A identificação das taxas de desgaste das rochas nos últimos 100 mil anos esclareceu um pouco mais do passado e do que poderá ocorrer no futuro da paisagem das serras do Mar e da Mantiqueira, nas regiões do Sudeste e Sul. Depois de examinar a movimentação do relevo por meio da abundância de elementos químicos em minerais coletados em 24 pontos da região, o geógrafo Daniel Souza, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), concluiu que as rochas dos morros do município de Ubatuba, no litoral norte paulista, apresentam a maior taxa de erosão na região. Isso significa que perderam até 100 metros (m) de altura por milhão de anos, o equivalente a 1 centímetro a cada 100 anos – o desgaste da cordilheira dos Andes é dez vezes maior. Como o efeito é cumulativo, a praia tende a se ampliar lentamente em direção ao interior. Em milhões de anos, a planície costeira poderá ser tão larga quanto a do município de Santos, também no litoral paulista.
“A erosão das rochas das serras diminuiu, mas nas escarpas litorâneas nas bordas das serras continua tão intensa quanto há milhões de anos”, observou Souza. Escarpa é uma inclinação abrupta na borda de uma região plana, enquanto serra é uma estrutura que geralmente se assemelha a um prisma alongado. As análises do geógrafo indicaram que a erosão é mais intensa na serra do Mar, por causa das chuvas constantes, do que na Mantiqueira. “Os rios e as chuvas estão corroendo as bordas dos planaltos e ampliando as escarpas”, concluiu.
Descrito em outubro de 2020 na Journal of South American Earth Sciences, o trabalho de Souza reforçou as evidências sobre o recuo das escarpas litorâneas em 10 quilômetros (km) a cada 10 milhões de anos e delineia o que pode acontecer daqui a milhões de anos: o avanço das escarpas para o interior e a ampliação das planícies costeiras, além da transformação de regiões serranas em vastos planaltos, a não ser que outros movimentos da superfície terrestre façam as serras empinarem novamente ou criem outras.
Durante seu doutorado, realizado no Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) sob orientação do geólogo Peter Hackspacher, Souza aplicou duas técnicas para analisar os movimentos do relevo na região serrana.
A primeira é a termocronologia, que registra a variação da temperatura das rochas no interior do planeta ao longo do tempo, de acordo com a taxa de decaimento (perda de massa) de seus elementos químicos – quanto menor a temperatura, mais próximo à superfície está a rocha. Por meio dessa metodologia ele examinou a proporção de urânio, tório, samário e hélio de seis amostras de granitos e gnaisses, às quais somou análises de 130 pontos da região feitas desde a década de 1990 por Hackspacher e outros pesquisadores do Brasil e do exterior.
A outra técnica é a medição de isótopos do elemento químico berílio (10Be), formado pela interação de quartzo com raios cósmicos que chegam do espaço – quanto mais berílio 10, menor a erosão. Isótopos são variantes de um elemento químico que diferem na quantidade de nêutrons.
Souza apresentou as análises de suas 18 amostras de sedimentos coletados em areia do fundo de rios em abril de 2019 na Geomorphology e as complementou com as 26 do geógrafo André Salgado, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), descritas em fevereiro de 2016 na revista Journal of South American Earth Sciences.
Juntos, esses trabalhos detalham a história das serras do Mar e da Mantiqueira, moldadas por incessantes movimentos da superfície e pela erosão causada por rios e pelo clima, principalmente a chuva. Um dos resultados da separação dos continentes, iniciada cerca de 130 milhões de anos atrás, as serras litorâneas do Sudeste e Sul constituíram inicialmente uma elevação única. Depois cresceram um pouco mais, atingindo 4 mil m de altitude, o dobro da Pedra da Mina, o ponto mais alto da região hoje, e se afastaram, formando o vale do Paraíba (ver infográfico).