases. Na primeira, os esporos, a forma reprodutiva do fungo, aderem inicialmente à superfície dos tecidos dos ramos ou frutos em crescimento. Em seguida, o fungo lança uma hifa – um tubo alongado, formado por células de um só núcleo. A hifa, nessa fase chamada biotrófica por viver dentro de tecidos vivos, atravessa os estômatos, estruturas celulares que controlam a entrada e saída de gases e vapor d?água. Acomoda-se então em regiões bastante pobres em nutrientes do espaço entre as células jovens do cacaueiro. O cacaueiro detecta que algo está errado e começa a se defender. Libera substâncias com efeito antimicrobiano como etileno, cafeína, teobromina e flavanóides, mas o fungo se comporta como um boxeador que se recusa a cair mesmo apanhando sem parar.

Em outro mecanismo de defesa a que o cacaueiro recorre nessa fase inicial, as células se enchem com cristais de oxalato de cálcio, que formam peróxido de hidrogênio – água oxigenada –, um potente antimicrobiano. Mas nem assim o inoportuno morre. Deve sofrer, já que reduz a respiração ao mínimo, mas espera sem pressa. Uma enzima do fungo chamada oxidase alternativa ajuda a conter o impacto do ataque químico. A planta, como se entendesse que o ramo infectado precisasse de mais cuidados, libera nutrientes e hormônios de crescimento. Os ramos que abrigam o fungo crescem exageradamente e, um mês depois da infecção, formam a chamada vassoura verde, como é conhecida essa etapa inicial da doença.

EDUARDO CESAR

Fungo causador da vassoura-de-bruxa cultivado em laboratórioEDUARDO CESAR

É na segunda fase da doença que o fungo mostra por que é pernicioso. Esgotada, dando sinais de asfixia, com o metabolismo desregulado e sem mais defesas a que recorrer, a planta aciona os mecanismos de morte celular. O largo ramo verde ou o fruto em crescimento então começa a morrer. As células se rompem e a planta, talvez em uma tentativa de se recuperar do prejuízo de ter nutrido um ramo infectado, tenta resgatar os nutrientes. É justamente o aumento de nutrientes no espaço intercelular que sinaliza ao fungo que o bombardeio terminou. As hifas, que até então quase não cresciam, começam a se desenvolver e a se multiplicar, inaugurando a fase necrotrófica da doença, quando o fungo só se alimenta de tecidos mortos.

Agora abundante, o fungo devora o ramo ou o fruto, que semanas depois da infecção começam a secar, mas permanecem presos ao cacaueiro: se caíssem seriam destruídos pelos microrganismos do solo. Instaladas nos longos tubos chamados de hifas, as colônias do agente causador da vassoura-de-bruxa podem aguardar por anos seguidos o sinal que vai acionar a próxima etapa do ciclo reprodutivo: a alternância entre dias chuvosos e ensolarados, que marca o início do verão baiano. De um dia para outro surgem os cogumelos cor-de-rosa sobre a superfície dos ramos ou dos frutos mortos. É também quando os genes dos oito cromossomos do fungo se combinam trocando partes entre si. A cada nova geração a variabilidade genética se amplia bastante por causa da abundância de genes saltadores conhecidos como transposons. Dos cogumelos saem os esporos, a frágil forma reprodutiva do fungo. Levados pelo vento a plantas novas a até 10 quilômetros de distância, os esporos só possuem três a quatro horas de vida e morrem se não encontram tecidos jovens em que possam se abrigar. Mas é justamente nessa época, de maio a junho de cada ano, que estão crescendo os brotos das árvores podadas dois ou três meses antes, após o final da safra.

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