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Física

As primeiras imagens

Em teste inicial, o Sirius, nova fonte de luz síncrotron brasileira, produz microtomografia de rocha e de coração

Instalações do Sirius, em Campinas

CNPEM

Em dezembro, foram obtidas as primeiras microtomografias de raios X produzidas pelo maior e mais complexo instrumento de pesquisa já construído no país: o Sirius, uma das mais avançadas fontes de luz síncrotron do mundo. A imagens mostravam detalhes de uma rocha e do coração de um camundongo. “Essas primeiras microtomografias de rochas demonstram a funcionalidade dessa grande máquina”, afirma o físico Antônio José Roque da Silva, diretor do CNPEM e responsável pelo projeto Sirius.

Instalado no campus do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, interior de São Paulo, o Sirius ocupa um prédio em forma de donut de 68 mil metros quadrados, com temperatura controlada e erguido sobre uma espessa base de um concreto especial para absorver vibrações do solo. Em seu interior, estão instalados três aceleradores de partículas conectados entre si. São eles que devem gerar e manter circulando em um anel de 518 metros de circunferência, a uma velocidade muito próxima à da luz, um feixe de partículas de carga elétrica negativa (elétrons) com espessura milhares de vezes inferior à de um fio de cabelo. Poderosos ímãs acoplados ao anel forçam as partículas a sofrer pequenos desvios até completar o círculo. A cada alteração na trajetória, os elétrons perdem parte de sua energia na forma de uma luz especial: a radiação síncrotron (em especial na faixa dos raios X), que penetra até mesmo nos materiais mais densos, como rochas, permitindo estudar sua estrutura na escala dos átomos.

As imagens de dezembro foram produzidas menos de um mês após o trio de aceleradores ter funcionado, pela primeira vez, em conjunto. Elétrons gerados no primeiro acelerador foram impulsionados em linha reta até quase a velocidade da luz e injetados no segundo acelerador, em forma de anel. Ali, eles ganharam energia e foram direcionados para o terceiro, chamado de anel de armazenamento, de onde se extrai a radiação síncrotron.

Entrevista: Antônio José Roque da Silva
00:00 / 14:32

Para que isso ocorresse, foi necessário que os milhares de componentes da máquina (ímãs, sensores de posição das partículas, câmeras de vácuo, circuitos elétricos e computadores) trabalhassem ajustados e em sincronia. Para se ter uma ideia da complexidade da tarefa, as peças dos aceleradores têm de estar alinhadas com precisão de micrômetros (milésimos de milímetro) para que o feixe de elétrons se mantenha estável no anel de armazenamento. O prédio do Sirius é novo – foi inaugurado em novembro de 2018 – e sua estrutura ainda sofre movimentos sutis pela acomodação do terreno. Elas causam alterações na trajetória dos elétrons, que, apesar de serem da ordem de micrômetros, são suficientes para destruir o feixe de partículas.

No primeiro teste integrado, feito em novembro, as partículas completaram apenas duas voltas no anel de armazenamento. Aprimoramentos na calibragem do sistema de correção da órbita das partículas feitas nas semanas seguintes aumentaram a estabilidade do feixe. Em meados de dezembro, os elétrons já completavam 150 voltas, realizadas em brevíssimos 250 milionésimos de segundo. Quando atingir a capacidade plena de funcionamento, a máquina permanecerá ligada ininterruptamente, com os elétrons realizando 600 mil voltas por segundo.

Planejado em 2012 com a configuração atual, o Sirius é um equipamento orçado em R$ 1,8 bilhão. Ele começou a ser construído em 2014 para substituir o UVX, a primeira fonte de luz síncrotron do hemisfério Sul que, nos últimos anos, havia deixado de ser competitiva. Equipes do CNPEM projetaram o novo equipamento e encomendaram a empresas nacionais de alta tecnologia a maior parte de suas peças. Em cinco anos, o prédio foi erguido e os aceleradores de partículas instalados.

Simultaneamente aos testes dos aceleradores, as equipes do CNPEM trabalhavam na montagem das três primeiras 13 estações experimentais que integrarão o Sirius. A primeira a ficar pronta será a Manacá, que estava quase concluída em dezembro. Essa estação receberá luz síncrotron na frequência dos raios X e permitirá fazer imagens tridimensionais de proteínas, com a localização precisa de cada átomo, algo importante para o desenvolvimento de fármacos. Segundo a direção do CNPEM, até março, ao menos outra estação deve estar completa – a Cateretê, que será capaz de obter imagens tridimensionais de células vivas e registrar fenômenos muito rápidos, como alterações na molécula de DNA – e uma terceira parcialmente pronta, a Mogno, voltada para estudar materiais mais densos, como rochas.

Em 11 de dezembro entraram na conta do CNPEM R$ 180 milhões, o equivalente a 80% do orçamento de 2019 – o resto já havia sido recebido. Com esse valor, segundo a direção do centro, será possível iniciar a montagem de mais três ou quatro estações experimentais neste ano. A previsão é que, a partir do segundo semestre, pesquisadores com mais experiência no uso desse tipo de equipamento iniciem os primeiros experimentos no Sirius, que deve estar completo no fim de 2021. “Em pouco mais de cinco anos estamos conseguindo colocar o Sirius para funcionar, mesmo com o país tendo atravessado uma das piores crises de sua história recente”, conta Silva.

Quando estiver em pleno funcionamento, o Sirius, o primeiro equipamento de quarta geração do hemisfério Sul, terá dois competidores diretos: o MAX IV, a primeira fonte de luz síncrotron de quarta geração, já em operação na Suécia, e a fonte extrabrilhante (EBS) do European Synchrotron Radiation Facility (ESRF), na França, o primeiro equipamento de terceira geração do mundo, que passa por aprimoramento para se tornar uma máquina de quarta geração.

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